Uma crítica à orientação da Suprema Corte à luz do modelo concorrencial do Novo Marco Legal do Saneamento | Coluna Saneamento: Novo Marco Legal

 

De início, as sociedades de economia mista não faziam jus à imunidade tributária ou ao regime de precatórios em razão da qualificação jurídica. Havia o consenso de que, diante da personalidade jurídica de direito privado, existia a exploração de atividade econômica e o intuito lucrativo.

Porém, houve uma mudança na interpretação no que tange às sociedades de economia mista em geral e, posteriormente, em relação às companhias estaduais de saneamento. O Supremo Tribunal Federal (STF) passou, de fato, a estender-lhes algumas prerrogativas próprias da Fazenda Pública, nomeadamente a imunidade tributária recíproca e o regime de precatórios para pagamento das condenações judiciais.

Em sede das ADPF nºs 556/RN, 387/PI e 437/CE e da ACO 2730, o STF, considerando as balizas do julgamento do RE 253.472, definiu a possibilidade de se conferir às referidas sociedades essas prerrogativas, desde que haja a prestação do serviço público (em oposição à exploração de atividade econômica), sem intuito lucrativo e a empresa esteja atuando em um ambiente não concorrencial.

No entanto, essa posição foi firmada antes do advento da Lei nº 14.026/2020, conhecida como Novo Marco Legal do Saneamento Básico. Com efeito, esse marco legal, dentre outras modificações no regime jurídico do saneamento, trouxe mudanças no modelo que prestigiava a execução de serviços pelas companhias estatais sem concorrência, através da celebração de contratos de programa com os respectivos municípios.

A celebração dos contratos de programa é agora expressamente proibida, como se observa da atual redação do artigo 8º, §1º, I e II, e artigo 10, caput, e §3º, da Lei nº 11.445/2007, bem como o artigo 13, § 8º, da Lei nº 11.107/2005, com as alterações introduzidas pelo marco legal. É necessário, a partir de então, que o serviço de fornecimento de água e esgotamento sanitário, para ser concedido às empresas estatais ou à iniciativa privada, seja objeto de prévia licitação, na forma do artigo 175 da Constituição Federal.

Sobre o assunto, eis as lições dos professores Alexandre Santos de Aragão e Rafael Daudt D´Oliveira[1]:

A disciplina até então vigente era a da possibilidade genérica de prestação do serviço de saneamento por meio de contratos de programa celebrados entre os titulares e empresas estatais estaduais sem licitação.

A nova lei impõe aos titulares dos serviços a necessidade de celebração de contrato de concessão, pela licitação, para a prestação dos serviços públicos de saneamento básico por entidade que não integre a administração do titular, sendo “vedada a sua disciplina mediante contrato de programa, convênio, termo de parceria ou outros instrumentos de natureza precária” (novo art. 10 da Lei nº 11.445/2007). É uma mudança de paradigma: a lei prevê agora a obrigatoriedade de concorrência, por meio da licitação, para a seleção da proposta mais vantajosa para a prestação dos serviços de saneamento básico, obrigando as empresas estatais do setor a competir em igualdade de condições com as empresas privadas por esses contratos. (original sem destaques).

Pois bem. Além de vedar a celebração de contratos de programa e impor a realização de licitação (disputa entre os interessados na execução do serviço), o Marco Legal do Saneamento também prestigiou, em diversas ocasiões, a concorrência e a competitividade na escolha do prestador dos serviços, na definição da regulação setorial e na política federal de saneamento, conforme alterações da Lei nº 14.026/2020 (art. 2º, X; art. 4º-A, § 3º, II; art. 22, III; e art. 49, XV, da Lei nº 11.445/2007).

Inclusive, no julgamento da ADI 6.492/DF pelo STF, que reconheceu a constitucionalidade do Marco Legal do Saneamento, deixou-se claro que houve uma verdadeira mudança de paradigma para um modelo concorrencial. O Ministro Luiz Fux, quanto a esse aspecto, explicou que a nova legislação instituiu um regime de concorrência para o mercado e não de concorrência no mercado, senão vejamos:

Reitero: concorrência para os mercados, uma vez que a concorrência nos mercados – correspondente ao senso comum de “livre concorrência” – é indesejável para o setor de monopólio natural. Nesse particular, o processo de licitação corresponde ao momento em que o Poder Público interessado pode analisar as variáveis tecnológicas, a evolução dos fatores de produção e a relação de custo-benefício de cada player que se habilita. (original sem destaques).

Tendo em conta que o saneamento básico é um monopólio natural[2], a competição entre os agentes do mercado deve se dar, realmente, antes da prestação dos serviços, através de uma disputa (licitação) para obtenção da concessão do serviço, na qual poderá se consagrar vencedor aquela empresa que oferecer a melhor proposta, como, por exemplo, aquela que garanta a menor tarifa dos usuários (modicidade tarifária), o que, inclusive, já ocorre há décadas com o serviço público de transmissão de eletricidade.

Embora a transmissão de energia elétrica seja um monopólio natural, o artigo 17 da Lei nº 9.074/95, de maneira similar ao Marco Legal do Saneamento, estabeleceu que as instalações de transmissão de energia elétrica componentes da rede básica serão objeto de concessão, mediante licitação, na modalidade de concorrência ou de leilão.  Este modelo foi responsável por grandes deságios em benefício dos usuários (modicidade tarifária) e incorpora o pensamento crítico do professor de economia Harold Demsetz, em artigo intitulado “Why Regulate Utilities?”, publicado no Journal of Law and Economics da Universidade de Chicago[3],que parece que também serviu de inspiração ao legislador no Marco Legal do Saneamento (Lei nº 14.026/2020). Tem-se, portanto, a instituição da regulação contratual (regulation by contract) que estabelece um ambiente competitivo (competition for the market) na fase antecedente (ex ante) à concessão do serviço público monopolista.

Perceba-se que, independentemente de se estar diante do setor elétrico ou de saneamento, o fato é que a jurisprudência, ao conferir às sociedades de economia mista benefícios não extensíveis aos demais competidores na disputa pelo mercado, cria uma posição de vantagem competitiva inaceitável e, assim, afasta a igualdade de condições. Isso porque a proposta apresentada pela companhia estatal deixará de considerar os custos com impostos abrangidos pela imunidade sobre suas receitas e ativos, bem como levará em conta a postergação de pagamentos, em razão do regime de precatórios, o que, em última análise, significa menor impacto no fluxo de caixa e uma maior disponibilidade de recursos. Tem-se, portanto, uma evidente desvantagem na concorrência para os demais atores do mercado de saneamento básico ao apresentarem uma proposta numa eventual licitação.

No entanto, não se pode ignorar a alteração trazida pelo Marco Legal do Saneamento e, desse modo, continuar adotando uma interpretação firmada quando as empresas estaduais de saneamento ainda não disputavam com a iniciativa privada o mercado de saneamento. Portanto, a partir do advento da Lei nº 14.026/2020, a possibilidade de as companhias estaduais de água e esgoto usufruírem dos benefícios da Fazenda Pública deve ser afastada pela jurisprudência, uma vez que um dos requisitos exigidos pelo próprio STF não está mais presente no modelo setorial, que é justamente a atuação em um ambiente sem concorrência com outros players, sob pena de criar uma desigualdade de competição.

É de se referir, igualmente, que até mesmo a atuação normativa do agente regulador (ANA) fica comprometida se for mantida a orientação quanto à aplicação das prerrogativas da Fazenda Pública às companhias estaduais. Isso porque o Marco Legal do Saneamento estabelece que as normas de referência para a regulação dos serviços públicos deverão “estimular a livre concorrência, a competitividade, a eficiência e a sustentabilidade econômica na prestação dos serviços” (art. 4º-A, § 3º, II, da Lei nº 11.445/2007). Essas imposições legais que recaem sobre o regulador (ANA), entretanto, “somente poderão ser cumpridas por meio do estabelecimento de tratamento tributário semelhante entre os interessados, o que não ocorre, por exemplo, nas diferenças na aplicação da imunidade tributária, na linha da jurisprudência do STF”.[4]

Nem se diga que é possível equalizar as propostas apresentadas pelos diferentes participantes da licitação ou neutralizar as prerrogativas da Fazenda Pública, porque não se pode antever com precisão quais serão os ativos necessários à expansão do sistema de saneamento ou quais serão as receitas obtidas pelas empresas e, consequentemente, a carga tributária. E pior ainda seria a tentativa de equalizar o benefício do pagamento via precatórios. É evidente que qualquer expressão matemática não refletiria a realidade e o impacto dessa medida na disputa pela concessão pública, diante da enorme quantidade de variáveis aplicáveis.

Há, ainda,  uma presunção que precisa ser melhor explorada e eventualmente enfrentada nos julgados que estendem os benefícios do erário às companhias estaduais de saneamento. Trata-se da ideia de que a maioria das companhias estaduais presta serviço público sem intuito primário de obter lucro. No entanto, muitas dessas companhias possuem resultados bastante positivos e incrementam o patrimônio do Estado, dos demais acionistas e de seus administradores. Ora, o simples fato de o maior acionista ser o Poder Público[5], não afasta, em todos os casos, o intuito lucrativo. Inclusive, é no mínimo questionável essa percepção, que parte do pressuposto de que os Estados ainda hoje seriam levados ou forçados a prestar o serviço público, quando há inúmeros interessados na disputa (competição) pelo mercado de saneamento.

Enfim, a eventual existência de um ambiente sem concorrência não pode ser analisada apenas sob a ótica do monopólio natural (exclusividade na prestação dos serviços). É preciso também observar se as benesses decorrentes da supremacia do interesse público produzem desigualdades de condições numa competição pelo mercado, que agora o Poder Público deverá disputar de igual para igual com a iniciativa privada.

Nota-se, desse modo, que é exigido ao operador do direito um cuidado redobrado na aplicação dos precedentes da Suprema Corte, estando atento à nova realidade do setor de saneamento até que a jurisprudência reflita criticamente sobre a mudança de paradigma mediante a técnica de overriding[6], assegurando, assim, que o regime concorrencial (competition for the market) não se torne letra morta, por meio de uma negativa de vigência da legislação federal.

 

Alcino Luís Souto Martins
Advogado com mais de 10 anos de atuação no setor de energia e infraestrutura.
Pós-graduado em Direito da Energia Elétrica pela Uniceub e
Mestre em Economia e Gestão Ambiental pela Faculdade de Economia do Porto (FEP/UPorto).

Aprofunde-se no tema

Para manter sua atualização sobre as novidades dos marcos regulatórios recomendamos que conheça a obra em pré-venda “Novo Marco Legal do Saneamento Básico”.  O livro registra os principais esforços técnicos, institucionais, legais e regulatórios necessários para a construção do instituto a partir da análise das principais dimensões do Saneamento Básico e das profundas mudanças trazidas para o setor a partir da publicação da Lei nº 14.026/2020.

Notas
[1] DE ARAGÃO, Alexandre Santos; D´OLIVEIRA, Rafael Daudt. Considerações Iniciais sobre a Lei nº 14.026/2020 – Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico. In: GUIMARÃES, Fernando Vernalha (Coord.). O novo direito do saneamento básico: estudos sobre o novo marco legal do saneamento básico no Brasil (de acordo com a Lei nº 14.026/2020 e respectiva regulamentação). Belo Horizonte: Fórum, 2022, ISBN 978-65-5518-299-6.
[2] No monopólio natural, um único agente consegue produzir ou prestar os serviços a custos inferiores do que se houver vários agentes a produzir ou prestar os serviços. Portanto, a representativa economia de escala e de escopo em relação ao mercado explicam a existência de monopólios naturais. Isso significa que os custos são decrescentes (economia de escala) e há a impossibilidade física de existir mais de uma empresa na prestação do serviço.
[3] DEMSETZ, H. ‘Why Regulate Utilities?‘, Journal of Law and Economics, XI, April, 55-65. INTERNATIONAL LIBRARY OF CRITICAL WRITINGS IN ECONOMICS, 1998, 94: 229-239. Acesso em 05/06/2020 e disponível em: https://www.sfu.ca/~wainwrig/Econ400/documents/demsetz68-JLE-utilities.pdf
[4] SOUZA, Clara Rocha et al. O novo Marco Legal do Saneamento e seus potenciais efeitos tributários: Uma primeira análise a partir da Lei nº 14.026/2020. Acesso em 05/09/2022 e disponível em: https://www.jota.info/login?redirect_url=https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-novo-marco-legal-do-saneamento-e-seus-potenciais-efeitos-tributarios-04082020
[5] Inclusive, em regra, o maior acionista é justamente um Ente da Federação que não detém a titularidade do serviço público e, portanto, não estaria constitucionalmente obrigado a executá-lo.
[6] O overriding ocorre quando o “tribunal apenas deseja limitar o âmbito de incidência de um precedente em razão da superveniência de outra regra ou princípio legal. Aqui não há revogação por completo ou substituição por outro precedente” (DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 1290).

Direito Eleitoral, NLLC e Improbidade Administrativa: temas que se destacaram em outubro

Outubro foi um mês movimentado na área das ciências jurídicas, sobretudo, devido às eleições presidenciais. Com o segundo turno do pleito, o tema Direito Eleitoral continua em alta, segundo dados disponibilizados pelo Google Trends. Outros temas seguem atraindo a atenção do público, como Improbidade Administrativa.

A Editora FÓRUM, líder em Direito Público no Brasil, acredita na disseminação de conteúdos jurídicos de qualidade e concatenados com as principais tendências do setor. Em outubro, diversos assuntos de destaque foram tratados em obras lançadas pelos mais renomados autores e especialistas do país, seguindo o compromisso de auxiliar a Administração Pública brasileira, através do conhecimento que transforma e multiplica.

Abaixo, é possível conferir alguns dos principais títulos disponibilizados este mês com a atualização necessária para os profissionais que estão diante de dias tão desafiadores.

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Lançamentos em foco

Improbidade Administrativa e Tribunais de Contas, de Fabrício Motta, Ismar Viana

Essa obra se destaca pela originalidade do conteúdo abordado e pela forma didática com que os temas são tratados, buscando garantir permanente interação entre as linguagens jurídica e institucional, com vistas a facilitar a compreensão do leitor sobre temáticas novas e que ainda não foram objeto de devido tratamento pela literatura brasileira. Aborda os impactos da Lei de Improbidade Administrativa reformada no controle da Administração Pública brasileira, com ênfase no controle externo exercido pelos Tribunais de Contas, a partir de um recorte em torno dos parâmetros normativos inaugurados pela Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021.

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Advocacia Pública Municipal como função essencial à justiça e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de Gustavo Machado Tavares, Elisa Albuquerque

Nesta obra são analisados detidamente julgados do Supremo Tribunal Federal que discutiam o enquadramento constitucional da Advocacia Pública Municipal, para seccionar os fundamentos e entendimentos pertinentes à necessidade de estruturação municipal do órgão da Procuradoria-Geral do Município e da vinculação constitucional das atribuições da Advocacia Pública aos ocupantes do cargo de Procurador(a) Municipal.

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Aspectos polêmicos sobre a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, de Marcelo Harger

A lei de licitações (Lei nº 8.666/1993), em 2023, faria 30 anos de vigência. Muitas discussões foram travadas ao longo desse tempo. Críticas e elogios foram feitos, mas uma coisa é certa: boa parte das discussões acerca do texto da lei havia sido encerrada. É editada então a Lei nº 14.133/2021 com o objetivo de modernizar as licitações e unificar o regime jurídico em um único diploma legal. Novamente surgem elogios e críticas, especialmente pelo fato de a nova lei ser extremamente longa. Há quem afirme haver modernidade. Outros, no entanto, alegam que a licitação tornou-se ainda mais burocrática do que antes. É para contribuir com esse debate que se editou a presente obra.

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Colaboração premiada aplicada ao procedimento do tribunal do júri, de Márcio Augusto Friggi de Carvalho

Com o advento das tecnologias disruptivas, o enfrentamento da criminalidade moderna passou a exigir a remodelação do aparato punitivo à altura dos novos desafios e da complexidade do mundo de rede. Nesse contexto, a colaboração premida exsurge como importante instrumento não apenas para a solução de crimes de colarinho branco, mas também em demandas penais afetas ao procedimento do Tribunal do Júri, a exemplo do assassinato mercenário e dos grupos de extermínio. Essa é a proposta do trabalho: colocar luzes às principais questões relacionadas aos eventuais limites de aplicação e à possível adaptação da ferramenta em cotejo ao procedimento do Tribunal Popular, de maneira a propor as soluções que se mostrarem mais adequadas.

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Consultoria em auditoria governamental (2ª edição), de Diocesio Sant’Anna

O objetivo do livro é que todos entendam o que é, para que serve e como fazer consultoria em auditoria. A obra é um guia na realização de trabalhos de consultoria, incluindo a capacitação, o planejamento e a execução, até chegar à comunicação dos resultados, ao monitoramento e finalizando com a avaliação da atividade. Assim, trata-se de verdadeiro guia prático e simplificado de como implementar consultoria em auditoria interna sem comprometer a independência e objetividade.

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Infâncias, proteção e autonomia, de Lygia Maria Copi

O sistema de incapacidades positivado pelo Código Civil brasileiro mantém a totalidade das crianças e dos adolescentes em um regime de menoridade jurídica, sem prever particularidades em relação ao grau de amadurecimento do sujeito ou à natureza do ato a ser praticado. Diante disso, tendo em vista a possibilidade de representantes e assistentes colocarem em risco os direitos previstos a menores de dezoito anos, a pesquisa foi norteada pelo seguinte questionamento: é possível que crianças e adolescentes exerçam direitos de modo autônomo no Brasil? A resposta a esta difícil pergunta se ancora no princípio da autonomia progressiva, que inaugura uma nova relação entre proteção e autonomia, marcada pela complementariedade.

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Arquitetura do Planejamento Sucessório TOMO I (3ª ed.), por Daniele Chaves Teixeira

O título, portanto, diz muito sobre a obra: o profundo estudo do Direito Sucessório e das ferramentas jurídicas hábeis a se construir uma sucessão causa mortis conforme a vontade do autor da herança e das necessidades específicas do caso concreto exprime um verdadeiro arquitetar pelo operador do Direito. Com uma imensa utilidade para a aplicação prática, a leitura da obra, projetada com atenção e executada com a contribuição de competentes juristas, faz deste trabalho um excelente estudo sobre o planejamento sucessório.

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Novo Marco Legal do Saneamento Básico, por Ana Carolina Tannuri Laferté, Christiane Dias Ferreira, Cíntia leal Marinho de Araújo, Helena Buys Gonçalves Rocha Ferreira da Silva, Irene Guimarães, Luciene Ferreira Monteiro Machado, Mariangela Seillier, Martha Seillier, Rafaella Peçanha Guzela, Veronica Sánches da Cruz Rios 

Este livro registra os principais esforços técnicos, institucionais, legais e regulatórios necessários para a construção do Novo Marco Legal do Saneamento Básico Brasileiro. Analisam-se as principais dimensões do Saneamento Básico e as profundas mudanças trazidas para o setor a partir da publicação da Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020, destacando-se os desafios enfrentados para a sua aprovação e implementação, na busca pelo cumprimento do seu principal objetivo, que é universalizar os serviços de Saneamento Básico no Brasil por meio da construção de um ambiente de segurança jurídica que viabilize a atração de novos investimentos e do fornecimento de um conjunto de incentivos e diretrizes para cumprir essa nobre missão.

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Direito Municipal em debate, de Gustavo Machado Tavares, Taisa Cintra Dosso, Thiago Viola Pereira da Silva

O sexto volume do livro Direito Municipal em Debate conta com 18 textos, sendo 10 artigos, 3 pareceres e 5 peças processuais aprovados no V Concurso de Artigos, Pareceres e Peças Processuais do II Congresso Brasileiro Virtual dos Procuradores Municipais (CBVPM). Escritos por procuradores municipais (isoladamente ou em coautoria), aliam a prática diária das Procuradorias Municipais à profundidade das análises doutrinárias e jurisprudenciais, demonstrando a grande valia da atividade pública. Obra imperdível para aqueles que procuram se aprofundar no estudo do Direito Municipal.

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5 razões para participar do Fórum Internacional de Auditoria Governamental 2022 + Bônus

Entre os dias 8 e 10 de novembro de 2022, o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro-RJ, será sede do Fórum Internacional de Auditoria Governamental, evento integrado ao XXIV Congresso Internacional das Instituições Superiores de Controle (Incosai).

A ocasião é uma oportunidade única para que representantes dos estados, municípios e gestores dos principais órgãos de controle do Brasil tenham acesso aos debates das autoridades participantes da International Organization of Supreme Audit Institutions (Intosai), além de outros grandes nomes, que vão tratar do resultado e impacto do trabalho realizado por essas entidades.

Por isso, confira abaixo 5 razões para garantir sua presença nesta edição inédita no Brasil:

1) Evento integrado ao XXIV Congresso Internacional das Instituições Superiores de Controle (Incosai) e presidido pelo Tribunal de Contas da União (TCU)

Apoiar a cultura da fiscalização no Brasil continua sendo um de nossos objetivos prioritários. Neste momento tão relevante, no qual o Tribunal de Contas da União (TCU), instituição superior de controle brasileira, prepara-se para tomar posse da presidência e sediar o XXIV Congresso Internacional das Instituições Superiores de Controle (Incosai), celebramos o reconhecimento internacional do Brasil e temos a honra de realizar, de forma integrada e simultânea, o Fórum Internacional de Auditoria Governamental.

2) Programação e networking com autoridades e especialistas nacionais e internacionais

Nos três dias do evento, estarão reunidas autoridades de renome internacional e os principais especialistas e representantes das instituições supremas de auditoria do mundo. Esta é uma oportunidade única de networking e uma capacitação fundamental para compreensão do cenário global do Controle. Os participantes terão acesso exclusivo a debates, estratégias, padrões internacionais e mundialmente aceitos de auditoria, que devem ser observados para fiscalizar finanças públicas em qualquer local do mundo.

3) 3-Day pass, kit do participante e certificado digital chancelado pela FÓRUM

A inscrição dá acesso aos 3 dias (3-Day Pass), com total de 24 horas de evento, que inclui palestras, mesas-redondas compostas por moderador e especialistas para abordar o assunto sob diferentes perspectivas, debates com possibilidade de interação ativa do público, além de Certificado Digital chancelado pela FÓRUM e kit exclusivo para os participantes.

4) Tradução simultânea para português, inglês, espanhol e libras 

Para garantir a melhor experiência a todos os presentes, haverá tradução simultânea para português, inglês e espanhol durante todo o evento, além de intérprete e tradutor de Libras.

5) Chancela de qualidade da FÓRUM, líder em Direito Público no Brasil

Há três décadas, a FÓRUM, que elegeu a Administração Pública como o primeiro caminho para transformar o país para melhor, tem se debruçado em facilitar a resolução dos seus desafios, propagando uma verdadeira cultura de boas técnicas da gestão pública e a disseminação de conteúdos de altíssima qualidade, destinados sob medida a toda a comunidade jurídica do Brasil. Sua trajetória e atuação em prol do conhecimento lhe renderam o título de editora líder em Direito Público no Brasil.

BÔNUS:

O Museu do Amanhã como palco do reencontro das maiores mentes de auditoria pública do mundo

Assinado pelo famoso arquiteto espanhol Santiago Calatrava e um dos cartões-postais da cidade do Rio de Janeiro-RJ, o Museu do Amanhã foi inspirado nas bromélias do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e faz parte do projeto de revitalização do centro da cidade, destacando-se pela arquitetura moderna e sustentável. Trata-se de um museu de ciências diferente: seus pilares envolvem convivência, conhecimento e sustentabilidade — aspectos que vão ao encontro dos nossos valores e dos temas do fórum e do congresso.

Saiba mais sobre a programação, garanta as últimas vagas e inscreva-se.

A defesa do consumidor e o dever de informação como fundamento de responsabilidade civil no campo da inteligência artificial

Coluna Direito Civil

defesa do consumidor

 

A Constituição Federal consagrou explicitamente a defesa do consumidor como um princípio da ordem econômica (art. 170, V, CF/88[1]) e direito fundamental (art. 5º, XXXII, CF/88[2]), tendo previsto, ainda, que “é assegurado a todos o acesso à informação” (art. 5º, XIV, CF/88[3]). O direito à informação, consagrado como direito básico no art. 6º do Código de Defesa do Consumidor[4], por sua vez, se alicerça nos deveres de cooperação e boa-fé objetiva, possibilitando ao consumidor uma opção esclarecida e autodeterminada na aquisição de produtos ou serviços, tendo em vista a massificação do mercado contemporâneo. Paulo Lôbo, inclusive, sustenta que o direito à informação do consumidor é um direito fundamental[5].

A insuficiência da informação acerca do produto ou serviço a ser comercializado é um defeito que gera a responsabilização do fornecedor na hipótese de eclosão de danos conectados a essa falha. O princípio da transparência, por sua vez, disposto no art. 4º do Código de Defesa do Consumidor[6], aduz a necessidade de que a relação contratual e os direitos e deveres envolvidos na aquisição do produto ou serviço estejam devidamente esclarecidos para as partes.

Claudia Lima Marques ressalta que a informação na relação consumerista é um dever qualificado, com base no pressuposto de que é necessário esclarecer e explicar até mesmo dados que seriam banais entre dois empresários, uma vez que o consumidor é considerado uma parte leiga na relação[7]. Nesse contexto, destaca-se a ideia de vulnerabilidade informacional, compreendida como o fornecimento insuficiente de dados sobre determinado produto ou serviço capaz de influenciar no processo decisório de compra[8], especialmente relevante no mercado eletrônico e que pode representar um desequilíbrio entre as partes, pois os fornecedores são os efetivos detentores da informação[9].

A informação conecta-se diretamente com a questão da prevenção. Tal ideia usualmente demanda que haja uma prévia consciência acerca do potencial de riscos de determinado objeto. É por isso que a Resolução 30/248 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 1985, determina em seu art. 3º a obrigatoriedade do acesso dos consumidores à informação.

A informação, se insuficiente ou inadequada, pode constituir tanto um defeito extrínseco do produto ou serviço (arts. 12 a 14) ‒ quando a falha da informação acarreta um dano à saúde ou segurança do consumidor ‒ como um vício (arts. 18 a 20), quando a falha informativa estiver relacionada à funcionalidade do produto ou serviço[10].  Isso porque o consumidor tem o direito de ser informado acerca da periculosidade ou da nocividade do produto ou serviço a ser adquirido.

As transformações no mercado de consumo digital desafiam a aplicabilidade dos institutos às novas relações sociais, seja para a colmatação de lacunas ou para a análise da suficiência de normas legais vigentes para a realidade subjacente. A concepção de novos serviços e produtos tecnológicos de forma massificada também desafia a compreensão por parte do consumidor.

Cumpre-se o dever de informação quando a informação é transmitida com adequação, suficiência e veracidade. Considera-se adequada a informação quando os meios de comunicação são compatíveis com o produto ou serviço e com o consumidor destinatário, devendo o conteúdo veiculado ser claro e preciso[11].

Ademais, considera-se suficiente a informação quando o conteúdo do produto ou serviço é transmitido de forma completa e integral, sem omissões de dados ou referências não vantajosas do produto ou serviço[12]. Por fim, considera-se veraz a informação quando corresponde às reais características do produto ou serviços, além dos dados referentes à composição, conteúdo, preço, prazos, garantias e riscos[13].

No que tange ao comércio eletrônico, Claudia Lima Marques argumenta que “deve o fornecedor informar sobre o meio usado, sobre o produto ou serviço que oferece, sobre as suas condições gerais contratuais e condições específicas da oferta e deve se identificar de forma clara e eficaz[14]”.

Na hipótese da inteligência artificial, a informação é adequada, suficiente e veraz quando, para além dos requisitos mencionados, veicula, de forma clara, sintética e compreensível, as limitações do estado da técnica acerca do funcionamento da máquina, bem como as potencialidades para as quais o sistema foi originalmente desenvolvido.

Também é relevante consignar a necessidade de que o usuário seja advertido sobre estar interagindo com uma inteligência artificial. Isso porque para algumas pessoas nem sempre é fácil identificar se está interagindo com um ser humano ou com uma IA. Recentemente, inclusive, um engenheiro do Google disse ao público que uma inteligência artificial lá desenvolvida teria adquirido consciência[15]. Isso porque, entre outras características, a máquina teria revelado medo de ser desligada, além de expor reflexões filosóficas. A companhia, em contrapartida, negou as afirmações e concluiu que não havia qualquer evidência de que a máquina possuísse consciência.

De fato, uma interação que simula uma consciência não pode ser considerada como efetivamente consciente. No entanto, é importante observar que essas comunicações automatizadas estão cada vez mais sofisticadas, com capacidade de mimetizar uma interação humana, o que pode levar muitas pessoas a se confundirem e acharem que estão falando com uma pessoa. E por isso torna-se imprescindível que o usuário seja previamente advertido de que está interagindo com uma máquina inteligente e não com um ser humano, com fins de equilibrar as expectativas no que tange à relação entre pessoas e máquinas.

Ademais, para Paulo Lôbo, é insuficiente a informação que “reduz, de modo proposital, as consequências danosas pelo uso do produto, em virtude do estágio ainda incerto do conhecimento científico ou tecnológico[16]”. Considera-se que a falta de informação suficiente acerca do estágio do conhecimento científico e tecnológico sobre a matéria infringe o dever de informar, pois sonega dados necessários à escolha do consumidor[17].

Nesse contexto, a avaliação de impacto de inteligência artificial pode ser um instrumento útil para a mensuração dos riscos envolvidos na introdução de uma IA no meio social e cooperar com o implemento do dever de informação. Acaso algum perigo ou risco seja verificado posteriormente, o desenvolvedor ou operador também deve informar o consumidor, por meio de comunicações eficazes, para que o produto passe a ser utilizado com determinado cuidado, ou para que o produto seja conduzido às oficinas do produtor para certas modificações técnicas, ou ainda para que o produto não mais seja utilizado[18].

Também é possível que haja o dever de indenizar quando o desenvolvedor ou operador não informa suficientemente ao consumidor os riscos associados à inteligência artificial. Não se ignora que a incipiência científica de determinada tecnologia pode entrar em conflito com o dever de informação do fornecedor acerca dos riscos que o objeto produz. Como informar ao consumidor riscos que nem sequer há ciência de quais sejam?

Nesse ponto, a solução passa pelos deveres de cooperação e lealdade que norteiam as relações contratuais e impõem ao desenvolvedor e ao operador, numa perspectiva de cuidado e precaução, o ônus de comunicar aos consumidores os riscos envolvidos na inteligência artificial, ocasionados pela ausência do conhecimento exato das capacidades e limitações da máquina. Ademais, há a possibilidade de que efeitos adversos surjam apenas por força do desenvolvimento posterior do estado da técnica.

Seria um modelo análogo ao que vem sendo feito com maços de cigarros, em que o próprio fornecedor adverte acerca do caráter tóxico do produto a ser adquirido. Não se vislumbra necessidade de lei expressa determinando que o fornecedor faça tal advertência, uma vez que essa informação decorre diretamente dos ditames estampados no Código de Defesa do Consumidor e da axiologia constitucional, especialmente no que tange à boa-fé objetiva.

Descobertos quaisquer perigos, riscos ou ameaças apresentados pelo produto já inserido no mercado, o fornecedor possui o dever de informar aos consumidores acerca de tal descoberta, para a tomada de cuidados ou até mesmo a inutilização do produto. De acordo com Gilberto Almeida:

Sem esse acesso, os consumidores ficarão à mercê do arbítrio dos agentes empresariais para que se possa discernir quando tenha havido algum excesso ou falha na concepção ou implantação da inteligência artificial. Além de que nessas situações em que a inteligência artificial se alimenta da inteligência do próprio consumidor (eis que o uso amplia a base de dados coletados bem como os conhecimentos e as interferências), o consumidor pode se interessar por compreender como sua interação tem contribuído (com traços efêmeros, ou permanentes; com apropriação consentida, ou sub-reptícia; para ilações benéficas, ou prejudiciais) para esse processo[19].

Ainda que não haja conhecimento exato das potencialidades da máquina e/ou dos efeitos nocivos que possam posteriormente ser descobertos, é imprescindível que o desenvolvedor e o operador informem sobre esse fator de imprevisibilidade, sob pena de a informação ser considerada insuficiente e restarem violados os direitos básicos dos consumidores envolvidos, com a consequente responsabilização civil.

 


Gabriela Buarque Pereira Silva
Advogada. Mestra em Direito Público pela Universidade Federal de Alagoas.
Membro do Grupo de Pesquisa Direito Privado e Contemporaneidade (Ufal).
Pesquisadora voluntária no Privacy Lab do Cedis/IDP
e no Laboratório de Políticas Públicas e Internet (Lapin).
Notas
[1] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) V – defesa do consumidor; (…).
[2] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; (…).
[3] XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.
[4] Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (…) III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012). 
[5] LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 37, p. 59-76, 2001.
[6] Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995).
[7] MARQUES, Cláudia Lima. Superação das antinomias pelo diálogo das fontes: o modelo brasileiro de coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002. Revista da ESMESE. N. 7, 2004, p. 27.
[8] BENJAMIN, Antonio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Claudia Lima. Manual de Direito do Consumidor.  5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 99.
[9] BENJAMIN, Antonio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Claudia Lima. Manual de Direito do Consumidor.  5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 106.
[10] GARCIA, Leonardo de Medeiros. O princípio da informação na pós-modernidade: direito fundamental do consumidor para o equilíbrio nas relações de consumo. Revista Direito UNIFACS. N. 176, Salvador, 2015, p. 10.
[11] LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 37, p. 59-76, 2001, p. 69.
[12]  LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 37, p. 59-76, 2001, p. 69.
[13] LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 37, p. 59-76, 2001, p. 70.
[14] MARQUES, Cláudia Lima. A proteção do consumidor de produtos e serviços estrangeiros no Brasil: primeiras observações sobre os contratos à distância no comércio eletrônico. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS. V. 21, mar./2002, p. 79.
[15] LANDIM, Wilkerson. Engenheiro do Google é afastado por acreditar que IA se tornou consciente. Mundo Conectado. Disponível em: https://mundoconectado.com.br/noticias/v/26069/engenheiro-do-google-e-afastado-por-acreditar-que-ia-se-tornou-consciente. Acesso em: 22 jul. 2022.
[16] LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 37, p. 59-76, 2001, p. 69.
[17] LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 37, p. 59-76, 2001, p. 69.
[18]MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela específica do consumidor. Disponível em: http://www.marinoni.adv.br/wp-content/uploads/2012/06/PROF-MARINONI-A-TUTELA-ESPEC%C3%8DFICA-DO-CONSUMIDOR-.pdf. Acesso em: 1º jan. 2020.
[19] ALMEIDA, Gilberto. Notas sobre utilização de inteligência artificial por agentes empresariais e suas implicações no âmbito do direito do consumidor. In: FRAZÃO, Ana. MULHOLLAND, Caitlin (coord.). Inteligência artificial e direito: ética, regulação e responsabilidade. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 424.

Dia do Professor: a FÓRUM parabeniza e reverencia os educadores

Neste 15 de outubro, na 59ª comemoração nacional do Dia do Professor, a FÓRUM agradece e reverencia os profissionais que dedicam suas vidas à educação; homens e mulheres que, todos os dias, questionam, provocam e compartilham o saber em prol de um futuro melhor. 

A oficialização do Dia do Professor 

Em 15 de outubro de 1827, D. Pedro I sancionou a primeira Lei Geral do Ensino Elementar, que, em seu art. 1º, determinava a abertura das “Escolas de Primeiras Letras” em todas as cidades, vilas e lugares mais povoados do Brasil Império, além de regulamentar outras questões pertinentes ao ensino fundamental, como salário dos educadores e grade curricular.

Foi em homenagem a essa lei imperial que, 120 anos mais tarde, em 1947, o professor piracicabano Salomão Becker decidiu, em 15 de outubro daquele ano, reunir algumas pessoas no Ginásio Caetano de Campos, na cidade de São Paulo, para confraternizar e discutir melhorias na educação. Posteriormente, outras escolas seguiram seu exemplo — até que, em 1963, no governo de João Goulart, o Decreto nº 52.682 estabeleceu oficialmente a data como o Dia do Professor no Brasil. 

A educação ensina a “pensar” 

Para Rubem Alves, célebre educador e escritor brasileiro, o objetivo da educação é despertar a curiosidade e “ensinar a pensar”. Nesse sentido, o magistério é uma das profissões mais importantes na luta por uma sociedade igualitária e próspera. Pode-se facilmente entender, então, a necessidade e o valor de uma homenagem a essas pessoas que tanto contribuem para a formação de cidadãos mais justos e profissionais mais competentes.  

Professores têm desconto permanente nos livros da FÓRUM

Como grandes parceiros da Editora FÓRUM na disseminação do conhecimento, professores universitários, em especial dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito, têm descontos de até 50% na compra de livros do nosso catálogo. 

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Obras da FÓRUM são indicadas como referência de pesquisa em catálogo do TSE

Na segunda edição, a minibibliografia selecionada do Tribunal Superior Eleitoral-TSE, apresenta um conjunto de obras sobre desinformação nas eleições com o objetivo de disseminar conteúdos atualizados que tratam de assuntos eleitorais. Nesta versão do catálogo, dois livros e um periódico da FÓRUM foram selecionados. 

A pesquisa é realizada na Rede de Bibliotecas da Justiça Eleitoral, na Biblioteca Digital do TSE e nas Bibliotecas que compõem a Rede RVBI do Senado Federal, tendo por prioridade a divulgação de publicações mais recentes sobre o assunto escolhido.

Sempre atenta aos temas mais relevantes do Direito, o acervo da FÓRUM é constantemente atualizado, com temas em voga e que atendem às necessidades da comunidade jurídica.

 Confira abaixo a relação de obras da FÓRUM indicadas como referência de pesquisa pelo TSE.

Obras selecionadas

O capítulo “Liberdade de expressão nas redes sociais: o caso das fake news nas eleições presidenciais brasileiras de 2018” escrito por Carlos Bastide Horbach e disponível no livro Democracia, justiça e cidadania: desafios e perspectivas, foi citado na referência do TSE.

O modo como as fake news foram enfrentadas pelas autoridades eleitorais brasileiras no pleito de 2018, com foco nas eleições presidenciais, por sua repercussão nacional e no impacto verificado na liberdade de expressão dos eleitores, foi objeto deste estudo. O autor examinou a razão pela qual a disseminação de notícias falsas adquiriu uma dimensão sem precedentes, o que se relaciona com o aumento de pessoas com acesso à internet. Além disso, também são trabalhadas a legislação e a jurisprudência no país sobre o tema.

O livro O abuso do poder no Direito Eleitoraltambém foi citado no catálogo do TSE. A obra faz uma reflexão essencial sobre o assunto, demonstrando que, sob o fundamento de proteger a legitimidade do pleito, muitas vezes ocorre um desrespeito à vontade da maioria, provocando a cassação de mandatos diante de fatos que não impactaram as eleições.

A autora Anna Paula Mendes comentou sobre ter sido uma das selecionadas.

“Foi uma alegria muito grande saber que o livro consta da bibliografia selecionada pela biblioteca do TSE em matéria de desinformação nas eleições. Acho que esse é um grande reconhecimento para os pesquisadores e acadêmicos”, comemora.

E complementa: “Quando eu comecei a pesquisar sobre abuso do poder relacionado à disseminação da desinformação, ainda em 2018, eram poucos os escritos existentes sobre isso. Acredito que a biblioteca do TSE, ao compilar a bibliografia do tema, presta um serviço de suma importância a todos que querem escrever ou se aprofundar no assunto, haja vista que, nos últimos anos, ele só cresce em importância nos contextos eleitorais”.

A Revista Brasileira de Direito Eleitoral-RBDE também foi amplamente citada na bibliografia do TSE. O artigo “Caja 2.0”: financiación ilícita de la política, bots sociales y la manipulación del elector –marco jurídico-electoral brasileño” de Marcelo Eugênio Feitosa Almeida, aborda os esforços regulatórios brasileiros, desde a formação de um cidadão independente investidos de autonomia moral, a iniciativas mais tangíveis, como a máxima divulgação partidária e outras regras testadas em diferentes cenários de risco, com a participação essencial das partes e fornecedores de aplicativos e conteúdo na internet que espalha notícias falsas.

“A evolução jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral acerca das fake news nos últimos anos” de André Paulino Mattos busca demonstrar o esforço da Justiça Eleitoral brasileira, por seu órgão de Cúpula, em tentar equacionar o problema da disseminação de notícias falsas em campanhas eleitorais, sobretudo em razão da rápida evolução tecnológica da internet experimentada nos últimos anos.

Em “Fake news e liberdade de expressão: uma análise das decisões do Tribunal Superior Eleitoral nas eleições presidenciais de 2018”, a autora Mariana Albuquerque Rabelo afirma que, embora o fenômeno das fake news não seja propriamente recente, a expressão tomou notoriedade global nos últimos anos e vem trazendo à tona discussões acerca da manipulação e distorção de informações e de sua enorme capacidade de propagação pela internet, bem como de seus impactos deletérios para a democracia.

>>> Conheça a RBDE aqui

Qual o papel do TCU nos processos de desestatização?

O papel desempenhado pelo Tribunal de Contas da União – TCU nos processos de desestatização é um dos principais temas da edição nº 21 da Revista de Contratos Públicos-RPC da Editora FÓRUM.

Escrito pelos autores Bruno Guimarães Bianchi e Paulo Vinicius Liebl Fernandes, mestres em Direito do Estado pela USP, o artigo “O papel do Tribunal de Contas da União nos processos de desestatização” é um estudo aprofundado sobre as diversas atribuições do tribunal nos casos de privatização.

“Para além da amplitude e abertura do conceito específico de economicidade, está claro que a tendência que se vislumbra é, cada vez mais, a internalização da fiscalização do TCU dentro da atividade administrativa (aqui, tratada em sentido amplo, englobando a atuação da administração direta e indireta). Busca-se, através desta medida, conceder maior segurança ao processo de desestatização […]”, apontam.

Os especialistas ponderam, no entanto, que essa relevância adquirida pelo TCU nos processos de desestatização não deveria interferir na função dos agentes reguladores.

“Está claro que, também nos processos de desestatização, o TCU vem adotando papel central. O problema gerado por esta situação é no sentido de que os agentes reguladores passam não mais a atuar com base em sua expertise técnica do setor regulado, mas visando unicamente se alinhar ao que os membros do TCU entendem como correto.”

Ao final do artigo, os autores propõem soluções para melhorar a compreensão dos papéis de cada ente fiscalizador. 

“Cabe à Academia continuar a se debruçar sobre o tema, identificando os pontos que causam os problemas que se denotam atualmente, bem como trazendo proposições para suas correções.”

O estudo completo está disponível, com exclusividade, na Revista de Contratos Públicos-RCP edição de nº 21. Esse periódico com estudos científicos de juristas, advogados e acadêmicos brasileiros e portugueses sobre os fatores que colocaram a contratação pública no centro jurídico. A procura de bens e serviços pelo setor público nunca esteve tão ativa como agora, deixando as discussões sobre o assunto cada vez mais pertinentes. Considerando que a era do Estado Contratante (Contracting State) é uma realidade, a RCP propõe, de maneira moderna, significativas contribuições para a prática das contratações públicas.

>> Conheça a RCP aqui

A edição nº 21 da RCP também apresenta pesquisas inéditas com temas relacionados à extensão dos contratos de programa de saneamento, ao regime excecional e temporário do Decreto-Lei nº 19-A/2020, aos contratos de concessão envolvendo obras públicas e diversos outros.

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Confira os artigos presentes nesta edição

Para facilitar a compreensão dos temas abordados, listamos abaixo e neste link, o sumário da edição nº 21 da RCP.

A extensão dos contratos de programa de saneamento para reequilíbrio à luz da Lei nº 14.026/2020 e do Decreto nº 10.710/2021
Alexandre Santos de Aragão
O regime excecional e temporário do Decreto-Lei nº 19-A/2020, de 30 de abril, enquanto fait du prince – Uma alternativa para o concessionário?
Andreia Duarte da Costa
O papel do Tribunal de Contas da União nos processos de desestatização
Bruno Guimarães Bianchi, Paulo Vinicius Liebl Fernandes
(In)validade de cláusulas de distribuição genérica/residual de riscos em contratos de concessão envolvendo obras públicas
Daniel Siqueira Borda
Rescisão dos contratos de concessão para geração de energia hidrelétrica em virtude da não emissão de licenças ambientais
Bruno Guimarães Bianchi, Felipe Henrique Braz
As associações de direito privado sob influência determinante pública: entidades adjudicantes estatutárias ou (potenciais) «organismos de direito público»?
João Pacheco de Amorim, Rui Mesquita Guimarães
A indisponibilidade de bens e a Lei nº 14.230/21 – Entre a revisão e a (ir)retroatividade: uma questão de proporcionalidade
Luis Henrique Braga Madalena, Óliver Vedana, Vinicius Quarelli
Mais um exemplo de indevida instrumentalização da contratação pública: o regime excecional da contratação de espetáculos artísticos
Marco Caldeira

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Artigo gratuito

Engajados com a propagação do conhecimento jurídico de qualidade, disponibilizamos, gratuitamente, o artigo “(In)validade de cláusulas de distribuição genérica/residual de riscos em contratos de concessão envolvendo obras públicas” do autor Daniel Siqueira Borda.

O estudo aborda de forma mais específica problemas relacionados à inserção de cláusulas residuais ou genéricas de imputação de riscos aos contratados particulares no âmbito das concessões que envolvem obras públicas. O autor busca definir se as cláusulas são válidas à luz das previsões legais que orientam e limitam a atividade administrativa contratual. 

São apresentadas visões doutrinárias brasileira e portuguesa e, em seguida, uma análise sobre exemplos de cláusulas de distribuição de riscos residuais inseridas em contratos de concessão no Brasil.

>> Confira o artigo neste link

Esperamos contribuir com este estudo para suas práticas jurídicas. Boa leitura!

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Os interessados em publicar na revista podem acessar esta página no site da FÓRUM, verificar as normas para envio e preencher o formulário de submissão. O texto deverá ser inédito e para publicação exclusiva. 

Os autores com artigos selecionados terão acesso permanente e gratuito a todos os volumes digitais da RCP publicados em 2022, disponíveis na Plataforma FÓRUM de Conhecimento Jurídico®. O acesso será pessoal e intransferível.

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Uma análise dos efeitos jurídicos decorrentes da multiparentalidade sob a ótica do princípio da afetividade

Coluna Direito Civil

O Direito das Famílias atual experimentou profundas alterações com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Os valores introduzidos pela atual Carta Magna representaram um verdadeiro giro de Copérnico quer neste segmento, quer no Direito Civil. A aplicação dos direitos fundamentais às relações inter privadas proporcionou uma leitura dos institutos do direito privado sob o filtro da Constituição da República, destacando-se, de imediato, a eleição do princípio da dignidade da pessoa humana como pedra angular do ordenamento jurídico brasileiro.

O instituto da filiação não ficou imune ao novo cenário. Abandonar o ideal da legitimidade filiatória baseada no “pater is est” foi inevitável às relações parentais. Mesmo a filiação biológica, paulatinamente difundida, tornou-se inapta a fundamentar os vínculos paterno-filiais, perceptivelmente regidos por outros valores. Esse modelo científico desprezava uma verdade fundamental: a construção permanente dos laços afetivos.

Ao passar por essas transformações a família valorou um aspecto anteriormente relegado ao esquecimento: a afetividade. O afeto passou a servir de parâmetro para a definição dos vínculos parentais, um verdadeiro elemento identificador das entidades familiares. Segundo Calderón (2013), no decorrer da modernidade, o espaço conferido à afetividade alargou-se e verticalizou-se a tal ponto que já era possível sustentá-la como vetor das relações pessoais.

Deste modo, não foi raro observar nas relações paterno/materno-filiais a paulatina ocorrência da concomitância entre as filiações biológica e a socioafetiva, alicerçada na posse de estado de filho. Ante a possibilidade de coexistência entre ambas, é que surgiu a multiparentalidade, um fenômeno jurídico com fundamento nas concepções da socioafetividade, constituído por múltiplos pais, isto é, a relação de paternidade ou maternidade múltipla impulsionada pela dinâmica das novas relações parentais.

O estabelecimento de dois vínculos parentais representa uma quebra de paradigmas no direito de filiação na medida em que equipara os vínculos familiares e enseja a simultaneidade do exercício de direitos e deveres parentais, acarretando, deste modo, uma série de questionamentos, entre eles: quais são os efeitos jurídicos aplicáveis ao reconhecimento da multiparentalidade? Qual a principiologia aplicável à espécie? Todos esses questionamentos são respondidos a partir de uma análise crítica do instituto e do leading case decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

Anteriormente, os tribunais brasileiros entendiam que a coexistência de duas filiações (socioafetiva e biológica) obrigavam a preponderância de uma sobre a outra, rejeitando-se a sua concomitância. Como bem expõe Karina Barbosa Franco (2021, p. 83), de um lado tínhamos “uma corrente que indicava a prevalência da relação parental afetiva, vivenciada pelas partes, sobre o vínculo biológico”, e a outra corrente “sustentava que, mesmo diante de uma relação socioafetiva consolidada, deveria predominar o vínculo parental biológico sobre o socioafetivo”.

Essa rígida posição pode ser claramente observada no julgamento da Apelação Cível nº 70027112192, pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na qual se afirmou como juridicamente impossível o pedido do autor de ser reconhecida a paternidade socioafetiva sem afastar o liame parental em relação ao pai biológico. Na oportunidade, o tribunal consignou que “ninguém poderia ser filho de dois pais” (TJRS; Apelação Cível 70027112192, Oitava Câmara Cível, Rel. Des. Claudir Fidélis Faccenda, julgado em 02.04.2009).

No entanto, a discussão da temática passou a crescer nos tribunais pátrios até chegar ao Supremo Tribunal Federal no ano de 2016. O acórdão de origem reconheceu a dupla parentalidade com o consequente reconhecimento dos efeitos jurídicos decorrentes, o que ensejou a interposição do Recurso Extraordinário 898.060/SC, que teve a sua repercussão geral reconhecida (Tema nº 622).

O Excelso Pretório reconheceu a multiparentalidade no julgamento do recurso extraordinário e fixou a seguinte tese de repercussão geral: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento de vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.

A fixação da tese possibilitou a extração das seguintes consequências: a adoção da afetividade como princípio, tendo em vista as novas concepções das relações sociais; a proibição de redução do conceito de família a um modelo preestabelecido e o próprio reconhecimento da multiparentalidade como instituto jurídico.

Indubitavelmente, a decisão do Supremo Tribunal Federal tem fundamento na nova ordem constitucional inaugurada, principalmente em razão do protagonismo fundamental atribuído à Constituição Federal que verdadeiramente alçou os direitos fundamentais a filtro do sistema jurídico, propiciando uma nova roupagem ao ordenamento jurídico brasileiro, especialmente ao direito privado.

A posição assumida pelos julgadores no RE 898.060/SC demonstra que eles encetaram uma interpretação à luz dos vetores axiológicos da dignidade da pessoa humana, da paternidade responsável e da afetividade, atribuindo ao direito de família um novo florescer, despindo-o do modelo de caráter patrimonializado das relações civis anteriormente adotado para revestir-se de novos valores advindos do princípio da dignidade da pessoa humana.

Do cerne da dignidade humana, o direito à busca da felicidade se apresenta de suma importância, pois compele o Estado a se abster de adotar qualquer medida que vise tão somente às suas finalidades, mas priorize o bem-estar e os objetivos de vida pessoal de cada indivíduo em detrimento do querer estatal. Como bem destacam Luiz Edson Fachin e Christine Peter “esses vetores devem tanto informar a hermenêutica constitucional quanto a interpretação conforme a constituição” (2022, p. 34).

Além do mais, o decisum deu enfoque à juridicidade da afetividade, escolhendo-a como coadjuvante da constituição das relações familiares e parentais. O elemento intersubjetivo do afeto assume o lugar da verdade biológica, que tinha posição quase absoluta, restabelecendo e atribuindo um novo significado à parentalidade, denominando-a de parentalidade socioafetiva, em que tem como precípuo elemento configurador a afetividade. A definição da posse de estado de filho e da parentalidade socioafetiva têm substrato na afetividade, visto que à verdade social se atribui uma consequência no mundo jurídico.

Após apresentarmos um recorte rápido da principiologia aplicada à multiparentalidade, é imprescindível frisarmos que, embora tenha sido de grande importância e relevância social, a decisão do STF não conseguiu delimitar os efeitos e os limites da multiplicidade de vínculos filiatórios. Quais são os efeitos jurídicos decorrentes do reconhecimento da multiparentalidade?

Os efeitos jurídicos, delimitados no âmbito do direito das famílias e sucessões, podem ser divididos em dois grupos: de ordem pessoal e de ordem patrimonial. São da primeira ordem os direitos e deveres relativos ao nome e ao exercício da guarda e convivência; por outro lado, são da segunda ordem os relativos à obrigação alimentar e ao direito sucessório. Analisar-se-ão, um por um, logo a seguir.

A atribuição do patronímico é direito fundamental, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana. Desta forma, aplicando o princípio da isonomia entre a parentalidade biológica e socioafetiva, não há impedimento à utilização de mais de um nome no registro de nascimento do filho afetivo.

A obrigação alimentar, por sua vez, tem regulamentação expressa no art. 1.694 do CC e tem na relação de parentesco o fato gerador para o cumprimento da obrigação. No entanto, no modelo pluriparental de filiação, alguns questionamentos a respeito do cumprimento da obrigação alimentar surgem naturalmente: com a coexistência dos vínculos filiatórios (biológico e socioafetivo), a quem se deve pedir os alimentos? O valor da prestação alimentar pode ser fracionado, atribuindo-se a cada genitor uma quota-parte?

Ao admitir o reconhecimento da multiparentalidade, a Suprema Corte brasileira consignou de forma clara que não há hierarquia entre os vínculos filiatórios. Por esta razão, não há que se pensar em preferência no momento de pleitear a prestação alimentar, tenha o vínculo a origem biológica ou socioafetiva. Aliás, ressalte-se que não há no ordenamento jurídico qualquer vedação ao acúmulo de prestações alimentares, desde que o seu pleito esteja fundamentado nos pressupostos de necessidade x possibilidade e avaliado, no caso concreto, a real necessidade do filho em receber as pensões.

A última reflexão trata sobre a possibilidade de fracionamento do pedido de prestação alimentar: cada genitor é responsável por sua quota-parte? Bem, o Código Civil permite que o alimentando opte por buscar o cumprimento da obrigação alimentar de forma fracionada ou, sendo viável, demandar apenas um coobrigado e este chamar os outros devedores para integrar a lide.

Apesar da permissão, a doutrina especializada se posiciona contrariamente a essa modalidade de cumprimento da obrigação alimentar, visto que

Embora seja possível o fracionamento da obrigação alimentar, na prática, não se recomenda a divisão das necessidades do alimentado entre várias pessoas, pois, em tese, poder-se-ia aumentar o risco de inadimplemento, em seu prejuízo. Assim, convém rememorar o caráter de fundamentalidade que envolve o direito aos alimentos. De fato, havendo possibilidade de algum dos pais arcar com a obrigação em sua integralidade, sem prejuízo ao seu próprio sustento e de sua família, com o fim de que esta não seja fracionada, podendo gerar, pela parte dos outros, inadimplemento e pela parte do alimentado, insegurança e imprevisibilidade, deverá fazê-lo.” (MATOS; SANTOS, 2019, p. 42).

Tratar sobre a guarda e o direito de convivência na multiparentalidade, igualmente, não é um estorvo. O regime de convivência a ser designado deve ser sempre o compartilhado, sendo o seu fundamento primordial o princípio do melhor interesse da criança ou adolescente.

A vertente supramencionada não é uníssona na doutrina, encontrando em Fabíola Albuquerque Lobo o posicionamento dissonante quando se trata de multiplicidade de vínculos parentais. Para a autora, “se o número de litígios biparentais abarrotam as varas de família, imagine-se a potencialização de demandas judiciais, provenientes dos vínculos pluriparentais concorrentes”, ao que conclui que “a guarda compartilhada na multiparentalidade se apresenta inadequada diante das condições fáticas e desarrazoadas que podem advir com a medida” (2021, p. 89-90).

A biparentalidade não está imune à alta litigiosidade e a inevitável ausência de diálogo entre os componentes. Destoando do posicionamento da doutrinadora, entendemos que o exercício da autoridade parental pelos pais, sejam afetivos ou biológicos, atende ao que dispõe o princípio da afetividade e o melhor interesse da criança, pois respeita a continuidade das relações da criança com ambas as filiações, porventura encontrando na disseminação do estímulo ao diálogo, se assim for necessário, a solução para sanar os empecilhos que surgem no caso concreto.

Recai, por fim, a análise dos efeitos sucessórios aplicados aos múltiplos vínculos parentais. A sucessão causa mortis, nestes casos, impulsionou um novo olhar a temática, visto que a codificação civil, instituída para um modelo biparental, precisa se adequar à situação fática da pluriparentalidade, resultando, deste modo, a busca por soluções as demandas que daí surgirem.

As seguintes hipóteses merecem especial atenção: a divisão da herança na concorrência do de cujus com ascendentes de primeiro grau (pai/mãe); a divisão do espólio quando o falecido não deixar descendentes, observando-se, neste caso, a ordem de vocação hereditária.

Imagine, neste último caso, que José faleceu e deixou uma farta herança. O falecido não tinha filhos nem cônjuge ou companheira, restando apenas três ascendentes de primeiro grau (Rosalina, João e Francisco). A codificação civil atual não previu solução legal para esta configuração, cabendo à doutrina solucionar o impasse.

De um lado, doutrinadores como Carvalho e Coelho (2017) entendem que nesta hipótese deve ser aplicado o que dispõe o §2º do art. 1.836 do Código Civil, ou seja, a partilha ocorreria em linhas: caberia 50% à linha paterna e 50% à linha materna. No exemplo citado, caberia metade para Rosalina e a outra metade para João e Francisco, cabendo 25% para cada ascendente.

Contudo, há posicionamento dissonante. Outra parte da doutrina entende que deve ser aplicada a regra disposta no art. 1.835 do Código Civil, cabendo a divisão por cabeças. Neste caso, Rosalina, João e Francisco receberiam, individualmente, um terço da herança a ser partilhada. Franco e Calderón afirmam “que hodiernamente não é mais recomendável falar-se em linhas paternas e maternas, posicionamento amplamente adotada pela maior parte da doutrina” (2021, p. 96).

Por outro lado, em se tratando da partilha do cônjuge com os ascendentes de primeiro grau, dispõe o art. 1.837 do Código Civil que ao cônjuge tocará um terço da herança, cabendo-lhe a metade deste se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.

Em filiações pluriparentais há doutrinadores, como SCHREIBER e LUSTOSA (2016, p. 862), que entendem que a herança deve ser repartida em parte iguais, cabendo ao cônjuge e aos descendentes o recebimento de partes iguais. Em sentido diverso, Karina Barbosa Franco defende que ao cônjuge ou companheiro deve ser mantida a quota diferenciada, conforme o disposto no art. 1.837 do Código Civil, posição também nos filiamos, por entendermos que com isto não caracterizaria nenhuma forma de tratamento discriminatório, mas ao contrário, o pleno cumprimento do dispositivo legal (2019, p. 269).

Caro leitor, como visto, as implicações decorrentes do reconhecimento da filiação socioafetiva se apresentam de extrema relevância científica, uma vez que a ausência de normatização legal e a complexidade da vida impõem ao operador do direito uma verificação mais apurada e cuidadosa de cada caso em concreto a ele posto para análise.

Apesar da ressalva, ao vínculo socioafetivo não se impõe nenhum traço hierárquico ou diferenciador, assegurando-se igualdade em direitos e deveres decorrentes do reconhecimento dessa forma de filiação, sejam de ordem pessoal ou patrimonial, cumprindo, portanto, o mandamento constitucional da igualdade.

 


Jardel Ribeiro Ferreira
Advogado;
Pós-graduado em
Direito das Famílias e Sucessões
(CESMAC)

 


Karina Barbosa Franco
Mestre em Direito Público (UFAL);
Advogada, Professora de Direito das Famílias e Sucessões.
Membro-Associado do Instituto Brasileiro de Direito de Famílias (IBDFAM);
Pesquisadora do CONREP/UFPE

 

 

 

 

REFERÊNCIAS
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 70027112192, Oitava Câmara Cível, Rel. Des. Claudir Fidélis Faccenda, julgado em 02.04.2009).
CALDERÓN, Ricardo. Princípio da afetividade no direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 2013.
CARVALHO, Luiz Paulo Vieira de; COELHO, Luiz Cláudio Guimarães. Multiparentalidade e herança: alguns apontamentos. Revista IBDFAM: famílias e sucessões, Belo Horizonte, n. 19, p. 11-24, jan./fev. 2017.
FACHIN, Luiz Edson; SILVA, Christine Peter da. A constituição do Direito Civil da coexistência: ideias reunidas a partir de um reflexo da jurisdição constitucional em direito de família. In: EHRHARDT JÙNIOR, Marcos (Coord.). Direito Civil: Futuros Possíveis. Belo Horizonte: Fórum, 2022.
FRANCO, Karina Barbosa. Multiparentalidade: uma análise dos limites e efeitos jurídicos práticos sob o enfoque do princípio da afetividade. Belo Horizonte: Fórum, 2021.
FRANCO, Karina Barbosa; CALDERÓN, Ricardo. Multiparentalidade e efeitos sucessórios: efeitos, possibilidades, limites. In: TEXIEIRA, Ana Carolina Brochado; NEVARES, Ana Luiza. Direito das sucessões: problemas e tendências. Indaiatuba: Editora Foco, 2022.
MATOS, Ana Carla Harmatiuk; SANTOS, Gabriel Percegona. Efetividade dos alimentos na multiparentalidade. Revista IBDFAM, Belo Horizonte, IBDFAM, v. 32, mar./abr. 2019.
LOBO, Fabíola Albuquerque. Multiparentalidade: efeitos no direito de família. Indaiatuba, São Paulo: Foco, 2021.
SCHREIBER, Anderson; LUSTOSA, Paulo Franco. Efeitos jurídicos da multiparentalidade. Pensar Revista de Ciência Jurídicas, Fortaleza, v. 21, n. 3, p. 847-873, set./dez. 2016.

Organizado pela FÓRUM, maior evento de Controle do mundo acontece no RJ | Agende-se

O Fórum Internacional de Auditoria Governamental acontece no Rio de Janeiro-RJ, de 8 a 10 de novembro de 2022, integrado ao XXIV Congresso Internacional das Instituições Superiores de Controle (Incosai).

O evento, destinado a profissionais e técnicos da área de controle, ocorrerá no Museu do Amanhã, com organização da FÓRUM Conhecimento Jurídico – editora Líder do Direito Público no Brasil – apoio institucional do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Prefeitura do Rio de Janeiro, e patrocínio da Confederação Nacional da Indústria – CNI, do Banco do Brasil e da Petrobrás.

A ocasião é uma oportunidade única para que representantes dos estados, municípios e gestores dos principais órgãos de controle do Brasil tenham acesso aos debates das autoridades participantes da International Organization of Supreme Audit Institutions (Intosai), além de outros grandes nomes, que vão tratar do resultado e impacto do trabalho realizado por essas entidades.

Para garantir a melhor experiência para todos os presentes, haverá tradução simultânea em português, inglês e espanhol durante todo o evento e, ainda, um intérprete e tradutor de Libras.

Estão confirmados, entre os palestrantes, especialistas no tema, como o vice-presidente e corregedor do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Bruno Dantas e o também ministro do TCU, Antonio Anastasia. A construção científica do evento contou com a participação de autoridades internacionais, como: Harib Al Amimi (Presidente do State Audit Institution dos Emirados Árabes Unidos), Hussam Al-Angari (Presidente da General Court of Audit da Arábia Saudita), Margit Kraker (Presidente do Tribunal de Contas da Áustria), José F. F. Tavares (Presidente do Tribunal de Contas de Portugal), Aleksei Kudrin (Atual Presidente da INTOSAI-Rússia), Gene L. Dodaro (Presidente do Government Accountability Office-USA), Hesham Badawi (Presidente do Working Group on the Fight Against Corruption and Money-Egito), Camilo Benítez (Controlador Geral da República do Paraguai), etc.

Temas centrais

Através de uma capacitação sólida e atualizada com o que há de mais moderno no mundo, o objetivo do evento é promover uma compreensão global do cenário do controle, no qual os participantes terão acesso exclusivo a debates, estratégias, padrões internacionais e mundialmente aceitos de auditoria, garantindo respaldo técnico para sustentar a qualidade de cada um dos julgamentos realizados pelos auditores a serem observados na fiscalização das finanças públicas em qualquer local do mundo.

7 temas centrais irão nortear o evento:

1 – Como as Instituições Superiores de Controle (ISCs) podem contribuir para o alcance dos objetivos de desenvolvimento sustentável 1 e 2: erradicação da pobreza e eliminação da fome no mundo?;

2 – Como as ISCs podem contribuir para o alcance do objetivo de desenvolvimento sustentável 5: igualdade de gênero?;

3 – O papel das ISCs quanto à responsabilidade fiscal e o endividamento público;

4 – O papel das ISCs no desenvolvimento da infraestrutura e ambiente de negócios;

5 – Independência das ISCs e a Participação Cidadã no Controle Externo;

6 – Transformação digital: Governos e Instituições Superiores de Controle;

7 – O trabalho das ISCs na prevenção à fraude e à corrupção.

A programação completa está disponível no site e contempla 24 horas de evento, palestras, mesas redondas compostas por moderador e especialistas para abordar o assunto sob diferentes perspectivas, incluindo, também, debates com possibilidade de interação ativa do público.

Além de assistirem a mais de 40 palestrantes, os participantes receberão Certificado Digital chancelado pela FÓRUM e kit exclusivo do evento.

>> Confira todas as informações

Museu do Amanhã

O Fórum Internacional de Auditoria Governamental acontece no ano em que se celebra o bicentenário da independência do Brasil e no qual a FÓRUM completa 30 décadas de história em prol do Direito Público e latente o sentimento pela transformação do país através do conhecimento.

O evento acontece no Museu do Amanhã, espaço pautado pela sustentabilidade e convivência, que promove a inovação e publica sinais vitais do futuro do planeta. Assinada pelo arquiteto espanhol Santiago Calatrava, a construção foi inspirada nas bromélias do Jardim Botânico da cidade e faz parte do projeto de revitalização do centro do Rio de Janeiro e se destaca pela arquitetura moderna e sustentável. 

Pelo fato de ser um museu que tem como essência a ampliação do conhecimento para transformar para melhor o modo de pensar e agir, o local não poderia estar mais alinhado com o propósito da FÓRUM e com os temas que serão tratados na ocasião.

O acesso à região é facilitado: pode-se chegar por ônibus, metrô, trem, barca, bicicleta e VLT. Os debates do fórum acontecerão no auditório do Museu do Amanhã, que oferece segurança e estrutura completa para garantir a qualidade do evento.

Inscrições

O evento ocorrerá de forma 100% presencial e as vagas são limitadas.
Para inscrições e mais informações, acesse o site https://eventos.editoraforum.com.br/forum-internacional-de-auditoria-governamental/ ou entre em contato com evento@editoraforum.com.br.

Serviço:

Fórum Internacional de Auditoria Governamental – Edição Museu do Amanhã

Data: 8 a 10 de novembro de 2022

Local: Museu do Amanhã (Praça Mauá, 1 – Centro, Rio de Janeiro – RJ, 20081-240)

Organização: FÓRUM Conhecimento Jurídico

Apoio institucional: Tribunal de Contas da União (TCU)

Patrocínio: Confederação Nacional da Indústria (CNI), Banco do Brasil e Petrobras.

Inscrições e mais informações: https://eventos.editoraforum.com.br/forum-internacional-de-auditoria-governamental

 

O caráter contratual da prestação dos serviços públicos de saneamento básico e o dever de contribuição do cidadão para a sua adequada execução | Coluna Saneamento: Novo Marco Legal

Um dos maiores objetivos do novo marco legal do saneamento básico (Lei federal nº 14.026/2020, que alterou o diploma legal original – Lei federal nº 11.445/2007) é a universalização dos serviços públicos de saneamento, com a adequada execução, de modo integral, franqueado o mais amplo acesso e obedecendo padrões de eficiência e metas de expansão definidas normativamente. Segundo o novo marco, as metas de universalização deverão ser definidas contratualmente e até o final de 2033, 99% da população deverá ser atendida com o serviço de água potável e 90% deverá ter acesso à coleta e tratamento do esgotamento sanitário. É fato notório que a adequada prestação dos serviços de saneamento básico à população tem impactos positivos relevantes na saúde coletiva, além de ensejar outras externalidades positivas que excedem o fornecimento de água e o esgotamento sanitário propriamente ditos, daí a urgência na ampliação do acesso aos serviços.

Para cumprir esse nobre fim, o legislador reconheceu a importância da participação de entes privados não estatais na qualidade de prestadores, disciplinando expressamente sobre a concessão dos serviços públicos, vedando a prorrogação dos contratos de programa vigentes entre companhias estatais de saneamento básico e municípios (legítimos titulares dos serviços), criando assim um ambiente de competitividade.

O novo marco legal do saneamento evidenciou o caráter contratual da prestação dos serviços públicos de saneamento básico, definindo a concessão como forma adequada de prestação, mediante prévia licitação. Instrumentos precários e a contratação direta são vedados pela norma. A norma privilegia a concorrência entre os prestadores bem como a participação privada na prestação dos serviços.

Nesse cenário, resta evidenciada a necessidade de uma atuação conjugada e harmônica de todos os atores partícipes da execução do serviço público de saneamento básico, o qual abrange o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, a coleta de resíduos sólidos e limpeza urbana e a drenagem de águas pluviais.

A execução dos serviços públicos de saneamento básico tem como pressuposto a conformação de uma relação tripartite, envolvendo o titular do serviço público, o sujeito responsável pela sua prestação (“prestador”) e os usuários. Cada um desses sujeitos é detentor tanto de direitos quanto de deveres no que toca a adequada execução dos serviços – direitos e deveres esses que decorrem expressamente da lei, de normas regulamentares ou do contrato de concessão. Permeando essa relação tripartite, tem-se ainda um quarto ator: a agência reguladora dos serviços públicos de saneamento básico, a ser eleita pelo titular dos serviços, a qual é responsável por aferir o cumprimento dos deveres de todos os sujeitos partes dessa relação, além de estabelecer padrões e normas à adequada prestação e expansão dos serviços. É somente a partir da atuação conjugada e harmônica desses atores que se viabiliza a prestação dos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitários, coleta de resíduos sólidos urbanos, limpeza urbana e drenagem na forma propugnada pela legislação e que será possível atingir a almejada universalização.

A atuação desses diversos atores é organizada as partir de um plexo de relações contratuais, com destaque para aquela estabelecida entre o titular dos serviços públicos (município ou ente regional latu sensu) e o prestador (concessionária do serviço público de saneamento – seja ela uma empresa privada ou pública), entre prestador e usuário e entre titular e usuário. O caráter contratual dessas relações subsiste mesmo que na ausência de um contrato formal firmado entre as partes – como, por exemplo, nas relações estabelecidas entre usuário do serviço público de saneamento e os demais sujeitos. E tal qual em toda a relação contratual, as partes são detentoras de direitos e de obrigações recíprocos.

Se por um lado são muito claros os deveres que emergem das relações de que são detentores os titulares e prestadores do serviço de saneamento em relação aos usuários – como a prestação de um serviço adequado, acessibilidade, integralidade e modicidade tarifária – por outro, não se pode olvidar que os últimos são não apenas detentores de direitos no que toca o serviço, mas também de deveres. Sedimentada essa compreensão, tem-se que a adequada prestação dos serviços públicos de saneamento básico, sua expansão e cumprimento das metas de universalização postas legalmente só dar-se-ão se todos os atores envolvidos cumprirem as suas obrigações diligentemente, na forma da norma e dos dispositivos contratuais expressos.

Posto isso, destaca-se aqui o dever dos usuários ao uso racional da água, à adequada deposição de resíduos, ligação à rede de abastecimento e de esgotamento sanitário e ao pagamento das tarifas.

A ideia contida na relação contratual acima descrita, de obrigações mútuas ou recíprocas, é reforçada pela Lei Federal nº 11.445/2007 com as alterações advindas da Lei federal nº 14.026/2020, quando, em seu artigo 45, afirma que “as edificações permanentes urbanas serão conectadas às redes públicas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário disponíveis e sujeitas ao pagamento de taxas, tarifas e outros preços públicos decorrentes da disponibilização e da manutenção da infraestrutura e do uso desses serviços”. Do dispositivo dessume-se não existir a faculdade do cidadão de realizar a conexão à rede disponibilizada pelo prestador para que ocorra a prestação do serviço público de saneamento, mas sim um dever – dever esse decorrente diretamente da disponibilização da infraestrutura de saneamento. Nesse mesmo sentido, os parágrafos do artigo, cartesiana e expressamente, afirmam que, ainda que o cidadão não tenha realizado a sua conexão, é assegurada a cobrança de um “valor mínimo de utilização dos serviços”. Soluções individuais, mediante a instalação de sistema individual alternativo de saneamento, são admitidos unicamente quando a região não for atendida diretamente pela rede pública. Posto isso, resta claro que a lei cristaliza o dever de contribuição do usuário com a sociedade, sobrepondo a coletividade ao indivíduo. Sob essa ótica, dada a necessária e impositiva atuação do usuário, é possível afirmar que é também obrigação de cada cidadão contribuir para a universalização do saneamento básico – não se trata de dever atribuído unicamente ao Estado ou ao prestador direto.

Paralelamente, a ligação (ou não ligação) dos usuários à rede de abastecimento e de esgotamento sanitário excede questões puramente contratuais relacionadas diretamente à execução do serviço propriamente dita: fator que, mesmo quando exógeno ao contrato em sentido estrito, é intrinsecamente relacionado ao saneamento básico e o meio ambiente. O marco legal do saneamento básico dá ênfase à necessidade de preservação ambiental concomitantemente à execução dos serviços em diversos momentos. Não obstante, a preocupação ambiental é uma tônica cada vez mais relevante nas mais variadas atividades empresariais, sendo atribuídas aos prestadores dos serviços públicos de saneamento diversas obrigações nesse sentido. O cidadão que se nega a utilizar esses serviços está a colocar em risco o meio ambiente equilibrado, uma vez que, ao utilizar sistemas individuais de esgotamento sanitário, pode vir a contribuir para a contaminação de lençóis freáticos e, consequentemente, pôr em risco a saúde pública, além de, eventualmente, onerar ainda mais o tratamento de afluentes de água.

Outro ponto que merece atenção diz respeito ao custeio dos serviços públicos de saneamento básico. É fato notório que se tratam de serviços de elevados custos, – em especial os serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário – custos esses a serem arcados, invariavelmente, pelo prestador, ante o necessário cumprimento de suas obrigações face o Poder Concedente. Ao ser firmado o instrumento entre o titular do serviço público e o concessionário, são estabelecidos os investimentos a serem realizados, identificada a área e população a ser atendida, definidas metas e de expansão de atendimento e respectivos prazos, dentre outros fatores que refletirão diretamente no custo do serviço e, consequentemente, na tarifa a ser cobrada dos usuários. Esta, por sua vez, é calculada considerando que, regra geral, os usuários cumprirão com o seu dever de pagamento, assegurando a sustentabilidade do contrato de concessão.

Somente mediante o adimplemento dos usuários de sua obrigação de pagamento pela fruição/disponibilização dos serviços públicos de saneamento básico que o contrato de concessão poderá ser adequadamente cumprido, bem como os deveres decorrentes da legislação regulamentar, sem que o concessionário incorra em prejuízos. Nesse sentido dispõe o marco legal do saneamento básico, ao afirmar em seu artigo 29, caput, que os serviços “terão a sustentabilidade econômico-financeira assegurada por meio de remuneração pela cobrança” e que as tarifas, taxas e preços públicos deverão contemplar a “recuperação dos custos incorridos na prestação do serviço, em regime de eficiência; recuperação do capital investido pelos prestadores dos serviços; geração dos recursos necessários para a realização dos investimentos objetivando o cumprimento das metas e objetivos do serviço” (art. 29, §1º).

Não se pode olvidar que, tal qual em todo o contrato administrativo, os contratos de concessão dos serviços públicos de saneamento básico têm como uma de suas bases estruturais a preservação do equilíbrio econômico-financeiro estabelecido na ocasião da formalização do instrumento contratual, compreendido como a relação entre encargos do contrato e a sua justa remuneração, que deve se manter constante durante todo o período de execução contratual. Havendo uma alteração relevante nessa relação de equilíbrio, que torne demasiado oneroso o cumprimento do contrato pelo particular, as cláusulas financeiras deverão ser revistas, retornando-se à conformação original.

Logo, o inadimplemento contumaz dos usuários coloca em risco o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e, possivelmente, a realização de investimentos e cumprimentos de metas de expansão pelo concessionário. Ainda, pode implicar no aumento do valor das tarifas cobradas dos usuários pagantes como mecanismo para reequilibrar o contrato.

Do exposto, dessume-se que tal qual é dever do prestador ou do titular do serviço público a disponibilização de rede de abastecimento de água e esgotamento sanitário, é obrigação do usuário tanto a ligação à rede, quanto o adimplemento de suas obrigações de pagamento perante o prestador do serviço. Além disso, este deve contribuir com o uso racional e eficiente da água, compreendida como recurso natural escasso, colaborando para o estabelecimento de tarifas mais módicas. Somente assim é que poderão ser atingidos os objetivos e metas postos no novo marco legal do saneamento, com destaque para a universalização, efetiva prestação do serviço e integralidade, associados à preservação ambiental.

Para assegurar o adimplemento adequado das obrigações dos diversos sujeitos associados à execução dos serviços de saneamento básico, bem como o cumprimento dos objetivos e metas postos na lei, tem papel relevante a agência reguladora designada, a ser eleita pelo titular do serviço público. Em consonância ao que já fora consignado, dentre os objetivos da regulação postos na lei, tem-se o estabelecimento de tarifas capazes de assegurar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos bem como a modicidade tarifária, concomitantemente à garantia do serviço adequado à população.

Nesse sentido, o regulador deverá contemplar e equilibrar os direitos e interesses tanto dos prestadores dos serviços quanto dos usuários, além de assegurar a consecução dos objetivos e metas previstos em lei e nos planos municipais ou de prestação regionalizada. A fiscalização é dever da agência reguladora e a ela caberá a imposição de sanções ao prestador em caso de inadimplemento de suas obrigações. Contudo, não poderá o ente regulador exigir dos concessionários o cumprimento de supostos deveres não decorrentes da legislação ou do contrato de concessão específico. As normas pelo regulador local a serem editadas deverão estar em consonância à lei geral de saneamento e às diretrizes postas pela Agência Nacional de Águas.

Resta claro que a adequada execução dos serviços públicos de saneamento básico demanda uma atuação concertada dos diversos atores partícipes: titular ou poder concedente, prestador ou concessionário, usuários e ente regulador. Somente a partir da relação harmônica e do cumprimento dos deveres e obrigações por todas as partes é que poderão ser atingidos os objetivos e metas postos pelo novo marco legal saneamento, em especial a universalização, com o atendimento de todos os municípios brasileiros, a integralidade, continuidade, sustentabilidade econômica e preservação do meio ambiente.

 

Ana Carolina Hohmann
Advogada, Doutora e Mestre em Direito do Estado
Assiria M. L. Masetti
Advogada Especialista em Direito Processual Civil

Aprofunde-se no tema

Para manter sua atualização sobre as novidades dos marcos regulatórios recomendamos que conheça nossas revistas. Sobre o novo marco legal do Saneamento, existem artigos de renomados professores da área como, Rafael Véras de Freitas, Andréa C. de Vasconcelos, Egon Bockmann Moreira, Heloísa Conrado Caggiano e Gabriel Jamur Gomes, na Revista de Direito Público e Economia – RDPE, além de jurisprudências na FÓRUM de Direito Urbano e Ambiental – FDUA e na Revista Brasileira de Direito Municipal – RBDM.