A gestão de projetos de infraestrutura e a máxima exploração econômica de concessões

20 de março de 2023

 

Na modelagem para a celebração de contratos de parcerias, vários aspectos dos projetos são desenhados. São eles que, essencialmente, justificam a realização daquele determinado empreendimento e a sua execução de forma indireta, por meio de sua outorga à iniciativa privada. Nos termos da Lei de Concessões (Lei 8.987/1995), por exemplo, há a obrigação de haver estudo fundamentado e que motive a realização da outorga, o que incluirá, dentre as outros pontos, aqueles que foram considerados para o desenho econômico-financeiro do projeto. Não por outra razão, seu art. 5º prevê que “o poder concedente publicará, previamente ao edital de licitação, ato justificando a conveniência da outorga de concessão ou permissão, caracterizando seu objeto, área e prazo”.

Isso não implica que objeto, área e prazo, para mencionar os itens acima, sejam imutáveis ao longo de toda a concessão. Ao revés: a incompletude contratual, a execução em horizontes de longo prazo e as naturais modificações técnicas, econômicas, e de escolha pública, para ficar com algumas, farão com que pontos concretos da concessão sejam alterados.

Prazos poderão ser dilatados, para viabilização de novos investimentos. Objetos poderão ser expandidos, como garantia de fruição prática de serviços determinados por potenciais usuários. Projetos associados ao objeto principal e que com ele se interconectam poderão ser pensados, como forma de se aumentar a complexidade de atividades colocadas à disposição da Administração Pública

Assim, para além da modelagem, a gestão de cada projeto, especificamente, deve ser atenta a esses pontos, exatamente para que as concessões, outorgadas contratualmente à iniciativa privada, possam ser exploradas da maneira mais adequada e mais eficiente possível. Isso privilegia os usuários dos serviços concedidos e a Administração Pública, que terão o máximo de benefícios fruíveis decorrentes de cada contratação.

O argumento que trago, aqui, é o de que existe uma lógica legal, desdobrada em cada contrato, que prevê que cada concessão deve ser explorada em sentido máximo, extraindo a potencialidade econômica, e logo, de benefícios práticos, que dela pode decorrer. A questão não se esgota na fase de modelagem. Nela, devem ser pensados os mecanismos adequados para que, ao longo da gestão contratual, haja plasticidade suficiente para que soluções práticas sejam colocadas em marcha para que se lide com problemas concretos.

Nos termos da Lei de Concessões, toda concessão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido na própria lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato (art. 6º). Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas (art. 6º, § 1º). Há uma gama de condições que precisa ser enfrentada e que, ao mesmo tempo, pode ser atendida quando se pensa na máxima exploração econômica das concessões.

A continuidade de determinado serviço pode ser garantia por meio de eventuais dilações de prazos. Ao mesmo tempo, a atualidade pode ser garantida por meio de novos investimentos que sejam feitos pela concessionária. Os investimentos podem estar atrelados ao redesenho de pontos econômicos do empreendimento, que podem se concretizar por meio do estabelecimento de tarifas mais módicas aos usuários.

Tais aspectos devem ser abertos em cada contrato. Conforme o art. 23 da Lei de Concessões, são cláusulas essenciais do contrato de concessão, dentre outras, as relativas, “aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações” (inciso V); bem como “às condições para prorrogação do contrato (inciso XII)”.

Os contratos de concessão podem prever, exemplificativamente, que, se determinada condição for atendida, a concessionária deverá ampliar a prestação inicialmente a ela outorgada. A ampliação de uma determinada linha de serviços de transportes metropolitanos; o aprimoramento tecnológico em função da verificação de defasagem de algo inicialmente previsto em cadernos técnicos da concessão. Na mesma linha vai a questão do prazo, relativamente ao qual pode haver previsão de aumento em função de novos investimentos ou de reequilíbrio econômico-financeiro, para mencionar algumas situações.

Pontos semelhantes já foram reconhecidos como constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal – STF. Tome-se como exemplo a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.991-DF,[1] na qual se discutia a constitucionalidade de determinados trechos da Lei 13.448/2017, que estabelece diretrizes para a prorrogação de contratos de parcerias. As prorrogações antecipadas de contratos de concessão no setor ferroviário, em conjunto com outros aspectos, tal como a realização de investimentos cruzados, foram consideradas como constitucionais.[2]

O ponto pela possibilidade de modificação de contratos de concessão é trazido logo na ementa do acórdão. Nela, coloca-se que “a imutabilidade do objeto da concessão não impede alterações no contrato para adequar-se às necessidades econômicas e sociais decorrentes das condições do serviço público concedido e do longo prazo contratual estabelecido, observados o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e os princípios constitucionais pertinentes”.[3]

Note-se que o argumento pela máxima exploração das concessões é colocado, inclusive, em detrimento de outras alternativas que poderiam ser colocadas no caso concreto, para lidar com determinado empreendimento, serviço ou ativo. Isso inclui, por hipótese, a questão da licitação (ou de sua não aplicação).

Conforme colocado no voto da Min. Cármen Lúcia na ADI 5.991, “cabe, portanto, ao órgão ou à entidade competente realizar estudo técnico prévio para fundamentar, objetiva e expressamente, a vantagem da prorrogação do contrato de parceria e acolher, em cada caso, com motivação e transparência, a possibilidade do elastecimento do prazo contratual sem necessidade de nova licitação”.[4]

Há, no precedente, uma visão clara sobre as alternativas que são colocadas à disposição da Administração Pública para enfrentar certo problema. A licitação é uma solução? Pode ser. A única? Seguramente que não. No caso em apreço, realizar a prorrogação do contrato de concessão mostrava-se como medida mais vantajosa ao interesse público, concretamente colocado, o que foi reconhecido como constitucional pelo STF.

Em complementação, no voto do Min. Gilmar Mendes, há o apontamento de que, “além de discricionária, a decisão da Administração Pública de realizar a prorrogação antecipada dos contratos deve sempre refletir o critério da vantajosidade. Esse requisito decorre diretamente do texto constitucional, ainda que a lei específica setorial não o preveja expressamente. No caso específico da prorrogação antecipada, mesmo diante da autorização legislativa reputada como válida, o Poder Concedente terá sempre que examinar, em cada concessão in concreto, qual a conveniência e oportunidade da Administração Pública em realizar a prorrogação vis a vis a promoção de um novo procedimento licitatório”.[5]

Na mesma linha vai, em medida boa, a questão da exploração de receitas acessórias e de projetos associados pelas concessionárias. Não é incomum, por exemplo, que contratos de concessão prevejam que concessionárias possam explorar economicamente os bens públicos atrelados à prestação dos serviços concedidos. Também como não o é o fato de que, em diversas situações, o próprio Poder Concedente poderá ser o contratante de atividades relacionadas à concessão prestadas pela concessionária.

Há previsão legal para tanto e ela, em minha visão, privilegia:

  1. as escolhas públicas que possam ser tomadas relativamente à determinado projeto: elas não se esgotam na fase de modelagem. Em minha visão, tornam-se mais complexas depois de o contrato ter sido assinado, com escolhas, públicas e privadas, que precisarão ser cotidianamente pensadas, repensadas e tomadas. Não se pode perder de vistas, aí, obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, nos termos do art. 22 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB;
  2. seus usuários e a complexidade de serviços que poderão ser colocados à sua disposição: na prestação de serviços públicos, deve-se garantir o acesso a todos os potenciais usuários, que deverão poder fruir dos benefícios econômicos do empreendimento. Garantir a exploração de atividades relacionadas pela concessionária representa, ao fim, a concretização de direitos dos próprios usuários;
  3. a modicidade tarifária ou o mínimo desembolso de recursos públicos, em caso de parcerias público-privadas: a exploração de atividades relacionadas fará com que, nos termos da legislação e de cada contrato, parcela da remuneração auferida pela concessionária seja revertida em benefício econômico direito ao usuário (por meio do estabelecimento de melhores níveis tarifários) e da própria Administração Pública (por meio da redução de contraprestação pública a ser paga);
  4. a própria exploração econômica outorgada a determinada concessionária: a exploração de atividades relacionadas pela concessionária é apta a garantir vantagens à própria Administração Pública (investimentos em novos bens e tecnologia; colocação à disposição de serviços e infraestruturas até então inexistentes; interoperação de serviços, com integração física e tecnológica) e vantajosidade, quando comparada com outras formas de contratação para sua viabilização.

O art. 11 da Lei de Concessões prevê que, “no atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei”.

Há previsão legal, portanto, para que atividades relacionadas ao objeto da concessão, que gerem receitas acessórias, ou que sejam realizadas por meio de projetos associados ao projeto concessionário, sejam desenvolvidas de maneira direta pela própria concessionária. Ela poderá se utilizar de bens públicos para tanto, conforme o caso. O Poder Concedente poderá ser o contratante de tais atividades, a depender das circunstâncias concretos.

As modelagens das concessões precisam estar atentas a tais pontos e a gestão contratual deverá utilizá-los, de forma a se extrair o máximo benefício econômico de concessões.

 

Mário Saadi
Sócio de Direito Público e Infraestrutura do Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados.
Professor do Mestrado Profissional da FGV Direito SP.
Doutor (USP – 2018), Mestre (PUC-SP – 2014) e Bacharel (FGV-SP – 2010) em Direito.

 

Notas
[1] Plenário, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 07.dez.2020.
[2] ADI 5.991, voto da Min. Carmén Lúcia, fl. 26: “As melhorias na infraestrutura ferroviária realizadas por investimentos cruzados, na malha concedida ou em outras de interesse da Administração Pública, serão realizadas pelo particular com recursos privados. Ao poder concedente compete avaliar, autorizar e aprovar a realização desses novos investimentos restritos à infraestrutura ferroviária brasileira para que estejam em conformidade com o interesse público, destinatário final e essencial da prestação do serviço público”.
[3] ADI 5.991, fl. 03.
[4] ADI 5.991, fl. 13.
[5] ADI 5.991, fl. 66.

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