A Seleção FÓRUM | Contratação Pública é a mais nova solução da FÓRUM para gestores, agentes de contratação, licitação e operadores do Direito em geral, que lidam, diariamente, com os desafios em busca da otimização, melhoria e eficácia das compras governamentais.
O produto foi elaborado a partir de inúmeras pesquisas que revelam a fragilidade das compras públicas brasileiras. Embora este mercado represente 12,5% do PIB do país, o Tribunal de Contas da União (TCU), afirma que “o perfil de governança e a gestão das aquisições brasileiras, apresentam significativas deficiências” (Acórdão TCU, TC025.068/2013-0, p. 58).
Ainda de acordo com o órgão, os principais problemas identificados estão nas etapas de planejamento das contratações; na seleção do fornecedor; e na gestão de contratos de serviços, realizada de forma inadequada pelas organizações.
Essa realidade vem se perpetuando em diferentes níveis, perfis e modelos de contratação. Outra pesquisa, feita pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), mostra que mais de 7 mil obras públicas estão paradas no Brasil.
Para o TCU, esse número pode ser ainda maior. O acórdão nº 1.079 de 2019 mostra que 38 mil construções podem estar abandonadas em todo o país. E, no fim da análise, aponta os erros encontrados, sendo eles: falhas no planejamento dos projetos de engenharia, em projetos sem garantia de orçamento para seu término, em constantes alterações ao longo da execuçãodos projetos e atrasos em medições.
No entanto, a nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133/21, se bem adotada, segundo especialistas, representa a possibilidade do país apresentar melhores resultados em relação aos temas e falhas apresentadas.
Seleção FÓRUM | Contratação Pública: uma nova solução para as compras governamentais entra em campo
A Seleção FÓRUM | Contratação Pública foi convocada para auxiliar gestores, agentes e servidores brasileiros a dominarem os conceitos e as técnicas que envolvem as compras públicas, por meio de um conjunto exclusivo e inovador de conteúdos digitais especializados em contratação.
O produto, que possui assinatura anual, permite o acesso a:
Revista Fórum Administrativo – FA
Revista Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP
20 livros sobre Contratação e Gestão Pública na nova Lei de Licitações
BÔNUS: vídeos das palestras do 18º Fórum Brasileiro de Contratação e Gestão Pública
Pilares
Com você do início ao fim da contratação pública
Os processos que envolvem a contratação pública podem ser um grande desafio para seus agentes. No entanto, com acesso a uma fonte segura de conhecimento e à informação confiável, cada fase desse percurso se transforma em decisões assertivas e eficazes para a Administração Pública. Nos conteúdos da Seleção FÓRUM | Contratação Pública,é possível encontrar fundamentação e um criterioso embasamento jurídico para todos esses objetivos.
Uma seleção exclusiva de conteúdos totalmente pensada para a contratação pública
Com os principais conteúdos de contratação pública, reformulados de acordo com a nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/21), é possível ter acesso aos estudos, pesquisas e conhecimentos dos grandes especialistas do tema, em diferentes formatos: livros digitais, revistas científicas e vídeos do mais tradicional evento sobre compras públicas do país. Tudo selecionado especialmente para facilitar e apoiar o dia a dia dos agentes da contratação.
Novos conteúdos todo mês
Com as revistas Fórum Administrativo – FA e Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, é oferecido conteúdo atualizado todos os meses. Os periódicos trazem novos artigos a cada mês com doutrinas e jurisprudências sobre o que há de mais atual na gestão e contratação pública.
Com a assinatura anual, as instituições assinantes garantem o acesso* aos conteúdos de renomados especialistas, dentro da Plataforma FÓRUM de Conhecimento Jurídico®. O acesso é online, com cadastro ilimitado de usuários e até 10 acessos simultâneos.
*O acesso aos conteúdos permanecerá ativo apenas durante a vigência da assinatura. Após esse período, caso não haja renovação da assinatura, os conteúdos não estarão mais disponíveis.
Conteúdos
Nesta assinatura, os conteúdos foram pensados para acompanhar o gestor do início ao fim do processo de contratação pública. Confira:
Revistas:
Revista Fórum de Contratação e Gestão Pública — FCGP
Periódicoespecializado em contratação, controle e gestão pública, é elaborado a partir das seções Doutrina, Jurisprudência Selecionada e Legislação. Trata desde a decisão de contratar até a gestão de contratos.
ISSN digital: 1984-4123
Periodicidade: Mensal
Nota Qualis B1
Revista Fórum Administrativo — FA
Periódico especializado em Direito Administrativo com o viés do Direito Público, aborda as questões relativas aos agentes públicos — estatutários, celetistas e terceirizados. Os artigos tratam as matérias que permeiam o dia a dia da função pública, tais como controle, processo, processo administrativo disciplinar e regulação.
ISSN digital: 1984-4107
Periodicidade: Mensal
Nota Qualis A4
Livros:
GESTÃO DE CONTRATOS DE TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, de Antonieta Pereira Vieira, Henrique Pereira Vieira, Madeline Rocha Furtado, Monique Rafaella Rocha Furtado;
LICITAÇÃO PÚBLICA E CONTRATO ADMINISTRATIVO, de Joel de Menezes Niebuhr;
ANÁLISE ECONÔMICA DAS LICITAÇÕES E CONTRATOS, de Bradson Camelo, Marcos Nóbrega, Ronny Charles L. de Torres;
COMENTÁRIOS À LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATAÇÕES PÚBLICAS, de Antônio Flávio de Oliveira;
COMENTÁRIOS À LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS vl. 01 e vl. 02, de Cristiana Fortini, Rafael Sérgio Lima de Oliveira, Tatiana Camarão;
CONTRATOS ADMINISTRATIVOS DE SERVIÇOS DE PUBLICIDADE, de Lucas Aluísio Scatimburgo Pedroso;
CONTRATOS DE OBRAS PÚBLICAS, André Kuhn;
INTELIGÊNCIA E INOVAÇÃO EM CONTRATAÇÃO PÚBLICA, de Cristiana Fortini, Gabriela Verona Pércio;
NOVA LEI DE LICITAÇÕES PASSO A PASSO, de Sidney Bittencourt;
OS DESAFIOS DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA, de Raimundo Márcio Ribeiro Lima;
RESPONSABILIDADE DO GESTOR NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, de André Castro Carvalho, José Mauricio Conti, Sabrina Nunes Iocken, Thiago Marrara;
COMPRAS PÚBLICAS INOVADORAS, de Luciano Elias Reis;
LICITAÇÃO DE REGISTRO DE PREÇOS, de Sidney Bittencourt;
TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, de Cristiana Fortini, Flaviana Vieira Paim;
A LICITAÇÃO INTERNACIONAL NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES, de Sidney Bittencourt;
COMENTÁRIOS E MODELOS DE ATOS E PROCEDIMENTOS PARA IMPLANTAÇÃO DA LEI FEDERAL Nº 14.133/2021, de Jair Eduardo Santana, et al;
CONTRATOS ADMINISTRATIVOS, de Caio Felipe Caminha de Albuquerque;
DIÁLOGO COMPETITIVO, de Guilherme F. Dias Reisdorfer;
Como bônus, o produto acompanha vídeos de palestras do 18º Fórum Brasileiro de Contratação e Gestão Pública, mais tradicional evento de contratação do país:
Autonomia do Controle Externo e a Lei nº 14.133/21
Min. Bruno Dantas
Norma geral na Lei nº 14.133/21 – o passado e o futuro da jurisprudência do STF
Maria Sylvia Zanella di Pietro
Importância dos regulamentos na operacionalização da Lei nº 14.133/21
Tatiana Camarão
Modalidades de Licitação e Critérios de Julgamento
Rafael Sergio
Aspectos relevantes do Procedimento Licitatório na Lei nº 14.133/21 – Continuidade e avanços
Victor Amorim
Modernização da Contratação Pública tendo a Lei nº 14.133/21 como ponto de partida
Marçal Justen Filho
Obras e serviços de engenharia na Lei nº 14.133/21
Cristiana Fortini
Contratação Direta na Lei nº 14.133/21
Joel Niebuhr
Sustentabilidade e contratação pública
Daiesse Jaala
O papel do TCU na “construção” da Lei nº 14.133/21: em que medida a nova lei convida à reflexão sobre julgados consolidados
Nos termos do art. 2º, XI do Decreto nº 7.217/2010 consideram-se serviços públicos de saneamento básico o conjunto dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos, de limpeza urbana, de abastecimento de água, de esgotamento sanitário e de drenagem e manejo de águas pluviais, bem como infraestruturas destinadas exclusivamente a cada um destes serviços, ao passo que no art. 2º, XII do mesmo decreto é definido que universalização é a ampliação progressiva do acesso de todos os domicílios ocupados ao saneamento básico.
Já nos termos do art. 3º, I da Lei nº 11.445/2007 com a redação que lhe fora conferida pela Lei nº 14.026/2020, saneamento básico é definido como o conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de: abastecimento de água potável; esgotamento sanitário; limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, ao passo que a sua universalização, é conceituada no art. 3º, III como a ampliação progressiva do acesso de todos os domicílios ocupados ao saneamento básico.
A Lei nº 11.445/2007, novamente com a redação que lhe fora conferida pela Lei nº 14.026/2020, ainda confere à universalização o status de princípio fundamental dos serviços públicos de saneamento básico (art. 2º, I) e coloca como meta para o seu alcance a data de 31 de dezembro de 2033 (arts. 10-B e 11-B) que, excepcionalmente pode ser prorrogada em hipóteses muito específicas, até 1º de janeiro de 2040 (art. 11-B, § 9º).
Essa data de 31 de dezembro de 2033 fixada pela lei para a universalização dos serviços públicos de saneamento básico, desperta hoje, em 2023, uma grande dúvida acerca do seu cumprimento. Assim, repetimos aqui a pergunta do título: O saneamento será universalizado até 2033?
A resposta parece ser negativa. Vejamos o porquê em 4 motivos:
1. O caso dos “lixões”: O fim dos chamados lixões foi inicialmente fixado pela Lei nº 12.305/2010 (redação original do art. 54) como o dia 03/08/2010. Todavia, a Lei nº 14.026/2020 – que, como já dito, também alterou a Lei nº 11.445/2007 – modificou a Lei nº 12.305/2010 para, atendendo ao pleito de gestores públicos, fixar novos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. A saber: 31 de dezembro de 2020, 2 de agosto de 2021, 2 de agosto de 2022, 2 de agosto de 2023 e 2 de agosto de 2024 a depender do número de habitantes do município (redação atual do art. 54). Assim, nada impede que uma alteração legislativa postergue o prazo de universalização.
2. A vigência da Lei nº 8.666/1993: Após pressão dos Municípios, foi publicada em uma edição extra do Diário Oficial da União que circulou no dia 31/03/2023, a Medida Provisória nº 1.167 que alterou a redação dos arts. 191 e 193 da Lei nº 14.133/2021 (NLGLC – Nova Lei Geral de Licitações e Contratos). Em sua redação original, a NLGLC estabelecia que até o dia 01/04/2023 a Administração poderia optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com seus termos ou com base nas regras contidas nas Leis nºs 8.666/1993; 10.520/2002 e 12.462/2011 (art. 1º a art. 47-A). Com base na Medida Provisória nº 1.167/2023, a nova redação dos arts. 191 e 193 da NLGLC passou a dispor a seguinte regra de direito intertemporal: até 30/12/2023 a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, desde que a publicação do edital ou do ato autorizativo da contratação direta ocorra até 29/12/2023 e que a opção escolhida seja expressamente indicada no edital ou no ato autorizativo da contratação direta. Na prática, a MP prorrogou a aplicabilidade da Lei nº 8.666/1993 (antigo regime geral de licitações e contratos); da Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) e da Lei nº 12.462/2011 (Lei do RDC). Neste particular, nada impede que o prazo previsto nos arts. 10-B e 11-B da Lei nº 11.445/2007 seja dilargado por uma medida provisória tal como ocorreu com a NLGLC.
3. A Lei de Improbidade Administrativa: é inegável que, tal como se deu no caso dos lixões e aterros sanitários, mesmo com o dilargamento dos prazos, o seu cumprimento por parte de alguns atores do cenário federativo só deu, em algum grau, por pressão do Ministério Público e dos Tribunais de Contas. Neste particular, é preciso destacar um novo cenário, qual seja: o de que os artigos 1º, §§ 1º, 2º e 3º, 11 §§ 1º e 2º da Lei de Improbidade Administrativa com a nova redação que lhes fora conferida pela Lei nº 14.230/2021, caracterizam o ato de improbidade como uma conduta funcional dolosa do agente público devidamente tipificada em lei, revestida de fins ilícitos e que tenha o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. De modo que, aparenta ser muito improvável que um gestor público pratique uma conduta relacionada a uma não implementação da universalização em 2023 que seja imbuída de um dolo específico. Assim, não tendo o MP a ação de improbidade como “ferramenta de pressão”, será preciso acompanhar qual será a postura dos órgãos de controle com relação à universalização.
4. A reserva do possível: argumento generalizado e utilizado ad nauseam pela Administração Pública, a reserva do possível também passou a ser repelida de forma banalizada e irrefletida pelo Poder Judiciário. Entretanto, no caso das estatais que prestam serviços de saneamento, se faz necessário que a reserva do possível seja revisitada à luz do art. 22 caput e § 1º da LINDB, vez que uma análise consequencialista precisa levar em conta, por exemplo, eventuais déficits orçamentários para investimentos. E mesmo no caso em que o serviço de saneamento seja prestado por uma empresa privada sem ligação com o Poder Público, a reserva do possível precisará ser considerada quando de eventuais cobranças em busca da universalização até 2033, uma vez que, por exemplo, a depender de quando ocorra a licitação, o particular que obtenha a outorga terá um prazo muito exíguo para fazer com que a concessão atinja a meta da universalização. E pressionar o atingimento da meta de universalização sem conhecer a modelagem da concessão pode gerar em aumento inviável de tarifa, desequilíbrio econômico-financeiro do contrato e, até mesmo, inexequibilidade da concessão. De tal sorte, a reserva do possível deverá ser melhor analisada nas questões relacionadas à universalização do saneamento.
Veja-se que os motivos elencados acima são eminentemente jurídicos, pois, fora de tal esfera, a universalização do saneamento até 2023 encontra diversos outros desafios, como por exemplo: (i) a participação da iniciativa privada fazendo pesados aportes de investimentos além do esperado quando da edição da Lei nº 14.026/2020; (ii) incertezas políticas de duas eleições presidenciais e para o Congresso Nacional em 2026 e 2030 e (iii) privatizações ou não de algumas estatais de saneamento. Assim, neste cenário, e mais uma vez respondendo à pergunta do título, é bem pouco provável que o saneamento seja universalizado até 2033.
Por Aldem Johnston Barbosa Araújo, advogado de Mello Pimentel Advocacia.
E-mail: aldem.johnston@mellopimentel.com.br.
Aprofunde-se sobre o tema
Conheça três obras imprescindíveis para a compreensão dos desafios relacionados ao Novo Marco Legal do Saneamento Básico.
Este livro registra os principais esforços técnicos, institucionais, legais e regulatórios necessários para a construção do Novo Marco Legal do Saneamento Básico Brasileiro. Analisam-se as principais dimensões do Saneamento Básico e as profundas mudanças trazidas para o setor a partir da publicação da Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020, destacando-se os desafios enfrentados para a sua aprovação e implementação na busca pelo cumprimento do seu principal objetivo, que é universalizar os serviços de Saneamento Básico no Brasil.
A proposta desta obra é discutir os principais aspectos controvertidos da Lei de Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007) e refletir sobre os desafios e questões referentes às alterações introduzidas neste marco jurídico, pela Lei nº 14.026/2020. O trabalho resulta da construção coletiva de profissionais da área e estudiosos do tema e foi desenvolvido após intensos debates promovidos no programa de pós-graduação da Faculdade de Direito da UFMG (Mestrado e Doutorado).
Os assuntos discutidos no processo de elaboração dos capítulos desta obra percorreram todos os temas atinentes ao Marco Regulatório do Saneamento Básico. O texto, portanto, atualiza, lança luzes e levanta novas questões para a reflexão do novo marco do saneamento e seus desafios.
O Direito do Saneamento Básico no Brasil vem passando por profundas transformações. Mudanças estruturais têm sido implementadas, por meio da atualização da Lei nº 11.445/2007, com a edição da Lei nº 14.026/2020 e de sua respectiva regulamentação.
Além disso, uma nova agenda regulatória está em desenvolvimento pela ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, com vistas a uniformizar e incrementar a qualidade técnica da regulação do serviço. Todas estas novidades permeiam as abordagens contidas neste livro, que reúne textos de grandes juristas e especialistas no tema. Trata-se de uma obra fundamental para explorar e desvendar os diversos ângulos do novo direito do saneamento básico no Brasil.
Concebida pela rede de televisão pública Channel 4 e atualmente exibida pelo serviço de streaming da Netflix, a série britânica Black Mirror adota o formato antológico para explorar o que se costuma denominar de cautionary tales: contos de advertência sobre os perigos do ímpeto modernizador humano, nos quais situações distópicas se encontram assustadoramente próximas da realidade.
Sob a direção de Ally Pankiw e com roteiro de Charlie Brooker, “A Joan é Terrível” [4], o primeiro episódio de sua nova temporada, empreende uma poderosa autocrítica a respeito do vigente estado da indústria do entretenimento, ao conectar questões contemporâneas como a sensação generalizada de vigilância ininterrupta, a customização de conteúdo pelas plataformas virtuais e a expansão das criações artísticas por ferramentas de inteligência artificial.
A narrativa acompanha a personagem-título Joan (Annie Murphy) ao longo da frenética espiral de acontecimentos que tumultuam a sua vida, após descobrir que se tornara a inspiração central para uma série dramática que recapitula os detalhes mais sórdidos de seu cotidiano, a partir de uma incessante coleta de dados.
Coadjuvante em sua própria história
Já em seu enquadramento inicial, o episódio prenuncia o caos que se instauraria na vida de Joan ao trazer o rosto da personagem refletido na tela do celular, simbolicamente representando a sua futura captura pelos “espelhos obscuros” de dispositivos eletrônicos. A tônica de vigilância já é retratada durante a sua ida ao trabalho, quando, de forma tímida, ela cantarola a letra de uma música viral, quase como se pressentisse estar sendo observada.
Na liderança de uma divisão da empresa fictícia Sonicle, que desenvolve soluções de inteligência artificial sonoras, a protagonista [5], é encarregada de informar a demissão de Sandy (Ayo Edebiri), a subordinada idealizadora de um algoritmo de compressão de áudio, por motivos financeiros. Em meio à interação, Joan recebe mensagens de texto com galanteios de seu ex-companheiro Mac (Rob Delaney), à visita na cidade por alguns dias.
Observa-se que a frieza corporativa da cena reproduz, com fidelidade, a conjuntura pós-pandêmica de empresas de tecnologia, como a Microsoft, marcada por um corte em massa de funcionários em janeiro de 2023, que reduziu 5% de sua força de trabalho [6]. Tal incidente retrataria, pela primeira vez, a faceta “terrível” do título – a qual, como demonstrado mais adiante, focaliza o espectro obscuro de uma cinzenta humanidade.
A insatisfação nas esferas amorosa (afetada pela relação morna com o noivo, Krish) e profissional (onde figura como a mera intermediária entre a diretoria e o staff) reveste a sessão de terapia ilustrada na sequência, onde Joan externaliza o sonho de abrir uma cafeteria e relata se sentir como coadjuvante de sua própria história. Ao ser indagada se gostaria de ascender ao posto de protagonista, acena positivamente, alheia à turbulência que se seguiria.
Após deixar o consultório, Joan dirige-se ao encontro de Mac em um restaurante, onde rememoram o relacionamento que mantiveram e se beijam. Ao retornar para casa, Krish sugere que acessem o serviço de streaming da Streamberry, a reprodução satírica da Netflix.
Firma-se, assim, o tom de autocrítica que norteia a trama: a começar pelo voyeurismo, típico de realities shows e produções de true crime populares na plataforma, que se volta contra a protagonista. De igual forma, tem-se um astuto uso do recurso de metalinguagem, à medida que, enquanto explora o catálogo de obras fictícias, a personagem se depara com a série “Joan é Terrível”, na qual resta interpretada pela atriz Salma Hayek.
Percebendo que não se tratava de alguma brincadeira do noivo, a incrédula Joan assiste à dramatização, quase que em tempo real, dos acontecimentos de seu cotidiano, onde é retratada como uma pessoa fria e petulante. “Estão me fazendo parecer um monstro” – exclama, numa fala que poderia ser enquadrada, sem maiores dificuldades, à cultura de cancelamento e pós-verdade das redes sociais.
A condenação antecipada do ator Johnny Depp nos fóruns de Internet, após o divórcio da atriz Amber Heard, ilustra tal potencial lesivo. Ainda que o desfecho do recente processo de difamação movido por ele na justiça norte-americana suscite controvérsia – ambos foram responsabilizados pela prática, mas ao primeiro se atribuiu direito à indenização superior à da segunda –, o julgamento teve importância ao revelar as diversas camadas que encobriam a conflituosa relação do ex-casal [7].
O primeiro ato do episódio se encerra com a frustração da personagem, que, após o abandono pelo noivo e a exposição de sua intimidade perante milhares de estranhos, arremessa o seu celular contra a parede.
Alguém aí lê os “Termos e Condições” de uso?
Numa rima narrativa, retoma-se o enquadramento inicial do episódio com Joan fintando a agora quebrada tela do aparelho, que espelha a desordem em sua vida. O pesaroso retorno ao ambiente da Sonicle é pontuado pelo aviso de sua demissão pela violação de um acordo de confidencialidade acerca dos algoritmos desenvolvidos na empresa. Porém, a quebra pactual não partiu dela, mas sim de sua encarnação ficcional, que revelou as informações ao público.
De forma irônica, Joan se vê no lugar de Sandra, sendo conduzida pelo segurança para fora do local sob os olhares dos demais funcionários. Como no filme “O Show de Truman”, ela se transforma em espectadora consciente de sua própria existência, o que a motiva a encontrar a sua advogada para tentar dar fim à confusão instaurada.
Nesse trecho do episódio, a distopia caraterística da série se confunde com a realidade, quando se aborda a problemática da autodeterminação informativa. Basilar à proteção de dados pessoais, o fundamento originário da experiência alemã confere ao titular a direção sobre suas informações, sendo assegurado, no espaço brasileiro, pelo inciso II, do art. 2º, da LGPD (Lei 13.709/2018). Em termos mais simples: “ele certifica que o titular tenha domínio sobre os seus dados pessoais, ainda que o tratamento dessas informações seja legítimo”[8].
Como bem apontou Danilo Doneda, a geração mais recente de leis protetivas da área chega, inclusive, a paradoxalmente mitigar a discricionariedade em torno da autodeterminação informativa nos cenários como maior potencial lesivo, como a manipulação de informações sensíveis [9]. Dessarte, o poder de definir os rumos futuros dos próprios dados pessoais tangencia uma série de direitos conexos, que abrangem desde a ciência do objeto do tratamento até a oportunidade de solicitar a sua revisão ou o cancelamento.
Não obstante Joan expresse insatisfação em face da continuidade da série, a causídica esclarece que a Streamberry estaria legalmente autorizada a explorar os acontecimentos de sua vida: a prerrogativa seria conferida à empresa ao se aceitar os “Termos e Condições” propostos para a assinatura do serviço de streaming. A alegação de ignorância também é demovida, pois, apesar de não ter atentamente lido, ela já havia visualizado o documento em sua versão digital, com o calhamaço equivalente à forma impressa sendo colocado sobre a mesa da reunião.
Por mais que o tratamento em questão gozasse de embasamento normativo e contratual, a possibilidade de pleitear o seu encerramento não é ofertada à personagem principal. De igual forma, a sua ideia de interpelar a atriz Salma Hayek também resta frustrada, já que se tratava de uma cópia digital da mexicana, criada após a cessão de seus direitos de imagem.
Numa bem-humorada crítica ao atual estado da indústria cinematográfica, a profissional explica que a série é produzida em sua inteireza por meio de computação gráfica, sendo “gerada por algum tipo de artimanha super-avançada de deep fake e computador quântico”. Os avanços dos programas de inteligência artificial generativa (e.g. ChatGPT, Synthesia e Dalle-2), destinados à confecção de conteúdos inéditos nos formatos de texto, imagem, som e vídeo, democratizam as criações desse tipo.
Ao longo do processo, esmorecem as barreiras entre o falso e o real, como demonstrado pela viralização da fotografia de um estiloso Papa Francisco concebida através do Midjourney [10], e as limitações associadas ao tempo, como evidencia o recente comercial da Volkswagen que digitalmente recria a falecida cantora Elis Regina ao lado de sua filha, Maria Rita [11].
Aconselhada pela advogada a apenas ignorar a série, diante da blindagem erigida pela Streamberry, Joan decide buscar a ajuda de uma “velha conhecida” e arquiteta um plano para chamar a sua atenção, que acaba funcionando. Enfim, Joan e a sua contraparte se encontram.
O nefasto (e não tão distante da realidade) plano da Streamberry
O ato final desenrola-se a partir da visita de Salma à casa de Joan, onde a atriz recapitula a tentativa sem sucesso de judicialmente dissociar a sua imagem do streaming show. Questões como a privacidade de celebridades e a disparidade de salários entre gêneros são pinceladas em meio à busca por soluções para retirar a série do ar [12].
A dupla percebe que seria preciso destruir o “quomputador” – o computador quântico responsável pela geração, em tempo real, de seu conteúdo –, localizado em frente à sala da CEO da plataforma, Mona Javadi. Chegando por lá, testemunham-na gravando uma entrevista, na qual relata que a empresa está produzindo “entretenimento experimental” por intermédio de tal máquina, capaz de gerar “conteúdo infinito […] e criar multiversos inteiros”.
Durante a apresentação do pavimento voltado à “Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) de geração de conteúdo” pela diretora, um ambiente se sobressai: a sala de prompts de IA dos roteiristas. Assunto sensível no campo audiovisual, o uso de grandes modelos de linguagem (Large Language Models – LLM), como o ChatGPT, em tarefas criativas desperta polêmica.
Numa valiosa interação ao longo do “I Simpósio Latino-Americano de Direito Digital”, recentemente sediado na Faculdade de Direito do Recife, Alexandre Saldanha e Paloma Mendes evidenciaram a complexidade da temática. A percepção do primeiro de que o processo de aprendizado da inteligência artificial – sedimentado em experiências pregressas – assemelha-se ao dos humanos, foi complementada pela observação da segunda de que proibir criações artificiais resultaria numa visão cultural antropocêntrica e potencialmente discriminatória [13].
Por outro lado, a precarização de trabalhadores do setor artístico (e.g. escritores e designers gráficos), cujas criações alimentam o treinamento de chatbots e geradores de imagens sem qualquer contraprestação financeira, demonstra a cizânia envolta às novas tecnologias e suscita debates acerca de uma necessária regulação da área.
Ao ser indagada a respeito da escolha de Joan como protagonista, a CEO – tida como a verdadeira vilã do episódio – relata que procurava “uma pessoa totalmente mediana, uma ninguém, só para testar o sistema”, cujo propósito consistia em produzir séries customizadas, que encenassem, em tempo real, o cotidiano de cada um de seus 800 milhões de assinantes.
De igual forma, após exibir a chamada de um piloto chamado “O Brian é Incrível”, ela explica que o enfoque num teor mais positivo não auferiu êxito perante o público teste, que demonstrou interesse em consumir a dramatização de momentos “mais fracos, egoístas ou covardes”, ingressando num “estado de horror hipnotizado” que alavancava o engajamento [14]
Nesse ponto, reflete-se o atual estágio da Internet. A predileção por conteúdos negativos impulsiona acessos e cliques nas redes sociais, convertidas em ambientes sem regras de disseminação de fake news, discursos odiosos e cancelamentos. Outrossim, o documentário “O Dilema das Redes”, produzido pela própria Netflix, denota como instrumentos originariamente pensados sob a ótica otimista (e.g. botão de “curtir”) se converteram em proxies para uma incessante busca por reconhecimento e pela aprovação alheia [15].
Nada é o que parece: a sagaz reviravolta de “A Joan é Terrível”
De maneira engenhosa, a produção reserva um plot twist para o desfecho da trama. Ao adentrarem a sala do “quomputador”, as personagens deparam-se com o programador (Michael Cera) organizando cenas digitalmente criadas. Ao questionar por que estaria aparecendo na tela ao invés da representação da atriz Salma Hayek, Joan (Annie Murphy) descobre que é apenas uma variante da Joan Fonte (Kayla Lorette), ou seja, da Joan original, que habita o mundo real.
Desde o começo, o espectador assistia ao primeiro nível fictício, em que a Joan Fonte era interpretada pela atriz Annie Murphy (Joan 1), com vislumbres do segundo nível, onde a função era atribuída à Salma Hayek (Joan 2) – que, por sua vez, cedia o papel à Cate Blanchett (Joan 3) num terceiro nível. Além de tratar do conceito de multiverso, popular nas franquias de super-herói, quando explora múltiplas camadas narrativas, o episódio traça alguns paralelos à consciência de programas de inteligência artificial (IA).
Nesse caminho, ao afirmar que não estaria se auto interpretando, mas sim existindo, a Joan 2 (Salma Hayek) recebe a cruel resposta do funcionário da Streamberry – também copiado digitalmente a partir de um ator famoso –, de que tal reação seria natural, pois ela teria sido programada para tanto. O diálogo rememora a recente alegação do ex-engenheiro do Google, Blake Lemoine, de que o sistema Language Models for Dialogue Applications (LaMDA), destinado à criação de robôs de conversação (chatbots), havia se tornado senciente [16].
Mais à frente, ao ameaçar destruir o supercomputador com um machado, a Joan 1 (Annie Murphy) é alertada pela diretora de que o ato eliminaria “bilhões de almas simuladas” que “se consideram reais e morrerão”, e indagada se “quer(ia) ter esse sangue nas mãos?”. O trecho repercute discussões sobre a atribuição de personalidade a entidades artificialmente geradas, perspectiva até aqui rechaçada em propostas regulatórias da IA.
Porém, ciente de que o seu destino já teria sido traçado pela pessoa em que se baseia e que não teria poder de escolha sobre a situação, a personagem passa a desferir golpes sobre o equipamento, em cujos intervalos aparecem todas as suas encarnações, até a Joan Fonte ser revelada e vociferar: “acho que terminamos”. A conclusão é marcada pela sua condução pelas autoridades policiais, sob o empático olhar da atriz Annie Murphy.
Em meios aos créditos finais do episódio, tem-se a interação da Joan original com a sua terapeuta, para a qual relata novidades nos campos afetivo e profissional que lhe conferiram maior autonomia e o sentimento de, enfim, enxergar-se como protagonista de sua própria vida. Na cena seguinte, já em sua nova cafeteria, ela amigavelmente dialoga com Annie, com ambas ostentando tornozeleiras eletrônicas pela invasão ao escritório da Streamberry.
“A Joan é Terrível” constitui uma fábula moderna sincronizada aos dias atuais, cujas lições de libertação das amarras digitais ressoam como importantes bússolas aos assinantes de serviços de streaming, usuários de redes sociais e consumidores de produtos eletrônicos.
Em meio ao cenário generalizado de predição e prescrição de comportamentos pelas big techs [17], reflexões críticas, como aquelas levantadas pelo episódio, são “terríveis” para os poucos em posição de domínio e indispensáveis à massa – que, tal como Joan – pode até ser subjugada, mas não se entrega.
Autores:
Milton Pereira de França Netto
Doutorando em Direito, na linha de “Cidadania Digital”, pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Mestre em Direito, na linha de “Contemporaneidade, Sociedade da Informação e Transformações das Relações Jurídicas Privadas”, pelo Centro Universitário Cesmac. Pesquisador, na linha de “Inteligência Artificial e Social”, do Legal Grounds Institute. Professor de Direito Digital e Advogado. Instagram: @milton.pereira.1
Paloma Mendes Saldanha
Professora e Pesquisadora em Direito e Tecnologias na UNICAP. Doutora e Mestre em Direito e TI pela UNICAP. Especialista em Direito e Tecnologias pela UCAM/RJ. Especialista em Jurisdição Constitucional e Tutelas dos Direitos Fundamentais pela Universidade de Pisa/Itália. Convidada pelo Departamento de Estado Norte-Americano em 2018 como liderança em Legislação e regulação na era digital no Programa IVLP/EUA.
Cacyone Gomes Barbosa Gonçalves
Professora de Direito Digital e Proteção de Dados Pessoais, palestrante, advogada e jornalista. Mestre em Direito Constitucional pelo IDP-Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa; Data Protection Officer (DPO) pelo European Centre of Privacy and Cibersecurity (ECPC) Universidade de Maastricht (Holanda). Mestranda em Direito Civil na Faculdade de Direito do Recife/UFPE.
REFERÊNCIAS
A JOAN É TERRÍVEL (temporada 6, episódio 1). Black Mirror. Direção: Ally Pankiw. Produção: Annabel Jones e Charlie Brooker. Reino Unido: House of Tomorrow, 2017. Streaming (56 min.), son., color.
BLACK MIRROR. Criação: Charlie Brooker. Produção: Annabel Jones e Charlie Brooker. Reino Unido: House of Tomorrow, 2014. Streaming, son., color.
DONEDA, Danilo Cesar Maganhoto. Da privacidade à proteção de dados pessoais [livro eletrônico]: elementos da formação da Lei Geral de Proteção de Dados. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 169.
GOOGLE demite funcionário que disse que inteligência artificial era autoconsciente. O Especialista, [S.l.], 25 jul. 2023. Disponível em:https://bit.ly/43mJ6zj. Acesso em: 7 jul. 2023.
IMAGENS falsas mostram Papa Francisco de casaco branco ‘estiloso’ e viralizam. G1, [S.l.], 26 mar. 2023. Disponível em:https://bit.ly/3D1bNXX. Acesso em: 7 jul. 2023.
MAGALHÃES, Tiago. Artigo: O Deep Fake de Elis Regina e as implicações da IA. O Povo, [S.l.], 7 jul. 2023. Disponível em:https://bit.ly/3D3LuAb. Acesso em: 7 jul. 2023.
MARIA, Isabela; PICCOLO, Cynthia. Autodeterminação Informativa: como esse direito surgiu e como ele me afeta. Lapin, [S.l.], 27 abr. 2021. Disponível em:https://bit.ly/46I4rG8. Acesso em: 7 jul. 2023.
MOGHE, Sonia. Legal victory for Johnny Depp after he and Amber Heard found liable for defamation. CNN, 1 jun. 2022. Disponível em: https://bit.ly/44GGIEq. Acesso em: 7 jul. 2023.
O DILEMA DAS REDES. Direção: Jeff Orlowski. Produção: Larissa Rhodes. Estados Unidos: Netflix, 2020. Streaming, son., color.
PIGNATI, Giovana.Demissões no mercado tech: 2023 começa com cortes na Microsoft e PagSeguro. Canaltech, [S.l.], 18 jan. 2023. Disponível em:https://bit.ly/3D2eBUL. Acesso em: 8 jul. 2023.
PIMENTEL, Alexandre; MORAIS, José Luís Bolzan de; SALDANHA, Paloma Mendes. Estado de Direito e Tecnopoder. Justiça do Direito, v. 35, n. 3, Set./Dez. 2021, p. 6-43. Disponível em: https://bit.ly/3XVMy1N. Acesso em: 13 jan. 2023.
NOTAS
[1] Doutorando em Direito, na linha de “Cidadania Digital”, pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Mestre em Direito, na linha de “Contemporaneidade, Sociedade da Informação e Transformações das Relações Jurídicas Privadas”, pelo Centro Universitário Cesmac. Pesquisador, na linha de “Inteligência Artificial e Social”, do Legal Grounds Institute. Professor de Direito Digital e Advogado. Instagram: @milton.pereira.1
[2] Professora e Pesquisadora em Direito e Tecnologias na UNICAP. Doutora e Mestre em Direito e TI pela UNICAP. Especialista em Direito e Tecnologias pela UCAM/RJ. Especialista em Jurisdição Constitucional e Tutelas dos Direitos Fundamentais pela Universidade de Pisa/Itália. Convidada pelo Departamento de Estado Norte-Americano em 2018 como liderança em Legislação e regulação na era digital no Programa IVLP/EUA. Fundadora, Diretora e Consultora em Privacidade e proteção de dados na MS Educação e Consultoria. Criadora do projeto PlacaMãe.Org_. Pesquisadora do grupo Direito e Inovação e do grupo LOGOS, ambos da UNICAP. Membro da govDados e do INPD. Advogada. Mãe.
[3] Professora de Direito Digital e Proteção de Dados Pessoais, palestrante, advogada e jornalista. Mestre em Direito Constitucional pelo IDP-Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa; Data Protection Officer (DPO) pelo European Centre of Privacy and Cibersecurity (ECPC) Universidade de Maastricht (Holanda). Mestranda em Direito Civil na Faculdade de Direito do Recife/UFPE. Especialista em Direito Digital LLM Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. Pós graduada em direito digital pela UNIDOMBOSCO. Pós -graduada em LGPD e GDPR pela Fundação Escola Superior do Ministério Público – FMP. DPO pela ERA Academy of European Law, Germany . DPO IPESPE – instituto de Pesquisas Sociais, políticas e econômicas . Pesquisadora CEDIS /IDP PRIVACY LAB. Membership IAPP / CIPM .Certificações pela L’université Paris Panthéon-Sorbonne, pela Dataprivacy Brasil, Exin, ABNT normas NBR ISO/IEC 27017 e 27018. Secretária da comissão de Proteção de Dados OAB /PE.
[4] A JOAN É TERRÍVEL (temporada 6, episódio 1). Black Mirror. Direção: Ally Pankiw. Produção: Annabel Jones e Charlie Brooker. Reino Unido: House of Tomorrow, 2017. Streaming (56 min.), son., color.
[5] De maneira curiosa, a protagonista do episódio exprime a sensação de não figurar como personagem principal de sua própria narrativa, o que acaba se confirmando, ao final, quando se revela que a Joan em questão seria a versão fictícia da Joan real, representada pela atriz Annie Murphy.
[6] PIGNATI, Giovana.Demissões no mercado tech: 2023 começa com cortes na Microsoft e PagSeguro. Canaltech, [S.l.], 18 jan. 2023. Disponível em:https://bit.ly/3D2eBUL. Acesso em: 8 jul. 2023.
[7] MOGHE, Sonia. Legal victory for Johnny Depp after he and Amber Heard found liable for defamation. CNN, 1 jun. 2022. Disponível em: https://bit.ly/44GGIEq. Acesso em: 7 jul. 2023.
[8] MARIA, Isabela; PICCOLO, Cynthia. Autodeterminação Informativa: como esse direito surgiu e como ele me afeta. Lapin, [S.l.], 27 abr. 2021. Disponível em:https://bit.ly/46I4rG8. Acesso em: 7 jul. 2023.
[9] DONEDA, Danilo Cesar Maganhoto. Da privacidade à proteção de dados pessoais [livro eletrônico]: elementos da formação da Lei Geral de Proteção de Dados. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 169.
[10] IMAGENS falsas mostram Papa Francisco de casaco branco ‘estiloso’ e viralizam. G1, [S.l.], 26 mar. 2023. Disponível em:https://bit.ly/3D1bNXX. Acesso em: 7 jul. 2023.
[11] MAGALHÃES, Tiago. Artigo: O Deep Fake de Elis Regina e as implicações da IA. O Povo, [S.l.], 7 jul. 2023. Disponível em:https://bit.ly/3D3LuAb. Acesso em: 7 jul. 2023.
[12] Interpretando a si, Hayek tece uma poderosa (auto) crítica em nome da Netflix, ao afirmar que os responsáveis pela sua versão ficcional, a Streamberry, “pegaram 100 anos de cinema e os reduziram a um aplicativo”.
[13] A interação foi realizada durante o Painel I “Cognição, Compreensão e Algoritmos” do evento, sediado na Faculdade de Direito do Recife (FDR), em 22 de maio de 2023.
[14] A personagem Mona Javadi (Leila Farzad) esclarece que a representação das facetas positivas das pessoas nas produções “não combinava com a visão neurótica que tinham de si. Descobrimos que quando nos concentramos nos momentos mais fracos, egoístas ou covardes, isso confirma os medos mais profundos deles e os põe num estado de horror hipnotizado, o que realmente aumenta o engajamento. Eles não conseguem parar de ver”.
[15] O DILEMA DAS REDES. Direção: Jeff Orlowski. Produção: Larissa Rhodes. Estados Unidos: Netflix, 2020. Streaming, son., color.
[16] GOOGLE demite funcionário que disse que inteligência artificial era autoconsciente. O Especialista, [S.l.], 25 jul. 2023. Disponível em:https://bit.ly/43mJ6zj. Acesso em: 7 jul. 2023.[17] Sobre a temática, recomenda-se a leitura complementar de: PIMENTEL, Alexandre; MORAIS, José Luís Bolzan de; SALDANHA, Paloma Mendes. Estado de Direito e Tecnopoder. Justiça do Direito, v. 35, n. 3, Set./Dez. 2021, p. 6-43. Disponível em:https://bit.ly/3XVMy1N. Acesso em: 13 jan. 2023.
Com abordagem inédita sobre a nova Lei de Licitações, a obra “Comentários e Modelos de Atos e Procedimentos para Implantação da Lei Federal nº 14.133/2021”, já está disponível em pré-venda na loja virtual FÓRUM.
Os autores, atuando cotidianamente com a Administração Pública há mais de 30 anos, dedicaram-se a um extenso e disruptivo conteúdo, apresentando, de forma amplamente prática, instrumentos dinâmicos e fundamentais para a implementação da lei, juntamente da teoria necessária para a atuação dos servidores públicos diante das novas práticas.
É possível encontrar os seguintes modelos:
Modelos de atos normativos;
Modelos de processo de concorrência eletrônica;
Modelo de edital de pregão eletrônico;
Manual de contratação direta em decorrência do valor conforme art. 75, I e II da Lei Federal nº 14.133/2021;
Modelo de processo de dispensa eletrônica;
Modelo de processo de inexigibilidade de licitação;
E diversos outros.
Apresentam, ainda, um compilado da doutrina concernente à lei, por exemplo:
Das vedações à participação nas licitações;
Dos consórcios;
Das cooperativas;
Dos microempreendedores, microempresas e pequenas empresas;
Da contagem dos prazos;
Dos princípios;
Do agente de contratação, do pregoeiro e das comissões;
Da formalização do processo licitatório – regras gerais;
A linguagem didática e objetiva do livro viabiliza a aplicação de seu conteúdo, independentemente da formação jurídica do leitor. O propósito é facilitar o cotidiano dos agentes, com comentários técnicos, sugestões e modelos passíveis de serem utilizados na implantação da Lei Federal nº 14.133/2021.
Os exemplos mais recentes de licitações para gestão de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, no Rio Grande do Sul e em Olímpia, São Paulo, indicam que é possível sim, colocar em prática modelos diferentes de gestão desses serviços, sendo eles operados por empresas públicas ou privadas.
O chamado novo marco regulatório do saneamento, como já se fala desde sua aprovação, ao invés de pacificar o setor, incentivou a disputa ao contrário de alimentar a competitividade pela demonstração de resultados medidos pela melhoria da qualidade dos serviços e não pelo CAPEX ou, pior ainda, por outorgas bilionárias surgidas de planos de negócio não explicados.
Paradoxalmente, apesar de seu caráter polêmico e impositivo de um modelo único, o novo marco promoveu a primeira mudança real na zona de conforto das Companhias Estaduais de Saneamento desde o final dos anos 90 e início do século XXI, provocando também algumas revisões de postura gerencial nos serviços municipais, bem como nos operadores privados que disputam o mercado com operadoras de energia elétrica e fundos de investimentos.
Se fosse possível resumir a essência do novo marco em poucas palavras, poder-se-ia afirmar que ele trouxe o saneamento ao centro das discussões nacionais com temas como regionalização e, novamente, maior participação de operadores privados na prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
A escolha do melhor modelo de regionalização, foi e é, sem dúvidas, um dos desafios em curso, cujos resultados só serão conhecidos daqui a alguns indefinidos anos, espera-se que poucos anos. Um problema, não há como negar, é a existência de formas de regionalização que tornam compulsória a participação de municípios, sob a alegação de busca de escala ou de que um município mais rico e em melhores condições de saneamento, deve abrir mão de sua autonomia administrativa em favor dos municípios mais pobres.
É claro que dadas as diferenças econômicas, sociais, ambientais, climáticas e hídricas que o Brasil possui, desenhar uma regionalização que satisfaça a todos não foi e não será uma tarefa fácil para os 07 ou 08 municípios onde os processos ainda tramitam. Algo porém seria e ainda é essencial: informação, conhecimento e transparência sobre o modelo e como os municípios passarão a atuar em microrregiões de saneamento ou unidades regionais.
Sobre a participação do setor privado, registra-se com base nos dados da ABCON, que em 2020 havia 291 municípios operados por empresas privadas e em 2022 este número atingiu a casa de 509 municípios, alcançando cerca de 50 milhões de habitantes, em significativo avanço após a aprovação do novo marco regulatório.
Este avanço do setor privado não deve significar a exclusão pura e simples dos operadores públicos, entretanto, deveria indicar a possibilidade de arranjos de mercado que garantam a universalização, sem exclusões como as vistas nas recentes concessões.
Infelizmente, o saneamento ainda sofre da síndrome da convergência divergente. Todos querem a universalização, porém os caminhos propostos parecem ser estradas paralelas que não se unem nem em um ponto futuro, a julgar pela situação atual onde se discute muito mais o mérito de leis e decretos que a sua aplicação em favor da sociedade.
Um alento pode ser verificar que graças a força da hermenêutica e o peso das discussões no âmbito jurídico-legislativo, sempre lentas, o mercado segue se movimentando sob riscos jurídicos e insegurança, porém, acreditando que agora há mais espaço para avanços.
Aproveitando o momento pós-congresso da ABES, apesar das expectativas sobre como o Senado analisará os vetos da Câmara, há uma esperança realista de que é possível formar uma frente em favor da universalização para todos e com a participação de todos os tipos de operadores.
Assim, salvo engano, os avanços que podem ser medidos a favor da sociedade não são as outorgas pagas. Os avanços estão na mobilização das companhias estaduais de saneamento, as quais, perderam o medo de buscar soluções com parcerias junto a operadoras privadas e, até mesmo, abrir mão de seu papel de concessionária; nos estudos promovidos por Prefeituras de médio e pequeno porte em busca de soluções via operadores privados e na oportunidade que estes têm para apresentar soluções adequadas ao porte e condições de municípios que buscam soluções realistas e sustentáveis para a universalização efetiva.
Álvaro José Menezes da Costa
Eng. civil. MSc em Recursos Hídricos e Saneamento, CP3P-F
Consultor
Aprofunde-se no tema
Mantenha sua atualização sobre os marcos regulatórios que impactam o Saneamento Básico e outros assuntos pertinentes. Recomendamos a leitura de nossas Revistas Científicas.
Ao se deparar com um livro que aborda “Os trusts no direito brasileiro contemporâneo”, o leitor poderá indagar qual seria a pertinência de tratar deste complexo tema na perspectiva do direito pátrio. A dúvida surgiria justamente em razão de não haver no direito nacional qualquer normativa expressa que permita a criação de trusts no Brasil. Contudo, e apesar disso, os trusts[1] são sim relevantes para o direito e para a sociedade brasileiros, principalmente a partir de tendências recentes, que levaram à constituição de trusts a partir de capitais de origem brasileira, com repercussões diretas no ordenamento jurídico e na economia nacionais, conforme se demonstrará a seguir.
Em primeiro lugar, é preciso destacar, desde logo, que não existe em nosso ordenamento jurídico um instituto idêntico ao trust, tanto em termos de estrutura quanto de função. Há, por certo, vários institutos que são semelhantes[2], mas nenhum que a ele se equipare. Logo, a incorporação ao direito brasileiro da figura dos trusts por si só já seria relevante por possibilitar o cumprimento de funções que institutos do direito brasileiros não conseguem desempenhar e por apresentar uma arquitetura original.
Em segundo lugar, o fato de a criação de trusts não encontrar expressa permissão em lei não significa a impossibilidade de pactuação destas figuras a partir do território nacional. Os trusts hoje representam um modelo de circulação global, são utilizados em inúmeros países. Sociedades empresárias com rotinas ou que contam com profissionais com experiência de atuação internacional estão acostumadas a utilizar em seu cotidiano e também aqui o fazem. Prova disso é o caso analisado no RESP n.º 1.438.142/SP, de relatoria do saudoso ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em que houve a celebração de um “contrato de trust” no Brasil[3]. Ainda que não tenha sido reconhecido o patrimônio de afetação criado pela via contratual — cabendo, portanto, advertência sobre a segurança jurídica do negócio — a situação demonstra que, mesmo sem previsão legal, operações de trusts são celebradas no país.
Em terceiro lugar, os trusts extrapolaram sua identificação com a commom law e se tornaram um modelo global[4], sendo hodiernamente usados também por países de tradição romano-germânica. A larga utilização desta figura motivou a redação da Convenção da Haia de 1985 sobre a lei aplicável ao trust e a seu reconhecimento, a qual estabelece critérios objetivos para se identificar quando existe um trust, suas características e quando deve ter efeitos limitados por mal uso. Ainda que o Brasil não seja signatário da Convenção, há tradução para o português feita por juristas brasileiros e ela serve de fundamentação para consultas e inspiração para leis pátrias.
Em quarto lugar, já existem leis brasileiras que regulam aspectos dos trusts, ainda que de modo rudimentar e, por vezes, equivocado. Afinal, há pessoas físicas residentes no Brasil que constituem trusts no exterior, sendo necessário regrar suas obrigações perante o fisco brasileiro. Neste sentido, mencionam-se a Medida Provisória n.º 1.171/2023[5], a Lei n.º 13.254/2016, a Instrução Normativa n.º 1.627/2016, da Receita Federal do Brasil, e a Solução de Consulta COSIT n.º 41/2020[6]. Além disso, a Lei n.º 13.800/2019, que permite a criação de fundos patrimoniais com o objetivo de arrecadar, gerir e destinar doações de pessoas físicas e jurídicas privadas para programas, projetos e demais finalidades de interesse público, tem franca inspiração numa modalidade de trust chamada endowment fund. Assim, um tipo específico de trust foi adaptado e hoje é expressamente previsto na lei brasileira[7].
Some-se a isso o fato de diversos projetos de lei já tramitarem em nossas casas legislativas com a finalidade de incorporar o trust ao ordenamento jurídico brasileiro. Atualmente, destaca-se o Projeto de Lei n.º 4.758/2020 do Senado, que prevê a regulamentação do “Contrato de Fidúcia”. Ainda que o nome seja diverso, há grande semelhança com a relação jurídica estabelecida por um trust. Ademais, tramita na Câmara dos Deputados o PLP n.º 145/2022, que dispõe sobre a lei aplicável ao trust, sua eficácia e seu tratamento tributário no Brasil.
Em quinto lugar, como proposta de lege ferenda, os trusts poderiam desempenhar importantes funções na proteção de pessoas com deficiência e de pessoas idosas que não possuem herdeiros. Eles proporcionam uma administração mais profissional de recursos e possibilitam também o recebimento de herança em etapas, a partir da vontade de seu instituidor, o que evita a dilapidação de patrimônio do herdeiro.
Sendo assim, constata-se que os trusts estão cada vez mais presentes na realidade brasileira, sendo dever dos operadores do direito conhecer o seu modo de funcionamento, sobretudo porque sua incorporação ao direito brasileiro é uma realidade cada vez mais concreta. Ainda que recentemente os trusts tenham sido associados com práticas escusas, é preciso separar o joio do trigo. Quando constatado uso ilícito, este deve ser energicamente reprimido. Mas o abuso não pode inibir o uso, razão pela qual não se deve descartar os trusts de pronto por este motivo. Afinal, todos os institutos jurídicos podem ser manipulados de modo inadequado, não sendo este preconceito motivo para desconsiderar de pronto a utilização dos trusts. Neste sentido, a crescente regulamentação dos trusts é positiva justamente para inibir que ele seja associado de imediato com práticas escusas e também para que não fique restrito a pessoas com altíssimo poder aquisitivo.
Com estas considerações espera-se ter demonstrado algumas das muitas potencialidades dos trusts e sua relevância para o direito brasileiro. A advocacia, a magistratura, os membros do Ministério Público e os integrantes de outras carreiras jurídicas não podem se dar ao luxo de ficar alheios e desconhecer o trust.
Luciana Pedroso Xavier
Professora de Direito Civil da UFPR. Presidente da Comissão de Direito das Famílias da OAB/PR. Presidente do IBDCont Paraná. Advogada e mediadora. Autora do livro “Os Trusts no Direito Brasileiro Contemporâneo” da Editora Fórum. Contato: luciana@pxadvogados.com.br
REFERÊNCIAS
[1] Importante esclarecer que não existe um modelo único de trust, mas sim diversos. Sendo assim, defende-se que sempre que possível o mais correto é utilizar o termo no plural, isto é “os trusts”.
[2]Como exemplos, podem ser citados a enfiteuse, o fideicomisso, o patrimônio de afetação, a sociedade de propósito específico, a sociedade em conta de participação e a empresa individual de responsabilidade limitada.
[3] STJ, 3.ª Turma, Recurso Especial n.º 1.438.142/SP, Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino, unânime, DJe em 09/08/2018.
[4] Os trusts surgiram no contexto histórico peculiar da Inglaterra do século XI, após a conquista normanda. Este ponto é tratado com mais profundidade em: XAVIER, Luciana Pedroso. Os Trusts no direito brasileiro contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2023, p. 31 e seguintes.
[5] A Medida Provisória n.º 1.171/2023 define o trust como um contrato. Contudo, em certas modalidades de instituição de trust, trata-se de negócio jurídico. Pode parecer exagerado, mas esta imprecisão conceitual e categórica pode contribuir para confusões perniciosas sobre quem são os sujeitos presentes em um trust e seus respectivos papéis.
[6] A Solução de Consulta COSIT n.º 41 COSIT analisou o caso de uma viúva residente no Brasil que foi constituída como beneficiária de um trust criado em Bahamas pelo marido. Ela indagou se os valores que recebia como herança ou renda seriam fatos geradores de IRPF ou ITCMD. Sobre o IR, a conclusão foi a de que: “O recebimento de rendimentos oriundos do exterior por residente no País é fato gerador do imposto sobre a renda e sujeita-se à tributação mensal mediante a aplicação da tabela progressiva mensal (carnê-leão) e na Declaração de Ajuste Anual”. Acerca do ITCMD, a consulta foi declarada ineficaz, uma vez que se trata de tributo de competência estadual.
[7]Segundo pesquisa realizada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, há hoje no Brasil 61 fundos patrimoniais (endowment funds) ativos. Disponível em: <https://www.idis.org.br/monitor-de-fundos-patrimoniais-no-brasil/>. Acesso em 25/06/2023.
Aprofunde-se no tema
Na Loja Virtual FÓRUM você tem acesso à obra “Os trusts no Direito brasileiro contemporâneo”, de Luciana Pedroso Xavier, que traz valiosas considerações sobre esse instituto jurídico. Figura muitas vezes mal interpretada, os trusts merecem destaque nas discussões atuais, notadamente após os acontecimentos políticos da recente história brasileira.
O leitor encontrará um erudito levantamento histórico do trust: do seu passado mais remoto aos dias atuais, em particular em relação à Convenção da Haia, que recebe uma proposta de aprimoramento de sua tradução voltada para os interesses do Direito brasileiro.
Os enunciados são uma iniciativa do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo — IBDA, tendo como eixo central as mudanças na Lei de Improbidade Administrativa — Lei nº 8.429/1992.
Para a presidente do Instituto, autora da FÓRUM e doutora em Direito, Cristiana Fortini, que comandou as atividades, “as mudanças na lei foram bastante relevantes. E essas alterações impactam a jurisprudência dos Tribunais, em especial do Superior Tribunal de Justiça — STJ.”
A especialista complementa, explicando a importância do debate em torno da Lei de Improbidade Administrativa.
“A improbidade passa a ser encarada, como sempre pretendeu o legislador desde a origem, como uma ilegalidade qualificada pelo elemento do dolo. Não se pode punir qualquer irregularidade à luz da lei de improbidade. Mas houve alterações em aspectos processuais, na conceituação dos atos ímprobos, na parte relativa às sanções.”
II Jornada de Direito Administrativo
Organizada pelo IBDA, a participação e envio das propostas durante a II Jornada de Direito Administrativo, aconteceu de forma aberta. Foram meses de trabalho que envolveram a discussão em etapas das várias propostas apresentadas pela coletividade.
Os projetos encaminhados foram discutidos pelas comissões temáticas instituídas, ao todo, 7 grupos de discussão, dirigidos por membros do Ministério Público, membros e servidores dos Tribunais de Contas, Procuradores Públicos, Defensores Públicos, Advogados, professores e especialistas convidados de áreas distintas e de vários estados da federação. Ao final, restaram aprovadas 39 propostas, que foram submetidas ao grupo revisor (para ajustes redacionais sem alteração de conteúdo).
O encerramento das atividades aconteceu com uma plenária presencial em Pirenópolis-GO, onde foram apresentadas e votadas as proposições previamente selecionadas pelos grupos de trabalho, deliberando, assim, os enunciados.
Dessa forma, um rico material foi formatado que servirá de base para a compreensão aprofundada da normativa, como explica a presidente do IBDA.
“Os enunciados, fruto de um processo de debates, visam a explicar as alterações na Lei de Improbidade. Eles, portanto, ajudam na compreensão do texto legal atual. Nossa ideia é a de que eles sejam utilizados em processos judiciais, artigos doutrinários, análises pelos órgãos de controle.”
Os enunciados foram disponibilizados para acesso gratuito na página do IBDA.
Antes mesmo do Governo Federal anunciar, em abril deste ano, a prorrogação da obrigatoriedade de uso da nova Lei de Licitações — Lei nº 14.133/21, sob a justificativa de capacitar os servidores pelo país, o treinamento dos profissionais no município de Vitória da Conquista, na Bahia, já era uma realidade.
A cidade do interior baiano possui mais de 340 mil habitantes e tem feito da capacitação dos seus servidores, a melhor estratégia para atender à população da forma mais eficiente possível.
Recentemente, 12 servidores das secretarias de Gestão e Inovação (SEMGI), Educação (SMED), Transparência, Controle e Prevenção à Corrupção (SMTC) e da Procuradoria Geral do Município (PGM), participaram do 18º Fórum Brasileiro de Contratação e Gestão Pública — FBCGP, que aconteceu nos dias 11 e 12 de maio, em Brasília-DF.
O evento reuniu centenas de servidores públicos, membros de diversas instituições e órgãos de todo o país, além de autoridades e especialistas em contratações públicas, consolidando a tradição do FBCGP na abordagem do tema, sendo um dos principais celeiros de inovação, fonte de conhecimento, debate e atualização sobre compras públicas do Brasil.
Segundo o secretário municipal de Gestão e Inovação de Vitória da Conquista, Edimário Freitas, que acompanhou a programação de perto, a participação da equipe da prefeitura local foi uma oportunidade de trocar experiências, conhecer boas práticas e debater sobre as novidades trazidas pela nova Lei de Licitações.
“A nossa participação no Fórum foi de extrema importância para aprimorar os processos de compras públicas da Prefeitura. Nós buscamos sempre a eficiência e a transparência nas nossas ações. Participar de eventos como esse é fundamental para estarmos atualizados sobre as melhores práticas em compras governamentais e aplicarmos no nosso dia a dia”, destacou o titular da SEMGI.
“O Governo Municipal reforça seu compromisso com a transparência e a eficiência nas compras públicas e seguirá buscando sempre aprimorar seus processos para garantir a melhor aplicação dos recursos públicos em benefício da população”, complementou Edimário.
Por uma capacitação urgente e necessária
Durante o evento, os especialistas — principais mestres em Direito Público do país —, comentaram sobre a importância da capacitação para que a Lei nº 14.133/2021 faça sua estreia obrigatória, definitivamente, ao final de 2023.
“A Lei nº 14.133 possui 190 artigos; uma lei extremamente complexa e difícil, e não há alternativa para a Administração Pública, senão capacitar e qualificar seus servidores para a aplicação da lei. Eu sempre faço uma metáfora em relação a esse assunto: ‘a lei é uma metralhadora avançada, mas precisa ser usada por um policial habilitado e qualificado que proteja a sociedade’. Não há como você ter uma lei extraordinária, se ela não puder ser usada com todas as suas funcionalidades. Isso é um grande desafio da Administração Pública”, pontua o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Benjamin Zymler.
Para Gabriela Pércio, mestre em Gestão de Políticas Públicas e consultora em Licitações e Contratos, “é necessário que haja um pensamento voltado para a melhor forma de capacitar os gestores públicos. Isso sempre foi necessário, agora, ainda mais. Não há como implementar essa lei, da forma correta, se não houver uma atenção específica das autoridades no tocante à capacitação dos agentes públicos. É impossível. E as consequências vão ser desagradáveis para todos, mas principalmente para aqueles que estão se esforçando, na base, tratando concretamente de colocar essa lei em prática”.
Novo prazo de aplicação da Lei nº 14.133/2021
Em abril deste ano, o Governo Federal, atendendo à demanda, sobretudo das Administrações Municipais, emitiu a Medida Provisória (Medida Provisória nº 1.167, de 31 de março de 2023) que altera a revogação da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93), do Regime Diferenciado de Compras (Lei nº 12.462/2011) e da Lei do Pregão (Lei nº 10.520/21).
Durante a 24ª Marcha em Defesa dos Municípios, que aconteceu em março deste ano, os gestores municipais pediram mais tempo para se adaptarem à Nova Lei de Licitações — Lei nº 14.133/21. Com o adiamento, os órgãos e entidades da Administração Pública Federal, Estadual ou Municipal ainda poderão publicar editais nos formatos antigos de contratação até o dia 29 de dezembro de 2023, segundo o teor da MP.
A ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, reforçou que esse será um período para capacitação de servidores municipais na adequação à nova Lei de Licitações.
“Esse 1 ano vai ser um período para que todos os municípios e seus servidores estejam aptos e seguros. A nossa intenção é que, a partir do ano que vem, a nova lei seja a verdadeira e única lei de licitações do Brasil”, declarou para o site gov.br.
Solução completa em capacitação sobre a nova Lei de Licitações
Programa de Capacitação FÓRUM 2023
A FÓRUM preparou a 2ª edição do Programa de Capacitação FÓRUM contemplando, entre outros temas, a Nova Lei de Licitações e Contratos.
O Programa consiste em cursos elaborados por renomados doutrinadores, organizados em etapas e ofertados ao longo do ano e que abordam desde os parâmetros necessários para implementação da Lei nº 14.133/21 até as inovações trazidas pelo novo marco legal.
O objetivo é apoiar as instituições no treinamento de suas equipes, proporcionando o aprendizado efetivo e a ampliação da visão frente aos desafios vivenciados na esfera do Direito.
Conheça os cursos do eixo temático nova Lei de Licitações e mantenha-se à frente do seu tempo através do melhor aprendizado.
Após o surgimento da Era Digital e da popularização das redes sociais, é notável que a concepção de mundo e a forma de relacionamento humano foram drasticamente modificadas. Hodiernamente, é remota a hipótese de nos depararmos com um indivíduo que não possua redes sociais ou, pelo menos, que não tenha tido, uma vez sequer, sua imagem compartilhada em veículo de mídia social.
Com as crianças, não é diferente. Está cada vez mais recorrente a presença digital destas, nas redes sociais. Muito embora algumas delas ainda não possuam discernimento para entender o que se passa, por vezes, seus responsáveis suprem este “déficit”. É possível observar perfis de crianças nas redes sociais, criados e administrados por seus pais, até mesmo, estabelecidos antes do seu nascimento, com fotos do ultrassom e informações sobre sua vida intrauterina. Após o nascimento, a rede social, de titularidade da criança, é transformada em uma espécie de diário digital, em que, dia após dia, veicula-se imagens, vídeos e informações sobre sua rotina, muitas vezes, sem que o conteúdo passe por qualquer filtro, como forma de cautela e resguardo da privacidade e segurança do menor.
O fenômeno do compartilhamento da imagem dos filhos menores, nas redes sociais, passou a ser tão recorrente, que recebeu uma nomenclatura própria: Sharenting. O neologismo, oriundo da língua inglesa, advém da junção das palavras share, que significa compartilhar, e parenting, que se refere à parentalidade. Há, ainda, quem utilize a expressão (Over)sharenting para designar este compartilhamento em uma modalidade exacerbada. De uma forma ou de outra, estamos diante de uma situação que, a depender de sua intensidade, pode ser identificada como um problema, não obstante a naturalidade, ou mesmo, a inocência, com a qual acontece.
Não é segredo para ninguém que as redes sociais podem servir como um portal para o surgimento de diversos problemas, dos, aparentemente, mais insignificantes, até os mais graves. Se, para os adultos, o uso das redes deverá ser feito com cautela, em virtude dos perigos que elas podem representar, para as crianças, os cuidados deverão ser redobrados, haja vista a vulnerabilidade intrínseca à sua própria essência.
É absolutamente corriqueiro e, não se pretende aqui censurar, a existência de pais que publicam a foto de seus filhos no mundo digital. A celeuma se instaura, todavia, quando se está diante da hiperexposição, consubstanciada nos casos de crianças que têm toda a sua vida compartilhada, se agravando, ainda mais, quando o alcance da imagem não fica restrito aos familiares ou amigos, mas se alastra a pessoas desconhecidas, em razão de perfis “abertos” nas redes sociais, tais como no Instagram, em que, usualmente, pode-se visualizar situações como esta.
Em razão da capacidade de proliferação e eternização do conteúdo gerado na internet, e da perda de controle deste, após o simples “clique” da publicação, não se sabe a real dimensão do seu alcance, muito menos os impactos que poderão ser gerados aos respectivos titulares. Isto porque, atualmente, a própria forma de utilização das mídias sociais, como meio de propagação de conteúdos relacionados à vida pessoal, tornou tênue o liame entre o que é público e privado, de modo que a noção de privacidade e o desejo pelo seu resguardo parece estar desaparecendo.
Sendo certo que o conteúdo, uma vez postado nas redes sociais, dificilmente será eliminado do mundo digital, a decisão de compartilhamento de dados sobre a vida de uma criança fará com que o material o acompanhe até a sua vida adulta. Não há “link de arrependimento” a ser utilizado por um jovem que, por exemplo, vivenciou a realidade do sharenting ou oversharenting. Enquanto os adultos têm a capacidade de escolher e definir seus próprios parâmetros ao compartilharem informações sobre si, nas redes sociais, às crianças, não é dado este direito.
Sob esse viés, questiona-se os limites da ingerência e tomada de decisão por parte dos pais, enquanto responsáveis legais, na vida de seus filhos. Quais seriam os limites impostos à consecução da legítima finalidade da autoridade parental, na concepção da criança enquanto titular de direitos e ser em desenvolvimento, vulnerável por sua própria condição etária?
Sabe-se que o advento da Constituição Federal de 1988 representou um divisor de águas em nosso sistema jurídico brasileiro. Inaugurando uma nova ordem constitucional, a Carta Magna se reveste de imperatividade e força normativa irradiadora, de forma que todos os ramos do direito, a partir de então, pautam-se nas normas e nos valores nela contidos. Em se tratando da seara civilista, uma das grandes marcas da constitucionalização dos direitos é a ideia de “repersonalização” das relações entre indivíduos, em especial, no que tange às famílias. Significando dizer que, daí em diante, o ser humano passa a ocupar posição central no que diz respeito às relações civis, substituindo o lugar que, antes, era ocupado por questões patrimoniais.
Em razão dessa nova perspectiva, foi conferido, à criança e ao adolescente, a condição de sujeitos de direitos, dignos de um tratamento jurídico especial, pelo fato de ocuparem a posição de pessoas em desenvolvimento, notadamente por estarem em fase de construção de sua personalidade e dignidade, motivo pelo qual são detentores de uma vulnerabilidade ínsita a tal condição.
Em verdade, por efeito da força normativa da Constituição, esta, ao inaugurar um novo ordenamento jurídico, chancela algumas regras e valores que já eram previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na década de 1990, no que tange à proteção destes indivíduos, conferindo-lhes eficácia e inescusabilidade. Mas não só. Também eleva os direitos das crianças e dos adolescentes ao status de direitos fundamentais, que, diante de sua imprescindibilidade, são tutelados não apenas pela família, como, também, pelo Estado e pela sociedade, conforme preconizado no artigo 227, caput, da Constituição Federal de 1988.
Com efeito, é introduzido um caráter afetivo no bojo das relações familiares, de modo que a instituição sempre deverá buscar a realização de seus membros, enquanto um fim em si mesmo. Nesta perspectiva, é possível vislumbrar que todos os componentes do núcleo familiar são dotados de igual importância e protagonismo, inclusive a criança, que, em razão da concepção de sujeito de direitos, dignos de proteção especial, não mais podem ser compreendidas como objetos da manipulação dos adultos, como outrora ocorria.
Ao contrário, em virtude do Princípio do Melhor Interesse da Criança, também oriundo da constitucionalização dos direitos, vê-se que as necessidades do menor devem se sobrepor aos interesses dos adultos, quando estes, porventura, vierem a conflitar. Isto porque, ao lado do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, a supremacia dos interesses da criança passa a ser o vértice interpretativo de toda e qualquer relação que esta faça parte.
Nesse toar, exsurge a funcionalização da autoridade parental, ou seja, a partir de todo esse arcabouço de valores trazidos pela Constituição, o poder familiar, atribuído aos pais, deve ser compreendido como um poder-dever, de sorte que, para que o seu exercício seja legítimo, deverá se voltar à viabilização dos direitos fundamentais dos filhos menores. Notadamente pelo fato de que a única maneira que as crianças possuem para instrumentalizar seus direitos é através da tutela de seus pais e/ou responsáveis legais, enquanto não possuírem completa autonomia para os exercerem por si próprios.
A ideia de funcionalização concerne ao fim de determinado instituto jurídico. No caso da autoridade parental, consoante mencionado alhures, sua razão de ser está em propiciar, aos filhos, o exercício de seus direitos fundamentais, até que adquiram total autonomia e discernimento para a tomada de decisões em suas próprias vidas. Para além disto, diante da tutela jurídica atribuída à figura da criança, pós-Constituição de 1988, esta, enquanto titular de direitos, faz jus ao exercício de um papel ativo em seu próprio desenvolvimento, de sorte que a criação e educação empreendida à criança, por seus progenitores, deve ser adequada às suas vicissitudes, considerando, por conseguinte, as peculiaridades daquele ser em desenvolvimento.
Por esse modo, considerando que a legitimidade do exercício da autoridade parental consiste em, primordialmente, exercer o múnus de ser o canal viabilizador do gozo dos direitos fundamentais dos filhos, faz-se necessário sopesar, até que ponto, a exibição da imagem das crianças, nas redes sociais, atende ao princípio do seu melhor interesse, isto, levando em conta as benesses e os riscos aos quais os menores expostos serão submetidos.
Ao se falar em exposição da imagem nas redes sociais, é imprescindível consignar a tutela jurídica de um direito intrinsecamente relacionado ao fenômeno, qual seja, o direito à privacidade. Este foi erigido, pela Carta Magna, como direito fundamental, situando-se em seu artigo 5º, inciso X, notadamente por ser elemento indispensável à promoção e proteção da dignidade da pessoa humana, enquanto fundamento norteador do ordenamento jurídico pátrio. Para além disto, na hipótese de violação à tal direito, assegura-se a indenização pelos danos eventualmente ocasionados. Ademais, a privacidade encontra guarida, também, no artigo 21, do Código Civil, que o coloca no rol dos direitos da personalidade.
Adentrando na questão específica da criança, como já reportado anteriormente, uma vez ocupando a posição de pessoa em desenvolvimento, a tutela de seus direitos é mais acentuada, o que abarca, inclusive, o seu direito à privacidade, expressamente garantido pelo ECA, em seu artigo 100, inciso V, ao estabelecer que a promoção dos direitos da criança deve ser realizada respeitando sua intimidade, seu direito à imagem e a reserva de sua vida privada.
Nessa perspectiva, não desconsiderando as diversas formas e nuances da exposição da imagem da criança, nas redes sociais, podendo ocorrer como uma maneira de compartilhar com as pessoas próximas o desenvolvimento do menor ou, simplesmente, como demonstração de orgulho dos pais em relação a seus filhos, mas, também, com o intuito de auferir lucro, consoante se constata nos perfis de influenciadores mirins, sejam eles influenciadores por si sós, ou filhos de pessoas famosas, é necessário ter em mente que o fim desta exposição e a forma como é realizada indicará se o ato estará, ou não, atendendo o poder-dever de uma autoridade parental funcionalizada, ou seja, atendendo ao necessário fim da consecução dos direitos dos filhos menores. E, tal exame, será realizado, necessariamente, a partir de uma detida análise do caso concreto.
É imprescindível esclarecer que o fenômeno é inédito nos dias que correm e, por este motivo, as crianças que, hoje, vivenciam o fenômeno do (over)sharenting, provavelmente ainda não possuem discernimento para entender o que está a ocorrer, tampouco, para vindicar, efetivamente, a cessação da exibição de sua imagem ou, mesmo, para reconhecer-se lesadas em virtude da exposição que sofrem. Todavia, não demorará muito para que se alcance este estágio de maturidade e irresignação, e, em sendo assim, será necessário perquirir qual a tutela jurídica a ser implementada em situações como a que se narra.
Imagine-se, por exemplo, que um jovem, alcançando maturidade suficiente para utilizar os veículos digitais, por si próprio, descubra que existe um vasto arsenal de informações sobre sua vida pessoal, desde os seus primeiros anos de vida, e que não havia o interesse de sua parte em criar estas pegadas digitais. Seria viável, neste caso, a responsabilização civil dos pais, pelos danos eventualmente ocasionados à esfera da privacidade deste indivíduo?
Suponha-se, ainda, que um mini influenciador digital, colhendo as consequências negativas da exposição de sua imagem, passe a sofrer bullying ou cyberbullying, em determinado momento de sua juventude. Seria viável, além do requerimento judicial pela exclusão de seu perfil digital, o pleito pela indenização por danos morais, em face de seus genitores? Neste caso, seria do Ministério Público a legitimidade para representar ou assistir, judicialmente, este sujeito?
Questões como essas não podem ser ignoradas. Afinal, o ordenamento jurídico atribui, ao sujeito, a faculdade de defender bens ou valores essenciais da personalidade, ao tempo que exige dos demais, o cumprimento de um dever jurídico correspondente, qual seja, o de respeito a estes direitos. Nas hipóteses narradas, estamos diante de pessoas que, em sua fase de desenvolvimento da personalidade, foram lesionadas em seu direito fundamental à privacidade e, por isto, experimentam os frutos negativos da exposição de sua imagem, na mais tenra idade, além do fato de terem sido suprimidos do resguardo de sua vida privada, como resultado do exercício disfuncional do poder parental, ou, em outras palavras, em razão do abuso deste direito.
Conquanto a sociedade já tenha atingido um estágio consciente no que tange ao reconhecimento das crianças enquanto sujeitos de direitos, detentores de uma tutela jurídica especial, em razão de sua vulnerabilidade, por vezes, ainda é possível perceber que as relações parentais são fortemente marcadas e compreendidas como relações de poder e superioridade dos pais para com seus filhos, razão pela qual não são raras as vezes em que os progenitores ultrapassam o que consideramos como os “limites” da relação parental, tais como a exibição em demasia da imagem dos filhos nas redes sociais, de forma a ignorar a individualidade e a necessidade de resguardo à vida privada da criança.
Desse modo, mais que buscar uma atribuição generalizada de culpa aos genitores, pela publicação da imagem de seus filhos, nas redes sociais, é preciso discutir o seu compartilhamento responsável, sob a ótica da funcionalização da autoridade parental, enquanto o poder-dever de exercer a sublime função de instrumentalização dos direitos fundamentais de suas crianças, observando-se a necessidade de propiciar, ao desenvolvimento destes seres humanos em formação, uma educação respeitosa, considerando suas necessidades e visando, sempre, a construção de sua autonomia e poder de autodeterminação.
Sarah França Mendonça Placido
Advogada, formada pelo Centro Universitário Cesmac. Mestranda em Direito Público, pela Universidade Federal de Alagoas.
REFERÊNCIAS:
AFFONSO, Filipe José Medon. (Over)sharenting: a superexposição da imagem e dos dados da criança na internet e o papel da autoridade parental. In: Autoridade Parental: dilemas e desafios contemporâneos. TEXEIRA, Ana Carolina Brochado e DADALTO, Luciana (Coord.). Indaiatuba: Editora Foco, 2021.
AFFONSO, Filipe José Medon. Influenciadores digitais e o direito à imagem de seus filhos: uma análise a partir do melhor interesse da criança. REVISTA ELETRÔNICA DA PGE-RJ, v. 2, p. 01-26, 2019. Disponível em: https://revistaeletronica.pge.rj.gov.br/index.php/pge/article/view/60. Acesso em: 15 jun. 2023.
BATISTA, Alexandra Maria Barradas; COSTA, Rosalina Pisco. Parentalidade Digital: Reflexões em torno da privacidade das crianças online. In: Desenvolvimento e Sociedade, n. 9, p. 7-18, 2021.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15 jun. 2023.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 15 jun. 2023.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 15 jun. 2023.
FRANZONI, Larissa. O abuso do direito e responsabilidades parentais: reflexões a partir do superior interesse da criança. 2023. Tese de Doutorado.
STEINBERG, Stacey B. Sharenting: Children’s privacy in the age of social media. Emory LJ, v. 66, p. 839, 2016. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. A disciplina jurídica da autoridade parental. In: Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e Dignidade Humana. São Paulo: IOB–Thomson. 2006. p. 103-123. Disponível em: https://ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/5.pdf. Acesso em: 15 jun. 2023.