Regulamentação do Novo Marco Legal do Saneamento Básico: Decretos federais nº 11.466/2023 e nº 11.467/2023

No mês de abril o Governo Federal publicou dois decretos que trazem alterações relevantes à disciplina da prestação dos serviços públicos de saneamento básico, tal qual instituída originalmente pela Lei federal nº 14.026/2020 (Novo Marco Legal do Saneamento Básico). Trata-se dos Decretos federais nº 11.466/2023 e nº 11.467/2023, ambos de 05 de abril.

O primeiro revoga o Decreto federal nº 10.710/2021 e traz novas regras para comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviços de saneamento básico. Nos termos do novo Decreto, os prestadores terão até o dia 31 de dezembro de 2023 para apresentar a documentação exigida à verificação. Ainda, o Decreto trata o tema de modo mais flexível que outrora, ao prever que, caso os indicadores mínimos não sejam atingidos, o prestador poderá ter sua capacidade reconhecida mediante a apresentação de um plano de metas para atingimento dos referenciais em até 5 anos.

Decreto federal nº 11.467/2023, por sua vez, revoga o Decreto federal nº 10.588/2020, alterando as regras sobre a prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico e o apoio técnico e financeiro da União ao setor. Vale ressaltar que a prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico e os incentivos para tal é uma das tônicas do Novo Marco Legal do Saneamento, que compreende a regionalização como mecanismo útil e relevante à universalização do saneamento, tal qual propugnada pela lei. Nos termos de seu art. 50, a adesão dos Municípios à prestação regionalizada é condição necessária à obtenção de recursos públicos federais e financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da União.

O art. 15 do Decreto federal nº 11.467/2023, contudo, prevê que essa condição somente será aplicável após 31 de dezembro de 2025. Após essa data, os Municípios teriam o prazo de 180 dias para aderir às estruturas de regionalização que vierem a ser criadas (Lei federal nº 11.445, art. 50, VIII). Entretanto, o prazo não tem caráter vinculante, uma vez que o Decreto afirma que a condição de adesão à regionalização será considerada cumprida mesmo que implementada posteriormente aos referidos 180 dias.

Outra alteração relevante advinda do Decreto federal nº 11.467/2023 diz respeito à celebração de novos contratos de programa entre Municípios e empresas estatais de saneamento sem licitação prévia – hipótese vetada pelo Novo Marco Legal, com o objetivo de fomentar a competitividade no setor, colocando as empresas estatais em posição de igualdade aos prestadores privados.

Conforme o Decreto – controversamente – resta amainada a proibição, ao dispor que, nos casos de microrregiões, aglomerações urbanas e regiões metropolitanas, a entidade de governança poderá autorizar a descentralização da prestação dos serviços à empresa estatal que integre a administração do respectivo Estado.

Outra alteração promovida pelo Decreto federal nº 11.467/2023 diz respeito ao limite à contratação de parcerias público-privadas. A norma exclui do limite máximo do valor dos contratos de concessão que poderiam ser transferidos pelos Estado a um particular por meio de PPPs, compreendendo que o limite de 25% para a subdelegação dos serviços a terceiros não é aplicável (art. 5º, §4º). Nesse sentido, faz-se possível que as companhias estaduais de saneamento permaneçam na posição de concessionárias do serviço público, mesmo que atuem simplesmente como gestoras de uma PPP.

Por fim, o Decreto federal nº 11.467/2023 traz os critérios para a elaboração das normas de referência pela Agência Nacional de Águas – ANA, ente regulador setorial, tal qual posto na Lei federal nº 14.026/2020. Na forma do Decreto, tais normas devem ter caráter geral e abrangente, tal qual uma lei-quadro, limitando-se ao “mínimo necessário para atingimento da finalidade de padronização”. 

O Governo Federal estima que o arcabouço normativo do saneamento básico na forma posta, segundo a Lei federal nº 11.445/2007 com as alterações da Lei federal nº 14.026/2020 e decretos regulamentares recentes, deverá estimular os investimentos no setor e permitir que 1.113 municípios voltem a ser capazes de acessar recursos federais para investir em ações de saneamento, tornando mais factível a universalização vislumbrada pelo Novo Marco Legal.


Ana Carolina Hohmann

Doutora e Mestre em Direito do Estado pela USP
Advogada

 

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Breves notas sobre negócios biojurídicos: a questão das diretivas antecipadas de vontade¹

Todos concordam com um traço cultural bastante comum em nossa população: não gostamos de tratar de temas relacionados à terminalidade da vida. Basta a mera sugestão de pensar num testamento para que alguns busquem alterar o rumo da conversa.

Entretanto, a pandemia da covid-19 mudou drasticamente a percepção das famílias, quando deparadas com a realidade de internação por conta da doença. Infelizmente, muitos brasileiros padeceram sem ter oportunidade de planejar sua sucessão ou até mesmo se despedir dos seus entes queridos.

Tantos infortúnios acabaram por aumentar o interesse sobre diretivas antecipadas de vontade (DAVs) que, apesar de ainda não contarem com uma legislação específica em nosso país, vêm se desenvolvendo muito na última década, num diálogo interdisciplinar entre a ciência médica e jurídica.

Uma diretiva antecipada de vontade para tratamento de saúde não deve ser estudada apenas no cenário da terminalidade da vida em face de uma doença terminal, vale dizer, incurável. É preciso ampliar o foco de estudo para qualquer tipo de situação que poderá ocorrer no futuro, durante a circunstância de não termos condições de exprimir nossa vontade, quer seja em face de um estado de coma ou por degeneração das funções cognitivas decorrentes de enfermidades, por exemplo. Juntem-se a isso situações em que pessoas com algum tipo de enfermidade mental passam por momentos de descontrole dos efeitos de sua condição de saúde e, momentaneamente, não conseguem discernir sobre alternativas de condutas terapêuticas disponíveis.

Tem-se ainda a delicada questão sobre decisões médicas motivadas por intercorrências não previstas que necessitam ser adotadas durante um complexo procedimento cirúrgico que nem sempre ocorre em condições de urgência.

O que une tantas situações fáticas distintas é a compreensão da possibilidade de o exercício da autonomia existencial ocorrer preventivamente, por não se ter certeza de que, no momento da decisão sobre qual tratamento deve (ou não) ser adotado, o paciente terá a possibilidade de fazê-lo, não importando aqui as razões do impedimento, pois não se deve analisar a sua capacidade de agir na contemporaneidade do tratamento, mas sim no momento de sua manifestação de vontade, caso exista firmada uma diretiva antecipada.

Um exemplo ajudará a ilustrar a afirmação acima. Imagine-se uma pessoa que aos 39 anos de idade recebe um diagnóstico de doença crônica (incurável), que progredirá na direção de uma morte motivada por degeneração das funções cognitivas. Haveria no sistema jurídico pátrio algum impedimento para que os desejos e opções terapêuticas deste paciente pudessem ser respeitados, quando, no futuro, ele não tiver mais condições de exprimir suas vontades?

O que deve prevalecer se, nos derradeiros momentos de sua vida, seus herdeiros tiverem outra opinião sobre o tratamento a ser dispensado, quando apenas a obstinação terapêutica está disponível? Ou seja, busca-se meramente adiar o inevitável, pois não existe cura para a situação de saúde e as opções de tratamento podem ser tão penosas quanto aspectos da própria enfermidade.

Se o entendimento sobre a necessidade de respeito às disposições de última vontade do autor da herança, quando formalizadas por testamento válido, é ponto pacífico na doutrina e jurisprudência, não se pode afirmar o mesmo em relação ao dissenso entre os desejos do paciente e de seus familiares na fase da terminalidade da vida.

Há quem busque aplicar a tais situações idêntico raciocínio dispensado aos negócios jurídicos patrimoniais, o que nos leva a seguinte indagação: se o paciente não consegue exprimir sua vontade, deve ser submetido a curatela, deixando-se decisões de saúde como prerrogativa do curador?

Diante da existência de uma DAVs, estabelecida após os devidos esclarecimento das opções terapêuticas e dos seus riscos, vale dizer, verificado que o documento é fruto de uma manifestação livre, consciente e esclarecida de vontade do paciente, não parece haver espaço em nosso ordenamento para seguir confundido o tratamento dispensado a negócios patrimoniais, com questões existenciais.

Os limites da curatela em nosso sistema foram muito bem traçados com o advento da Lei Brasileira de Inclusão (Estatuto da Pessoa com Deficiência), limitando-a a aspectos patrimoniais da vida daquele que necessita de curatela, o que não envolve, como regra geral, decisões sobre sua saúde.

É preciso seguir pesquisando sobre esses complexos assuntos e suas intricadas relações com a bioética e tecnologia, pois os avanços nos tratamentos disponíveis criam novas oportunidades e perspectivas para diversas enfermidades.


Marcos Ehrhardt Júnior²
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor de Direito Civil da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e do Centro Universitário Cesmac.
Notas
[1] Texto extraído do Editorial da Revista Fórum de Direito Civil – RFDC.  Belo Horizonte, ano 11, n. 31, p. 7-10, set./dez. 2022.
[2] Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor de Direito Civil da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e do Centro Universitário Cesmac. Editor da Revista Fórum de Direito Civil (RFDC). Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil). Presidente da Comissão de Enunciados do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont) e do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC). Advogado. E-mail: contato@marcosehrhardt.com.br.

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O Marco Regulatório da Geração Distribuída (GD): um trade off entre a sustentabilidade e a higidez dos contratos de Distribuição

A Geração Distribuída (GD) é uma forma de geração de energia renovável, local ou remota, por intermédio da qual o excedente de energia elétrica gerado por unidade consumidora de titularidade de um consumidor-gerador, pessoa física ou jurídica (notadamente empreendimentos que se valem da energia solar, como fonte de energia), é compensado ou creditado, pela mesma unidade, no âmbito do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE). O tema fora disciplinado, historicamente, por intermédio da Resolução Normativa (REN) ANEEL n° 482/2012, normativo que permitiu que os usuários do sistema pudessem gerar a sua própria energia elétrica, a partir de fontes renováveis, ou de cogeração qualificada, bem como fornecer o excedente para a rede de distribuição de sua localidade – normativo que restou revisado pela REN nº 687/2015.

A agenda de debates a propósito do tema ganhou novos quadrantes, a partir da edição da REN n° 1.000/2021 (alterada pela REN n° 1059/2023), que teve por desiderato, para além de reduzir os custos e o tempo para a conexão da microgeração e minigeração, compatibilizar o Sistema de Compensação de Energia Elétrica com as condições gerais de fornecimento de energia, no âmbito dos sistemas de distribuição de energia elétrica. Mais recentemente, foi editada a Lei n° 14.300/2022, que institui o marco legal da microgeração e minigeração distribuída, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) e o Programa de Energia Renovável Social (PERS).

O cerne do Novo Marco Regulatório da GD é o de propiciar que a diferença positiva entre a energia elétrica injetada e a energia elétrica consumida, por unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída de titularidade de consumidor-gerador, possa ser compensada entre o gerador e o concessionário de distribuição de energia elétrica. Tal encontro de contas será endereçado, por posto tarifário, a cada ciclo de faturamento – exceto para o caso de empreendimento com múltiplas unidades consumidoras ou geração compartilhada.

A despeito de fomentar a utilização de fontes renováveis de energia (providência alvissareira em face da dependência hidrotérmica brasileira), fato é que o novel diploma produzirá efeitos nos contratos de concessão de distribuição em vigor. É que, de acordo com o art. 2° do normativo, “as concessionárias ou permissionárias de distribuição de energia elétrica deverão atender às solicitações de acesso de unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída, com ou sem sistema de armazenamento de energia, bem como sistemas híbridos, observadas as disposições regulamentares”. Ainda de acordo com o Marco Regulatório, “Para o atendimento às solicitações de nova conexão ou de alteração da conexão existente para instalação de microgeração ou minigeração distribuída, deve ser calculada a participação financeira da concessionária ou permissionária de distribuição de energia elétrica, bem como a eventual participação financeira do consumidor-gerador titular da unidade consumidora onde a microgeração ou  minigeração distribuída será instalada, consideradas as diretrizes e as condições determinadas pela Aneel” (art. 8°).

Note-se que a arquitetura regulatória, instalada pela Lei n° 14.300/2022, instaura um dilema econômico-financeiro entre, de um lado, um prestador de um serviço público (que tem o seu título habilitante lastreado a partir da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de seu contrato de concessão, caudatário do regime jurídico-administrativo – publicatio) e, de outro, um usuário que pretende, a partir da utilização de novas tecnologias, incrementar a sua autossubsistência energética.

Acontece que o sistema de distribuição de energia é um recurso escasso. Razão pela qual nem sempre tal facility possuirá capacidade de recepcionar novas conexões. Assim é que, quando o sistema se encontra saturado (em decorrência da inviabilidade técnica da absorção de novos pedidos de acesso), a distribuidora terá de realizar novos investimentos, na construção de subestações, que viabilizem a conexão dos novos entrantes. Cuida-se da criação de “obrigações de investimentos”, que produzirão impactos nas metas de universalização, previamente estipuladas pela ANEEL, para as distribuidoras.

Some-se a isso o fato de que, no Brasil, o sistema tarifário do segmento de distribuição se vale da sistemática dos subsídios cruzados, de modo que os consumidores-geradores (aqueles que produzem e consomem a sua própria energia através da GD) têm sua geração remunerada pelo mesmo valor da tarifa da distribuidora. Nesse quadrante, quanto mais empreendimentos de GD forem conectados ao sistema, maior será o custo a ser repartido pelos demais consumidores comuns que não possuem painéis fotovoltaicos de geração de energia. Daí a necessidade de se endereçar a análise dos pleitos destes novos entrantes, à luz de todos os seus efeitos prospectivos, no Setor Elétrico, sob pena de violação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de distribuição (art. 9°, § 4°, da Lei n°8.987/1995). E isso, ao menos, por três ordens de razão.

A uma, porque os investimentos que serão realizados pelas Concessionárias de Distribuição estão sujeitos a diversos critérios regulatórios e de acompanhamento, pela ANEEL (agência reguladora responsável) – eis que afetam diretamente o valor da tarifa paga pelo consumidor final. Tais investimentos compõem o chamado Plano de Desenvolvimento da Distribuição (“PDD”), que é regulamentado pelo Anexo II, da Resolução Normativa ANEEL nº 956/2021, a qual estabelece os Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional (“Prodist”).

A duas, na medida em que qualquer decisão descoordenada, que embarrasse o equilíbrio sistêmico do Setor Elétrico, poderá importar em risco de continuidade de um serviço público, que é essencial à população brasileira (art. 21, XII, b, da CRFB). É que, em razão de eventual decisão descoordenada, corre-se o risco de serem experimentadas as seguintes vicissitudes ao serviço público prestado aos usuários: (i) a interrupção no fornecimento de energia elétrica a milhares de consumidores atendidos pela subestação; (ii) o agravamento nos índices de DEC (Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) e FEC (Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora); (iii) a produção de impacto nos indicadores de tensão em regime permanente DRP (Duração Relativa da Transgressão de Tensão Precária) e DRC (Duração Relativa da Transgressão de Tensão Crítica). São impactos que violam a própria sistemática prevista da REN nº 1.000/2021.

Não se trata de fenômeno desconhecido em outros países. No ano de 2005, por exemplo, a Itália passou a fomentar a Geração Distribuída, por intermédio de uma política pública chamada de “Conto Energia”, introduzindo um mecanismo denominado feed in tariff (FIT). De acordo com tal mecanismo, o consumidor-gerador receberia um crédito pela totalidade de energia gerada, e não apenas pela energia efetivamente injetada no sistema de distribuição[3]. Nos anos seguintes, o modelo regulatório italiano passou por algumas modificações, visando conter o crescimento da GD e o seu nítido impacto no sistema de distribuição de energia. Todavia, o crescimento continuou de maneira desenfreada, alcançando, no ano de 2015, o número de 18,9 GW de potência instalada, ou seja, maior que toda a potência instalada da maior hidrelétrica do mundo (Hidrelétrica Três Gargantas, com 18,2 GW).

O crescimento desenfreado da GD de fonte solar na California, em igual medida, trouxe efeitos perversos para a estabilidade do sistema[4]. À medida que a energia solar tem caráter intermitente, o sistema de distribuição recebe uma alta injeção de energia durante o período da tarde. Diante disso, um pico de carga (consumo de energia) do sistema ocorre durante a noite, período em que não há injeção de energia pelas usinas fotovoltaicas. Este fenômeno foi intitulado, pelo California ISO (Caiso), como “Curva do Pato”, em razão da curva gráfica que indica a carga líquida de energia elétrica resultante da variação entre demanda total de energia e a geração fotovoltaica, que ocorre durante o dia. Tal fenômeno é demonstrado no gráfico abaixo colacionado:

Nesse cenário, segundo Meredith Fowlie, Professora da Universidade de Berkley[5], a partir do ano de 2016, a curva do pato se tornou um problema estratégico para a operação do sistema de distribuição da California.

Não se desconsidera a importância do fomento à exploração das fontes renováveis de energia, como restou plasmado, desde o Programa de Desenvolvimento da Geração Distribuída de Energia Elétrica – ProGD (Portaria nº 538/2015) até a recente Lei n° 14.300/2022. Nada obstante, isso não autoriza que uma política pública, que é importante para reduzir a dependência hidrelétrica de grandes geradores centralizados, desconsidere os seus impactos sistemáticos no equilíbrio econômico-financeiro das concessões de distribuição de energia. Os custos de transação da descoordenação regulatória são salientes. E quem poderá pagar essa conta são os usuários cativos do sistema.

Rafael Véras[1]

Coordenador da Coluna Direito da Infraestrutura da Editora Fórum.
Professor Responsável do LLM de Infraestrutura e Regulação da FGV Direito Rio.
Doutorando e Mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio.

Felipe Henrique Braz[2]

Advogado. Relator da Task-Force de Modernização do Setor Elétrico da ICC Brasil.
Professor da Pós-Graduação em Direito da PUC-PR
Notas
[1] Coordenador da Coluna Direito da Infraestrutura da Editora Fórum. Professor Responsável do LLM de Infraestrutura e Regulação da FGV Direito Rio. Doutorando e Mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio.
[2] Advogado. Relator da Task-Force de Modernização do Setor Elétrico da ICC Brasil. Professor da Pós-Graduação em Direito da PUC-PR.
[3] CASTRO, Nivalde; DANTAS, Guilherme [Org.]. Geração distribuída: experiências internacionais e análises comparadas. Rio de Janeiro: Publit, 2018. p. 59 e ss.
[4] California Distributed Generation Statistics (2017). Statistics and Charts. Disponível em <http://www.californiadgstats.ca.gov/charts/>. Acessado em 10/02/2023.
[5] Fowlie, M. 2016. The duck has landed. Energy Institute at Haas. Disponível em <https://energyathaas.wordpress.com/2016/05/02/the-duck-has-landed/>. Acesso em 10/02/2023.

Ministro Antonio Anastasia encerra evento do MPC-PA, organizado pela FÓRUM

A palestra do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Antonio Anastasia, acerca da “Eficiência na Administração Pública, Controle Externo e Políticas Públicas, sob o enfoque do Federalismo”, encerrou, na última sexta-feira, 14, o II Seminário Ministério Público de Contas e Sociedade: Federalismo e Renúncia Fiscal, na cidade de Belém (PA).

Promovido pelo Ministério Público de Contas do Estado do Pará (MPC-PA), nos dias 13 e 14 de abril de 2023, e organizado pela FÓRUM Conhecimento Jurídico, o evento contou com a presença de aproximadamente 400 participantes, dentre servidores, autoridades do Controle Externo brasileiro e membros de casas de contas de diversas unidades federativas do país, tendo como objetivo promover o debate sobre a perspectiva da política fiscal no país e de seus reflexos na execução de políticas públicas voltadas à sociedade, em áreas como, saúde, educação, arrecadação e segurança.

Teatro Maria Sylvia Nunes durante o II Seminário Ministério Público de Contas e Sociedade: Federalismo e Renúncia Fiscal. Foto: Divulgação FÓRUM.

A respeito do tema, o Procurador-Geral do MPC-PA, Patrick Mesquita destaca que federalismo e renúncias fiscais são temas que estão em voga no debate fiscal atualmente: “o federalismo que trata das divisões das receitas e das obrigações de despesas entre os entes federativos e que reputamos que está em crise —  sobretudo uma crise dos estados —; e as renúncias fiscais, que dizem respeito às políticas públicas, feitas através do Sistema Tributário. São dois temas interligados entre si, porque a maior faceta da crise do federalismo é a greve fiscal, que corresponde à renúncia fiscal do ICMS, por isso é importante tratar desses temas em conjunto”, pondera.

Dentre os palestrantes, diversos autores da editora abrilhantaram o evento, sendo a palestra magna de abertura conduzida pelo ministro Bruno Dantas, que reforçou a importância do debate sobre a perspectiva da política fiscal no país e de seus reflexos na execução de políticas públicas voltadas à sociedade. O presidente do TCU, afirma que “as discussões contribuirão para a correta compreensão do retorno socioeconômico das renúncias fiscais, bem como para o reconhecimento das agendas de responsabilidade fiscal e de qualidade do gasto público como verdadeiras políticas de Estado”.

Presidente do TCU, Bruno Dantas, ao lado do presidente e fundador da FÓRUM, Luís Cláudio Rodrigues. Foto: Divulgação FÓRUM.

Reflexões em torno do “Regime Tributário diferenciado do ICMS no Pará”, “Federalismo Fiscal e desenvolvimento amazônico”, “Controle da inibição da arrecadação tributária”, além de “Renúncia de Receita Tributária” e “questões atuais do federalismo fiscal” estiveram na pauta do evento a partir da participação de prestigiados debatedores, tais como o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Fernando Scaff, da procuradora do MPC-SP, Élida Graziane Pinto, do conselheiro do TCE-CE, Edilberto Pontes, do professor do Instituto Brasiliense de Direito Público, Celso de Barros Correia Neto, da professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Lise Tupiassu, e do procurador-geral do MP de Contas do Pará, Patrick Mesquita.

Organizado pela FÓRUM, o evento contribui, por meio do conhecimento, para a solidificação de uma gestão pública eficaz no país.

Lançamento da Revista RMPCPA

Revista do MPC-PA publicada pela FÓRUM. Foto: Divulgação FÓRUM.

Em comemoração aos 63 anos de autonomia institucional do MPC-PA, a instituição lançou, durante o Seminário, a “Revista do Ministério Público de Contas do Estado do Pará (RMPCPA)”, publicada com excelência pela  Editora FÓRUM. Com periodicidade semestral, a revista objetiva divulgar trabalhos acadêmicos nas áreas de Direito Financeiro, Direito Constitucional, Direito Administrativo e Controle Externo, bem como de pareceres que expressem os posicionamentos adotados pelos membros da instituição e que possuam grande interesse e repercussão na atualidade.

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Padre Júlio Lancellotti x construções hostis: por uma cidade mais humana

Foi aprovada e recentemente promulgada a Lei Padre Júlio Lancellotti (Lei n. 14.489/2022), que modificou o Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), e introduziu no nosso ordenamento a proibição (bem como o conceito indeterminado) das “técnicas construtivas hostis”. O projeto chegou a ser alvo de veto, num dos agonizantes atos finais do mandato do Presidente Bolsonaro, que foi, felizmente, derrubado pelo Congresso[2].

Uma das razões para o veto, foi que a expressão “técnicas construtivas hostis poderia gerar insegurança jurídica, por se tratar de um conceito ainda em construção, ou seja, terminologia que ainda se encontra em processo de consolidação para sua inserção no ordenamento jurídico”[3].

Na Lei, a técnica de construção hostil é definida como aquela que tenha “como objetivo ou resultado o afastamento de pessoas em situação de rua, idosos, jovens e outros segmentos da população”. Se trata de um conceito indeterminado[4] pois, pela própria ideia do que se pretende proteger, não é possível ou útil à Lei listar antecipadamente cada ato que poderia ser considerado uma técnica de construção hostil. O uso de conceitos indeterminados é técnica comum no ordenamento jurídico, sendo seu conteúdo sendo preenchido a partir da análise de casos concretos, pela doutrina e jurisprudência. Esse ponto do veto, portanto, passa longe de ter qualquer razão jurídica.

Inclusive, já na atualidade não faltam exemplos que ajudem à correta execução do comando legislativo. Um que ganhou bastante destaque, e, inclusive, trouxe notoriedade ao Padre Júlio quando buscou destruir a construção a marretadas, foi a instalação, em 2021, pela Prefeitura de São Paulo, de paralelepípedos para impedir que pessoas em situação de rua se abrigassem sob os sob os viadutos Dom Luciano Mendes de Almeida e Antônio de Paiva Monteiro, localizados na Avenida Salim Farah Maluf[5].

Alguns anos antes, prática parecida foi realizada pela Prefeitura de Salvador, em 2015, ao determinar a plantação de cactos sob viadutos, igualmente com o objetivo de afastar as pessoas em situação de rua[6]. Na própria conta do Instagram do Padre Júlio Lancellotti, diversos outros casos são denunciados de forma corriqueira, por iniciativa tanto de entes públicos como privados.

Tais práticas se enquadram naquilo que o Padre Júlio vem denunciando como atos de aporofobia. Esse termo, cunhado pela filósofa espanhola Adela Cortina, tem por sentido a “rejeição, aversão, temor e desprezo ao pobre, ao desamparado, que, ao menos aparentemente, não pode devolver nada de bom em troca”[7], e se encaixa perfeitamente ao se pensar na técnica de construção hostil.

Entretanto, apesar do desejo em sentido contrário de alguns, a cidade é espaço pensado para convívio e uso por todos seus cidadãos, independentemente da classe econômica. A tentativa de exclusão das populações mais economicamente carentes se dá por práticas diversas. Para além das técnicas de construção hostil, se poderia, por exemplo, apontar também a gentrificação.

Consiste a gentrificação num processo planejado de aburguesamento de áreas com grandes atrativos na cidade, seja em virtude de localização privilegiada em relação à belezas naturais ou aos equipamentos da cidade (parques, teatros, museus, cinemas, hospitais, transporte público e escolas, por exemplo), com a consequente expulsão da população local mais pobre para pontos mais periféricos.

A gentrificação, como indicado acima, não costuma ser processo orgânico, natural, de fluxo migratório dentro da cidade. É algo artificial que, conforme Smith, leva mais em conta a necessidade dos produtores de obter lucro, até mesmo do que a preferência dos consumidores das áreas gentrificadas[8].

E qual a razão para se falar da gentrificação nesse texto? É que ela e a técnica de construção hostil compartilham pontos em comum: se constituem como condutas que buscam excluir o pobre do convívio comunitário na cidade, descumprem a função social e, por conseguinte, se caracterizam como abuso de direito[9].

Em outras palavras, seja o bem público ou particular, não pode ele ser utilizado para ação que seja prejudicial aos interesses da sociedade. Sociedade essa que, não apenas inclui, mas é, num país desigual como o Brasil, majoritariamente formada por pessoas em situação de pobreza ou vulnerabilidade. Desse modo, a realização de construções hostis, para além de uma prática moralmente condenável, se constitui como um ato ilícito, agora muito claramente caracterizado graças à nova Lei Padre Júlio Lancellotti.

Não por acaso, a razão exposta no veto imposto à Lei trazia a explicação de que sua aprovação iria “ocasionar uma interferência na função de planejamento e governança local da política urbana, ao buscar definir as características e condições a serem observadas para a instalação física de equipamentos e mobiliários urbanos”. Ora, também o planejamento urbano, se feito de modo que descumpra a função social, é ato ilícito e deve ser readequado. Não deve haver espaço para escolhas direcionadas à exclusão num Estado que se pretenda republicano e democrático.

Às pessoas que se encontram em situação de rua temos um débito que não se paga por simplesmente lhes possibilitar dormir sob um viaduto. Reformas muito mais contundentes se fazem necessárias para que alcancem a dignidade da pessoa humana que constitucionalmente lhes é garantida. Esse pequeno passo de impedir as técnicas de construção hostis, entretanto, nos aproxima ao menos alguns milímetros da realização da nossa pretendida humanidade.


Maurício Requião
Doutor em Direito. Professor de Direito Civil na UFBA e na Faculdade Baiana de Direito. Advogado. Líder do grupo de pesquisa “Autonomia e Direito Civil contemporâneo”.

 

Notas
[1] Doutor em Direito. Professor de Direito Civil na UFBA e na Faculdade Baiana de Direito. Advogado. Líder do grupo de pesquisa “Autonomia e Direito Civil contemporâneo”.
[2] Votaram pela manutenção do veto apenas quatro senadores, ao passo que sessenta votaram pela sua derrubada com a consequente aprovação da Lei.
[3] UOL. “Bolsonaro veta lei que proíbe estruturas para afugentar moradores de rua”. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-brasil/2022/12/13/vetada-lei-que-proibe-arquitetura-hostil-a-morador-em-situacao-de-rua.htm>. Acesso em 20 dez 2022.
[4] REQUIÃO, Maurício. Normas de textura aberta e interpretação: uma análise no adimplemento das obrigações. Salvador: Jus Podivm, 2011.
[5] O caso, inclusive, é citado na justificação do PL 488/2021 do qual se originou a Lei.
[6] RIBEIRO, Luana. “Cactos ocupam espaço sob viadutos no Canela; plantas já existem há muito tempo; diz Reis”. In: Bahia Notícias. Disponível em: <https://www.bahianoticias.com.br/noticia/174015-cactos-ocupam-espaco-sob-viadutos-no-canela-plantas-ja-existem-and039ha-muito-tempoand039-diz-reis>. Acesso em 20 dez 2022.
[7] CORTINA, Adela. Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a democracia: volume 1. São Paulo, Contracorrente, 2020.
[8] SMITH, Neil. Toward a theory of gentrification. A back to the city movement by capital, not people. In:  Journal of the American Planning Association, v.45, 1979. Disponivel em: <https://macaulay.cuny.edu/eportfolios/chin15/files/2015/02/Smith-Theory-of-_Gentrification.pdf>. Acesso em 22 mai 2017.
[9] REQUIÃO, Maurício. Gentrificação como abuso de direito. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 7, n. 2, 2018. Disponível em: <http://civilistica.com/gentrificacao-como-abuso-de-direito/>. Acesso em 25 set 2020.

6ª edição do clássico “Licitação Pública e Contrato Administrativo” de Joel Niebuhr já disponível na loja da FÓRUM

A obrigatoriedade de aplicação da Lei nº 14.133/21 foi adiada. A atualização sobre o tema, no entanto, não pode mais esperar.

Nesse sentido e ciente do compromisso em disseminar conhecimento jurídico de qualidade, a Editora FÓRUM e o doutor em Direito Administrativo, um dos maiores especialistas em licitações e contratos do país, Joel Niebuhr, apresentam a nova edição da obra “Licitação Pública e Contrato Administrativo”.

O livro chega à 6ª edição atualizado com as Instruções Normativas (INs) e Decretos federais divulgados nos últimos dois anos, tornando-se uma opção completa sobre a Nova Lei de Licitações. 

O especialista destaca, por exemplo, o Decreto nº 11.246, de 1º de novembro de 2022, que regulamenta o disposto no § 3º do art. 8º da Lei nº 14.133/21. As regras determinam a atuação do agente de contratação, da equipe de apoio, da comissão de contratação e dos gestores e fiscais de contratos no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.

Segundo Joel Niebuhr, os normativos possuem uma aplicação prática relevante, além de serem imprescindíveis na execução de contratações baseadas na Nova Lei de Licitações e Contratos.

“Há uma carga burocrática formalista muito pesada nessas normas, que precisa ser desvendada pela Administração Pública federal,  estados e municípios. Em relação a essas normas, existe a obrigatoriedade de aplicação quando há transferências voluntárias”, ressalta.

Apresenta um conteúdo robusto, completo e consistente em aproximadamente mil páginas. A linguagem é clara e a abordagem prática, com análise crítica da jurisprudência dos órgãos de controle. Confira o sumário.

No vídeo abaixo, conheça a obra a partir da perspectiva do autor em uma entrevista inédita concedida à FÓRUM. Joel Niebuhr explica as atualizações trazidas na 6ª edição do livro, além de repercutir o adiamento da obrigatoriedade da Lei nº 14.133/21.

Para quem é essa obra?

A obra é indispensável para os que militam na área de licitações, desde gestores e fiscais de contratos, profissionais que atuam com controle interno e externo, procuradores, advogados, membros de assessorias jurídicas, agentes públicos que atuam diretamente nos processos de contratação e licitação, além de advogados públicos e privados, magistrados, membros do Ministério Público e estudantes.

Sobre o autor

Joel de Menezes Niebuhr é doutor em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Como docente é professor convidado de cursos de especialização em Direito Administrativo. Joel também é ex-presidente do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina (IDASC).

Especialista na área de Licitações e Contratos, possui com a FÓRUM obras essenciais para quem atua na área, entre elas, “Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública”, “Pregão Presencial e Eletrônico” e “Registro de Preços: aspectos práticos e jurídicos”, disponíveis atualmente na versão digital.

Autor da FÓRUM concede palestra sobre a Supremacia do Interesse Público no TCE/SC

O autor da FÓRUM, doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e um dos principais especialistas na área no país, Márcio Cammarosano, concedeu uma palestra inspiradora no Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC), na última sexta-feira, 31, como parte contínua do aperfeiçoamento dos servidores da corte de contas catarinense.

O conselheiro Herneus De Nadal, presidente do TCE/SC, fez a abertura das atividades, saudando e parabenizando o professor palestrante convidado, Márcio Cammarosano.

Conselheiro Herneus De Nadal, presidente do TCE/SC, durante a abertura da palestra. Foto: Guto Kurten, TCE/SC.

“Damos boas-vindas e expressamos que, além do privilégio, é uma alegria sempre tê-lo conosco. O tema é extremamente palpitante. Um tema que até bem pouco tempo era visto como unicamente o direito exclusivo do estado, mas que, através de pessoas abnegadas em se aprofundar no assunto, hoje já conseguimos vislumbrar o estado que cuida do cidadão”, acentuou.

O professor iniciou sua participação logo em seguida e durante aproximadamente uma hora falou sobre o “Princípio da Supremacia do Interesse Público”, tema da explanação.

Iniciou seu discurso propondo uma definição para o Direito como “a ordem normativa do comportamento humano, dotada de coercibilidade institucionalizada, posta por decisão do legislador competente e por outras fontes por aquela autorizadas ou delegadas”.

Esclareceu que, consoante a doutrina clássica, o Estado desenvolve funções, dentre elas a função administrativa, inconfundível com a legislativa e a judicial. Além disso, expôs que o exercício da função administrativa, assim como o exercício das demais, está juridicamente regulado em face mesmo de o Brasil estar constituído como Estado de Direito Democrático.

 “Os exercentes de função administrativa devem, obviamente, fazê-lo com observância do ordenamento jurídico, com a Constituição e normas infraconstitucionais. Mais especificamente consoante normas jurídicas – princípios e regras – que, no seu conjunto, e sob perspectiva unitária, compõem o denominado Direito Administrativo”, frisou.

O autor da FÓRUM, Márcio Cammarosano, na sua palestra no TCE/SC. Foto: Guto Kurten, TCE/SC.

Márcio Cammarosano também transitou por assuntos como democracia, ressaltando que esta “não é uma obra pronta e acabada; é um ideal a ser atingido de igualdade com liberdade, demandando pluralismo e tolerância, em que cada estado democrático mantém o seu grau de aproximação com o modelo ideal”.

E encerrou destacando: 

“Quando me perguntam sobre o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado, seria realidade jurídica ou ficção? Eu respondo: realidade, desde que, corretamente interpretado e aplicado. Não da forma caricatural com que é descrito pelos que negam a sua existência. Desde que, portanto, se saiba distinguir mero interesse de direito; desde que se tenha concepção que não há de se falar em interesse público que possa justificar a postergação de direitos fundamentais, a violação, ou o descumprimento, o aniquilamento da ordem jurídico-democrática formalmente em vigor neste país”.

A palestra foi encerrada com uma sessão de perguntas e respostas. A íntegra da palestra pode ser assistida neste link.

Auditório TCE/SC durante palestra do professor Márcio Cammarosano. Foto: Guto Kurten, TCE/SC.

Novos livros da FÓRUM: confira os lançamentos presenciais do mês de abril

Ao longo do mês de abril, a FÓRUM vai realizar, juntamente com seus autores, o lançamento presencial de algumas obras, cujos títulos já estão disponíveis na Loja Virtual da editora.

Confira abaixo os detalhes sobre os novos livros e prepare-se para encontrar seu autor favorito.

Lançamentos presenciais

Livro: NOVO MARCO LEGAL DO SANEAMENTO BÁSICO

Coordenadora e autora da obra: Veronica Sánchez da Cruz Rios

Este livro registra os principais esforços técnicos, institucionais, legais e regulatórios necessários para a construção do Novo Marco Legal do Saneamento Básico Brasileiro. São analisadas as principais dimensões do Saneamento Básico e as profundas mudanças trazidas para o setor a partir da publicação da Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Destaque para os desafios enfrentados para a aprovação e implementação, na busca pelo cumprimento do seu principal objetivo, que é universalizar os serviços de Saneamento Básico no Brasil. Dessa forma, aborda a construção de um ambiente de segurança jurídica que viabilize a atração de novos investimentos e do fornecimento de um conjunto de incentivos e diretrizes para cumprir essa nobre missão.

Data do lançamento: 12/04/2023

Horário: 17h

Local: Salão Nobre da Câmara dos Deputados, Palácio do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, Praça dos Três Poderes, Brasília-DF.

>> Conheça o livro aqui


Livro: LITÍGIOS CLIMÁTICOS

Autor: Gabriel Wedy

No livro, fruto da pesquisa de pós-doutoramento do autor, fica demonstrado que nas últimas décadas tratados internacionais, Constituições, legislações infraconstitucionais, doutrina e jurisprudência têm sido invocados pelo Poder Judiciário para o enfrentamento das causas antrópicas e das consequências das mudanças climáticas. Na obra, resta evidenciada a possibilidade da responsabilização civil do Estado, em virtude de ações e omissões na tutela do sistema climático, e, também, das grandes companhias, que exploram e lucram com a queima dos combustíveis fósseis. O autor enfatiza a importância da aplicação do direito climático como um dos meios viáveis para a concretização dos objetivos estabelecidos no Acordo de Paris.

Data do lançamento: 18,19 e 20/04/2023

Local: Durante o XXI Congresso da Associação Brasileira do Ministério Público Ambiental- ABRAMPA. Wetiga – Hotel. Rua Cel. Pílad Rébua, 679 – Formoso, Bonito-MS.

>> Conheça o livro aqui


Livro: COMO FIXAR OS REQUISITOS DE QUALIFICAÇÃO TÉCNICA NAS LICITAÇÕES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Autor: Luiz Cláudio de Azevedo Chaves

Este trabalho aborda todos os pormenores que dizem respeito à qualificação técnica, com base nas normas vigentes e na jurisprudência dominante das Cortes Superiores de Justiça e de Contas, de maneira a orientar o aplicador a corretamente fixar os requisitos de qualificação técnica, de modo a atrair a melhor contratação para a Administração Pública, fim último do atuar do agente público envolvido no processo licitatório. A obra é dividida em dois títulos. No primeiro, trata de temas gerais sobre o instituto da licitação e do ciclo de vida do processo licitatório. Alinhamento conceitual da maior importância por tratar de institutos que permitem a integração das lacunas da legislação em vigor. No segundo, direto ao ponto central do tema, o autor cuida de todos os pormenores relacionados aos requisitos de qualificação técnica. Ao final, inclui um apêndice com vários modelos de textos para composição de requisitos de qualificação técnica. Muito embora as variáveis casuísticas sejam quase infinitas, foram inseridas as principais estruturas que poderão servir de norte para objetos mais específicos.

Data do lançamento: 20/04/2023

Horário: 17h

Local: Salão Nobre do Museu da Justiça/TJRJ. Rua Dom Manuel, 29, 3º. andar, Centro. Rio de Janeiro-RJ.

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Visite a Loja Virtual da FÓRUM e confira todos os lançamentos já disponíveis.

A exposição virtual do ex-cônjuge/companheiro em razão da infidelidade e os Direitos da Personalidade

Coluna Direito Civil

Em janeiro de 2023 a cantora colombiana Shakira lançou em parceria com o DJ Bizarrap a música intitulada como SHAKIRA (BZRP Music Sessions #53), na qual, de forma bem explícita e clara, faz alusão ao seu relacionamento com o ex-futebolista Gerard Piqué.

A letra da música, em uma passagem e com um jogo de palavras, faz alusão ao nome de Piqué, no seguinte trecho:

Entendí que no es culpa mía que te critiquen.
Yo solo hago música.
Perdón que te salpique[1].

A música teve grande repercussão na mídia exatamente por sua letra, que claramente é uma indireta – bem direta – ao ex-cônjuge e à sua atual namorada. A canção alcançou o topo das paradas musicais globais e já conta com mais de 364 milhões de visualizações na plataforma audiovisual Youtube.

No mesmo mês, a cantora norte-americana Miley Cyrus lançou a música Flowers, cuja letra retrata questões vivenciadas por ela em seu relacionamento com o ator Liam Hemsworth. Esta não foi a primeira música composta por ela direcionada ao seu ex-cônjuge, já que no ano de 2013 lançou o álbum Bangerz, em que quase a totalidade as músicas tratavam de seu relacionamento com o ator.

Referidas cantoras não foram as primeiras e não serão as últimas a escreverem e cantarem sobre suas decepções amorosas e frustrações relacionais. Mas ambas ganharam as paradas musicais e evidência na mídia atualmente, exatamente por expor de forma musical as traições de seus ex-cônjuges e como elas se sentiram com tais atos de infidelidade.

Um cenário jurídico acaba por ser colocado em evidência com tamanha exposição da imagem, nome e honra – direitos da personalidade no direito brasileiro. Surge, nesse contexto, o seguinte questionamento: Até que ponto eu posso expor o meu ex-cônjuge/companheiro(a) ou ex-namorado(a) sem violar seus direitos?

Os direitos da personalidade estão previstos nos artigos 11 a 21 do Código Civil e encontram-se encartados enquanto direitos fundamentais no artigo 5.º da Constituição Federal. Esses direitos indubitavelmente vinculam-se diretamente à noção de pessoa humana, bem como de suas emanações e prolongamentos [2]. Os direitos que se relacionam com a personalidade “[…] objetivam a tutela dos mais importantes valores da pessoa[3].

O direito à imagem, segundo a doutrina jurídica, diz respeito “à integridade psicofísica do indivíduo, tutelando tanto sua fisionomia e retrato, quanto o conjunto de características decorrentes do comportamento do indivíduo […][4]. O direito à honra está estritamente relacionado com a reputação da pessoa perante a sociedade e o direito ao nome, que compreende o prenome (primeiro nome) e o sobrenome, é juridicamente protegido em razão da importância que tem para a pessoa, que se percebe enquanto ser individual e social pelo seu nome.

Ainda que a fidelidade seja um dever de ambos os cônjuges, previsto no art. 1.566 do Código Civil (Lei nº 10.406/02)[5] o seu descumprimento não possui uma sanção jurídica, salvo em hipóteses excepcionais, a exemplo do julgado que abaixo é citado:

De início, a questão da eventual infidelidade conjugal não seria base para a indenização, mormente porque as partes sequer tinham um relacionamento com as características de união estável, embora lamentável a situação exposta e admitida pelo requerido quanto aos diversos relacionamentos paralelos. Porém, a partir do momento em que os fatos acabaram expostos e com repercussão, além do processo criminal instaurado pelo requerido, sabendo que os fatos narrados pela autora eram verdadeiros, tem-se que os danos morais estão caracterizados’

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – INFIDELIDADE EM RELACIONAMENTO AMOROSO ENTRE AS PARTES – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA – INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. Requerido/reconvinte buscando a condenação da autora/reconvinda ao pagamento de indenização pela sua exposição nas redes sociais – Recurso da autora buscando a majoração da indenização. Autora que manteve relacionamento com o requerido, depois vindo a saber que ele também se relacionava com outras mulheres, além de ser casado, embora tivessem assumido o compromisso de relação monogâmica – Alegação de ter sofrido danos psicológicos, quer pela exposição nas redes sociais e mesmo pelo processo criminal ajuizado pelo requerido, além de ter sido exposta a riscos de contrair doenças – Reconvenção na qual o requerido afirma ter sido exposto em redes sociais, causando-lhe danos. Danos morais configurados – Montante bem estabelecido, não comportando reforma – Sentença mantida – Recursos desprovidos. (TJSP, Apelação Cível n. 1008889-92.2020.8.26.0011, Relator: A.C.Mathias Coltro, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Julgamento: 27/08/2021, Data de Publicação: 27/08/2021)

Reclama-se, portanto, certa atenção em casos que envolvem a exposição midiática de problemas conjugais e/ou convivenciais, especialmente porque, atualmente, a internet faz com que situações como estas tomem proporções gigantescas, o que pode causar a reiterada violação aos direitos da personalidade e, por consequência, o eventual dever – daquele que realizou a exposição – de indenizar a pessoa que foi involuntariamente exposta. “Assim, a lesão a qualquer dos direitos da personalidade, sejam expressamente reconhecidos ou não pelo Código Civil, configura dano moral[6].

A exposição virtual da própria vida é permitida sem nenhuma consequência jurídica, contudo quando esta exposição vem a abarcar um terceiro, seja pelo qual for o motivo, existe uma flagrante violação de Direitos da Personalidade desta pessoa. A infidelidade é conduta social reprovável, mas a prática desta não autoriza o cônjuge/companheiro traído a causar lesão/dano ao outro, sob pena de ser responsabilizado civilmente por isso.

Diante desses fatos, a resposta para a indagação feita ao início do texto é clara, não se deve expor virtualmente o ex-cônjuge, ex-companheiro e/ou ex-namorado em razão da infidelidade vivenciada durante o relacionamento. Expor os fatos, mesmo que verídicos podem acarretar em lesões/ danos de ordem física e psíquica, assim podendo vir a surgir a obrigação de reparar esse dano, ou seja, da pessoa que expos a traição em rede de pagar uma quantia em dinheiro ao ex.

Observa-se que o foco do atual instituto da responsabilidade civil é a prevenção ao dano, ou seja, voltar os esforços para evitar a lesão ao bem jurídico tutelado[7]. Em razão disso, estes autores entendem que é possível a utilização do Pacto Antenupcial com o intuito preventivo, como forma de “compensar” a traição. Colocando no referido pacto a previsão de indenização para o caso de infidelidade.

Referida ferramenta foi notícia no final do mês de janeiro de 2023 onde a Justiça autorizou um casal de Belo Horizonte a prever uma multa de R$ 180 (cento e oitenta) mil reais em caso de infidelidade em pacto antenupcial[8]. Desta forma “garante-se” certa reparação financeira para aquela ou aquele que foi traída ou traído.

 


Diego Fernandes Vieira

é Professor no curso de Direito da Faculdade Maringá (CESPAR),
Doutorando pela Universidade Federal do Paraná (UFPR),
Mestre em Ciências Jurídicas (Unicesumar) e
autor de vários artigos em Direito das Famílias e Sucessões.

 


Mariana Barsaglia Pimentel
é doutoranda e mestra em Direito das Relações Sociais (PPGD-UFPR).
Advogada e professora.
Pesquisadora do Núcleo de Estudos em
Direito Civil Constitucional do PPGD-UFPR.

 

Notas

[1] Tradução livre: “Percebi que não é culpa minha que te critiquem. Eu só faço música. Foi mal que salpique em você”.

[2] TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 1: Lei de Introdução e Parte Geral. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 162.

[3] ZANINI, Leonardo Estevam de Assis. Direitos da personalidade: aspectos essenciais. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 266.

[4] EFFÉ, Chiara Antonia Spadaccini. Considerações sobre o direito à imagem na internet. In: TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochardo; ALMEIDA, Vitor (Coords.). Da dogmática à efetividade do Direito Civil: anais do Congresso Internacional de Direito Civil Constitucional – IV Congresso do IBDCIVIL. 2. ed. rev., ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 409-429. p. 411.

[5] Art. 1.566, inciso I, CC/02:. “São deveres de ambos os cônjuges: I – fidelidade recíproca; […]”.

[6] SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. rev. e atual. 3. São Paulo: Atlas 2014, p. 16.

[7] VIEIRA, Andrey Bruno Cavalcante; EHRHARDT JÚNIOR, Marcos. O direito de danos e a função preventiva. Revista IBERC, v. 2, n. 2, 2019. Disponível em: https://revistaiberc.emnuvens.com.br/iberc/article/view/56. Acesso em: 20 fev. 2023.

[8] Disponível em: https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/justica-autoriza-pacto-antenupcial-com-multa-de-r-180-mil-em-caso-de-infidelidade.htm#.Y_v5inbMIdU. Acesso em: 26 fev. 2023.

A gestão de projetos de infraestrutura e a máxima exploração econômica de concessões

 

Na modelagem para a celebração de contratos de parcerias, vários aspectos dos projetos são desenhados. São eles que, essencialmente, justificam a realização daquele determinado empreendimento e a sua execução de forma indireta, por meio de sua outorga à iniciativa privada. Nos termos da Lei de Concessões (Lei 8.987/1995), por exemplo, há a obrigação de haver estudo fundamentado e que motive a realização da outorga, o que incluirá, dentre as outros pontos, aqueles que foram considerados para o desenho econômico-financeiro do projeto. Não por outra razão, seu art. 5º prevê que “o poder concedente publicará, previamente ao edital de licitação, ato justificando a conveniência da outorga de concessão ou permissão, caracterizando seu objeto, área e prazo”.

Isso não implica que objeto, área e prazo, para mencionar os itens acima, sejam imutáveis ao longo de toda a concessão. Ao revés: a incompletude contratual, a execução em horizontes de longo prazo e as naturais modificações técnicas, econômicas, e de escolha pública, para ficar com algumas, farão com que pontos concretos da concessão sejam alterados.

Prazos poderão ser dilatados, para viabilização de novos investimentos. Objetos poderão ser expandidos, como garantia de fruição prática de serviços determinados por potenciais usuários. Projetos associados ao objeto principal e que com ele se interconectam poderão ser pensados, como forma de se aumentar a complexidade de atividades colocadas à disposição da Administração Pública

Assim, para além da modelagem, a gestão de cada projeto, especificamente, deve ser atenta a esses pontos, exatamente para que as concessões, outorgadas contratualmente à iniciativa privada, possam ser exploradas da maneira mais adequada e mais eficiente possível. Isso privilegia os usuários dos serviços concedidos e a Administração Pública, que terão o máximo de benefícios fruíveis decorrentes de cada contratação.

O argumento que trago, aqui, é o de que existe uma lógica legal, desdobrada em cada contrato, que prevê que cada concessão deve ser explorada em sentido máximo, extraindo a potencialidade econômica, e logo, de benefícios práticos, que dela pode decorrer. A questão não se esgota na fase de modelagem. Nela, devem ser pensados os mecanismos adequados para que, ao longo da gestão contratual, haja plasticidade suficiente para que soluções práticas sejam colocadas em marcha para que se lide com problemas concretos.

Nos termos da Lei de Concessões, toda concessão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido na própria lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato (art. 6º). Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas (art. 6º, § 1º). Há uma gama de condições que precisa ser enfrentada e que, ao mesmo tempo, pode ser atendida quando se pensa na máxima exploração econômica das concessões.

A continuidade de determinado serviço pode ser garantia por meio de eventuais dilações de prazos. Ao mesmo tempo, a atualidade pode ser garantida por meio de novos investimentos que sejam feitos pela concessionária. Os investimentos podem estar atrelados ao redesenho de pontos econômicos do empreendimento, que podem se concretizar por meio do estabelecimento de tarifas mais módicas aos usuários.

Tais aspectos devem ser abertos em cada contrato. Conforme o art. 23 da Lei de Concessões, são cláusulas essenciais do contrato de concessão, dentre outras, as relativas, “aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações” (inciso V); bem como “às condições para prorrogação do contrato (inciso XII)”.

Os contratos de concessão podem prever, exemplificativamente, que, se determinada condição for atendida, a concessionária deverá ampliar a prestação inicialmente a ela outorgada. A ampliação de uma determinada linha de serviços de transportes metropolitanos; o aprimoramento tecnológico em função da verificação de defasagem de algo inicialmente previsto em cadernos técnicos da concessão. Na mesma linha vai a questão do prazo, relativamente ao qual pode haver previsão de aumento em função de novos investimentos ou de reequilíbrio econômico-financeiro, para mencionar algumas situações.

Pontos semelhantes já foram reconhecidos como constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal – STF. Tome-se como exemplo a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.991-DF,[1] na qual se discutia a constitucionalidade de determinados trechos da Lei 13.448/2017, que estabelece diretrizes para a prorrogação de contratos de parcerias. As prorrogações antecipadas de contratos de concessão no setor ferroviário, em conjunto com outros aspectos, tal como a realização de investimentos cruzados, foram consideradas como constitucionais.[2]

O ponto pela possibilidade de modificação de contratos de concessão é trazido logo na ementa do acórdão. Nela, coloca-se que “a imutabilidade do objeto da concessão não impede alterações no contrato para adequar-se às necessidades econômicas e sociais decorrentes das condições do serviço público concedido e do longo prazo contratual estabelecido, observados o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e os princípios constitucionais pertinentes”.[3]

Note-se que o argumento pela máxima exploração das concessões é colocado, inclusive, em detrimento de outras alternativas que poderiam ser colocadas no caso concreto, para lidar com determinado empreendimento, serviço ou ativo. Isso inclui, por hipótese, a questão da licitação (ou de sua não aplicação).

Conforme colocado no voto da Min. Cármen Lúcia na ADI 5.991, “cabe, portanto, ao órgão ou à entidade competente realizar estudo técnico prévio para fundamentar, objetiva e expressamente, a vantagem da prorrogação do contrato de parceria e acolher, em cada caso, com motivação e transparência, a possibilidade do elastecimento do prazo contratual sem necessidade de nova licitação”.[4]

Há, no precedente, uma visão clara sobre as alternativas que são colocadas à disposição da Administração Pública para enfrentar certo problema. A licitação é uma solução? Pode ser. A única? Seguramente que não. No caso em apreço, realizar a prorrogação do contrato de concessão mostrava-se como medida mais vantajosa ao interesse público, concretamente colocado, o que foi reconhecido como constitucional pelo STF.

Em complementação, no voto do Min. Gilmar Mendes, há o apontamento de que, “além de discricionária, a decisão da Administração Pública de realizar a prorrogação antecipada dos contratos deve sempre refletir o critério da vantajosidade. Esse requisito decorre diretamente do texto constitucional, ainda que a lei específica setorial não o preveja expressamente. No caso específico da prorrogação antecipada, mesmo diante da autorização legislativa reputada como válida, o Poder Concedente terá sempre que examinar, em cada concessão in concreto, qual a conveniência e oportunidade da Administração Pública em realizar a prorrogação vis a vis a promoção de um novo procedimento licitatório”.[5]

Na mesma linha vai, em medida boa, a questão da exploração de receitas acessórias e de projetos associados pelas concessionárias. Não é incomum, por exemplo, que contratos de concessão prevejam que concessionárias possam explorar economicamente os bens públicos atrelados à prestação dos serviços concedidos. Também como não o é o fato de que, em diversas situações, o próprio Poder Concedente poderá ser o contratante de atividades relacionadas à concessão prestadas pela concessionária.

Há previsão legal para tanto e ela, em minha visão, privilegia:

  1. as escolhas públicas que possam ser tomadas relativamente à determinado projeto: elas não se esgotam na fase de modelagem. Em minha visão, tornam-se mais complexas depois de o contrato ter sido assinado, com escolhas, públicas e privadas, que precisarão ser cotidianamente pensadas, repensadas e tomadas. Não se pode perder de vistas, aí, obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, nos termos do art. 22 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB;
  2. seus usuários e a complexidade de serviços que poderão ser colocados à sua disposição: na prestação de serviços públicos, deve-se garantir o acesso a todos os potenciais usuários, que deverão poder fruir dos benefícios econômicos do empreendimento. Garantir a exploração de atividades relacionadas pela concessionária representa, ao fim, a concretização de direitos dos próprios usuários;
  3. a modicidade tarifária ou o mínimo desembolso de recursos públicos, em caso de parcerias público-privadas: a exploração de atividades relacionadas fará com que, nos termos da legislação e de cada contrato, parcela da remuneração auferida pela concessionária seja revertida em benefício econômico direito ao usuário (por meio do estabelecimento de melhores níveis tarifários) e da própria Administração Pública (por meio da redução de contraprestação pública a ser paga);
  4. a própria exploração econômica outorgada a determinada concessionária: a exploração de atividades relacionadas pela concessionária é apta a garantir vantagens à própria Administração Pública (investimentos em novos bens e tecnologia; colocação à disposição de serviços e infraestruturas até então inexistentes; interoperação de serviços, com integração física e tecnológica) e vantajosidade, quando comparada com outras formas de contratação para sua viabilização.

O art. 11 da Lei de Concessões prevê que, “no atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei”.

Há previsão legal, portanto, para que atividades relacionadas ao objeto da concessão, que gerem receitas acessórias, ou que sejam realizadas por meio de projetos associados ao projeto concessionário, sejam desenvolvidas de maneira direta pela própria concessionária. Ela poderá se utilizar de bens públicos para tanto, conforme o caso. O Poder Concedente poderá ser o contratante de tais atividades, a depender das circunstâncias concretos.

As modelagens das concessões precisam estar atentas a tais pontos e a gestão contratual deverá utilizá-los, de forma a se extrair o máximo benefício econômico de concessões.

 

Mário Saadi
Sócio de Direito Público e Infraestrutura do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados.
Professor do Mestrado Profissional da FGV Direito SP.
Doutor (USP – 2018), Mestre (PUC-SP – 2014) e Bacharel (FGV-SP – 2010) em Direito.

 

Notas
[1] Plenário, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 07.dez.2020.
[2] ADI 5.991, voto da Min. Carmén Lúcia, fl. 26: “As melhorias na infraestrutura ferroviária realizadas por investimentos cruzados, na malha concedida ou em outras de interesse da Administração Pública, serão realizadas pelo particular com recursos privados. Ao poder concedente compete avaliar, autorizar e aprovar a realização desses novos investimentos restritos à infraestrutura ferroviária brasileira para que estejam em conformidade com o interesse público, destinatário final e essencial da prestação do serviço público”.
[3] ADI 5.991, fl. 03.
[4] ADI 5.991, fl. 13.
[5] ADI 5.991, fl. 66.