Só na Plataforma FÓRUM®: novidades exclusivas e atualizadas sobre o Direito todo mês

Todos os meses, a Plataforma FÓRUM de Conhecimento Jurídico® recebe dezenas de publicações exclusivas e atualizadas que, antes mesmo de serem lançadas no formato impresso, são disponibilizadas por lá com os mais diversos temas e assuntos urgentes do Direito.

Assim como em outras áreas, a revolução das ciências jurídicas está na adoção de tecnologias de ponta, inteligentes, inovadoras e eficazes que facilitem a tomada de decisão. Este é um mundo cada vez mais imediato que anseia pela excelência dos processos administrativos em qualquer instância.

A biblioteca digital da FÓRUM® nasceu e assumiu a missão de descomplicar o acesso a inúmeros conteúdos, com recursos que proporcionam produtividade nas instituições. A plataforma reúne um rico acervo, seguro, acurado e certificado para consultas simplificadas sobre os diversos temas pertinentes à Administração Pública.

De livros, passando por revistas, vídeos e informativos, os conteúdos envolvem as várias áreas do campo jurídico, sob a perspectiva de renomados autores e palestrantes, conectados com os desafios da realidade.

Novas Publicações

Abaixo, veja o que foi publicado no último mês na Plataforma FÓRUM de Conhecimento Jurídico®, e como esses conteúdos resultam em um produto que entrega praticidade e celeridade no acesso ao conhecimento jurídico, por meio de produções altamente relevantes e atualizadas.

Fórum Livros® e Revistas®

As implicações da LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro já estão na edição nº 257 da Revista Fórum Administrativo. E, ainda, artigos com as tendências jurídicas de outros países.

Com temas do Direito Administrativo, Constitucional, Processual Civil, Tributário e Municipal, a Revista Interesse Público nº 133 aborda temas relacionados à Constituição e sustentabilidade, além da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, no pregão eletrônico.

LEIA MAIS

Plataforma FÓRUM®: a revolução do conhecimento jurídico descomplicado

Como estudar as especificidades da Lei nº 14.133 pela Plataforma FÓRUM®

7 renomados doutrinadores do Direito Administrativo que você encontra na Plataforma FÓRUM®

Bens Públicos de André Luiz dos Santos apresenta uma teoria geral sobre o tema da obra, com análises da disciplina jurídica de alienação e das outorgas de uso privativo desses instrumentos. O livro foi mais um dos conteúdos que chegaram na Plataforma® em julho.

Auxiliar a atuação dos Tribunais de Contas do Brasil é um dos assuntos fundamentais para a Editora FÓRUM. Com esse propósito, a obra Tribunal de Contas e combate à corrupção, apresenta instrumentos para que esses órgãos se firmem como personagens do enredo direcionado ao combate às práticas corruptivas.

Como as nações prosperam apresenta as ações mais poderosas e bem-sucedidas contra corrupção em nível global, como o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), o Whistleblowing, as estratégias recomendadas nas convenções internacionais e as adotadas pelo FMI e Banco Mundial. Disponível na Plataforma®, o livro também apresenta três mudanças-chave que revolucionariam o sistema criminal brasileiro, como a inversão do ônus da prova nos crimes de corrupção no setor público, já implementadas por países que são modelo no combate à corrupção e desenvolvimento econômico.

Fórum Vídeos®

A Plataforma FÓRUM de Conhecimento Jurídico® também condensa vídeos com explanação e palestras do time de autores da editora. Conteúdo diversificado com temas múltiplos e didáticos. Em julho, o autor André Kuhn, falou sobre “Contratos de obras públicas: uma visão gerencial” e a autora Luna van Brussel Barroso, por sua vez, discorreu sobre a “Liberdade de expressão na era digital”.

Diretamente dos eventos realizados pela editora, as palestras de renomados especialistas são disponibilizadas em excelente qualidade de áudio e vídeo. São temas relevantes sob o ponto de vista de quem lida, diretamente, com as principais questões do Direito brasileiro. 

Neste quadro, é possível ver a palestra do Ministro do Tribunal de Contas da União – TCU, Bruno Dantas, que faz uma análise da transformação do controle externo a cargo do TCU, a partir do paradigma constitucional de 1988.

Além do Ministro do Supremo Tribunal Federal – STF, Luiz Fux, falando sobre “Os Tribunais de Contas e o STF: eficiência, controle e accountability, relacionando o assunto com o combate à corrupção.

Estas, no entanto, são apenas algumas das publicações que chegaram na Plataforma® recentemente. Quer saber quais foram todos os novos conteúdos disponíveis em julho? Acesse este link e baixe o material

Saiba mais sobre a Plataforma FÓRUM de Conhecimento Jurídico® e solicite uma proposta para contratar.

Conheça a Plataforma FÓRUM de Conhecimento Jurídico® e tenha acesso a um novo jeito de construir suas decisões, pareceres, manifestações, petições e notas técnicas.

Evento Internacional de Controle realizado pelo TCE-AM deixa reflexões para órgãos e profissionais do Direito

O Fórum Internacional de Controle realizado pelo Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM), em parceria com a Editora FÓRUM, deixou inúmeras reflexões para os profissionais do Direito ligados, direta ou indiretamente, às repercussões envolvendo as contratações públicas no Brasil.

O evento aconteceu na sede do tribunal em Manaus, entre os dias 18 e 19 de agosto, e contou com a presença de inúmeras autoridades e especialistas em licitações e controle, fomentando o tema das contratações públicas e seus novos paradigmas.

No primeiro dia, o professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Pedro Gonçalves, trouxe a experiência da União Europeia no que concerne à proteção do meio ambiente e as compras públicas. Ele refletiu sobre como o Estado, que tende a realizar compras diversas e robustas, tem o poder de regular o mercado segundo suas necessidades. Esse é o argumento central usado pelo especialista ao alertar para o que já é uma tendência nos governos da Europa: “é possível proteger o meio ambiente por meio das contratações públicas”.

Segundo ele, embora muito ainda precise ser feito, para o futuro, em uma possível revisão da legislação europeia, a proteção dos recursos naturais será condição primeira das licitações. Podendo assim, participar dos processos de contratação, apenas entidades licitantes que tenham essa premissa como base.

Prof. catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Pedro Gonçalves. Foto: Thiago Fernandes.

Na segunda parte da manhã, o professor Rafael Véras, mestre em Direito da Regulação pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), falou sobre os controles públicos e a LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. 

A programação também contou com a palestra de Felipe Gussoli, doutorando em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, especialista em Direito Administrativo com o tema “Controle de Convencionalidade pelos Tribunais de Contas”, prevenindo para a adoção de programas de compliance nas contratações.

Em seguida, Juan Carlos Covilla, professor da Universidad Externado de Colombia, falou sobre “El Control en Los Contratos Públicos a través de dispute boards”. Anderson Pedra, Procurador do Estado do Espírito Santo-ES, por sua vez, tratou dos “novos institutos: o papel do controle como curador da Nova Lei de Licitações”.

Da esquerda para a direita, o prof. Rafael Sérgio de Oliveira, o prof. Anderson Pedra, o presidente da FÓRUM, Sr. Luís Cláudio, o presidente do TCE-AM, cons. Érico Desterro, o cons. do TCE-AM, Mario Manoel Coelho de Mello, o prof. Felipe Gussoli e o prof. Juan Carlos Covilla. Foto: Thiago Fernandes.

Novos fiéis para o Controle

O segundo dia contou com a palestra do professor Rafael Sérgio de Oliveira, procurador federal da Advocacia Geral da União – AGU com o tema “O papel do Controle em face da assimetria informacional na Nova Lei de Licitações”. O especialista destacou o valor que tem a gestão pública para a civilidade e cidadania, exaltando que este papel não é só das instituições, mas da sociedade. Já o assunto sobre tecnologia blockchain nas contratações públicas foi tratado pela professora Mirela Miró Ziliotto, mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUCPR.

Christianne de Carvalho Stroppa, assessora de Controle Externo no Tribunal de Contas do Município de São Paulo, especialista em licitações, falou sobre a contratação de soluções inovadoras pela Administração Pública e a gestão de facilities.

Da esquerda para a direita, prof. Anderson Pedra, presidente da FÓRUM, Sr. Luís Cláudio, presidente do TCE-AM, cons. Érico Desterro, profa. Christianne Stroppa, o cons. do TCE-AM, Mario Manoel Coelho de Mello, o prof. Rafael Sérgio de Oliveira e a profa. Mirela Miró. Foto: Thiago Fernandes.

O ministro do Tribunal de Contas da União – TCU, Bruno Dantas, também foi um dos palestrantes. Ele iniciou destacando o compromisso da Editora FÓRUM com a propagação do conhecimento jurídico de qualidade.

“Felizmente temos no Brasil uma editora do porte da FÓRUM para divulgar com muita solidez e consistência toda a produção cultural vasta que temos e quase toda ela se concentra na Editora FÓRUM.”

Na sequência, o ministro disse ter sido desafiado a falar de um tema que é caro à comunidade do Controle, em um momento transitório importante, pois o Brasil se prepara para receber a INCOSAI, que é uma Organização Internacional Consultiva da ONU para assuntos de Controle, congregando 196 países.

Na ocasião, ele afirmou o rigor com o qual o TCU fiscaliza as contas de seus governos e comentou que a aderência aos padrões internacionais de auditoria dá respaldo técnico ao país para sustentar a qualidade dos julgamentos.

Ao fazer uma análise crítica da transformação do Controle Externo a cargo do TCU (o paradigma constitucional de 1988), tema da sua explanação, o ministro destacou que houve uma mudança importante de perfil que antes era meramente cartorial (atos de admissão e aposentadoria de servidor, controle de ato de pessoal hoje é feito no computador no TCU, coisas do século XIX).

“Hoje no TCU temos feito algo que é modelo para a UNESCO que é uma auditoria contínua na folha de pagamento. Sistemas do TCU são alimentados automaticamente quando as folhas de pagamento são lançadas e se houver algum valor diferente o auditor é avisado”.

Dessa forma, destacou o papel do controlador.

“O ser humano jamais será dispensado. Quanto mais tecnologia nós tivermos, mais precisaremos de seres humanos capacitados para gerir as ferramentas de tecnologia.”

E finalizou conclamando “novos fiéis para o Controle”:

“Acreditem nesta religião que é o Controle. Nós precisamos conquistar mais fiéis para esta nossa religião porque é disso que o nosso povo precisa para que os recursos tão parcos do nosso orçamento sejam dirigidos para políticas públicas eficientes”.

Ministro do TCU, Bruno Dantas. Foto: Thiago Fernandes.

O encerramento do Fórum foi realizado pelo ministro Ricardo Lewandowski do Supremo Tribunal Federal, com a palestra “Federalismo e os Tribunais de Contas no Brasil”. Ele reforçou o papel fiscalizador dos Tribunais de Contas e destacou a importância das eleições democráticas para o país.

“Nós inauguramos uma democracia muito sólida a partir de 1988. Nós tivemos várias crises econômicas e políticas, tivemos desassossegos de distintas naturezas, mas as instituições sempre permaneceram. A Justiça Eleitoral, capitaneando essas eleições com muita firmeza, e as urnas eletrônicas são algo extraordinário, uma conquista e até motivo de inveja para outros países”.

Ministro do STF, Ricardo Lewandowski. Foto: Thiago Fernandes.

Confira as fotos e todos os registros do evento neste link.

O mito da independência de esferas na responsabilidade médica: o impacto da decisão ética na responsabilidade civil e criminal

Coluna Direito Civil

Tema originalmente abordado na palestra do evento “Temas Contemporâneos em responsabilidade Civil Médica”, organizado pela Comissão de Responsabilidade Civil da OAB/PR e o Grupo de Pesquisas Miguel Kfouri Neto.

 

Desde o início da formação jurídica, o futuro jurista é apresentado à teoria da independência de esferas de responsabilidade, com o consequente entendimento de que um mesmo ato pode ser analisado sob múltiplas perspectivas e que tais perspectivas não são, necessariamente, dialógicas.

A referida teoria aponta que um mesmo ato pode repercutir na esfera criminal, administrativo-trabalhista, ética e cível. Sob tal perspectiva, decisões condenatórias ou absolutórias de uma esfera não tem o condão de impactar negativa/positivamente nas demais esferas.

O Código Civil dispõe que:

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

 

Há, no ordenamento jurídico brasileiro, uma exceção à teoria da independência das esferas de responsabilidade, conforme previsão no Código de Processo Penal :

Art. 65.  Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

 

Verifica-se que, o próprio ordenamento já estabelece, de forma apriorística, que a separação das esferas é relativa, na medida em que o juízo cível tem o dever de considerar as decisões criminais que reconheçam o estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito, além de decisões que já tenham decidido sobre a autoria e/ou existência do fato.

Considerando que o presente artigo centra-se na judicialização da Medicina, é importante analisar a disposição sobre o tema no Código de Processo Ético Profissional editado pelo CFM:

Art. 7º O processo e julgamento das infrações às disposições previstas no Código de Ética Médica (CEM) são independentes, não estando em regra, vinculado ao processo e julgamento da questão criminal ou cível sobre os mesmos fatos.

§ 1º A responsabilidade ético-profissional é independente das esferas cível e criminal.

§ 2º A sentença penal absolutória somente influirá na apuração da infração ética quando tiver por fundamento o art. 386, incisos I (estar provada a inexistência do fato) e IV (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal) do Decreto-Lei nº 3.689/1941 (CPP).

 

Ou seja, no âmbito ético da Medicina, as decisões criminais, a priori, só influenciam no debate ético se apontarem para a inexistência do fato ou reconhecerem que o réu não colaborou para a prática criminosa.

Nos tempos modernos, há uma evolução das relações médico-paciente para um ambiente de excessiva litigiosidade, com repercussões nas múltiplas esferas de responsabilidade. De acordo com dados do CNJ, quase 35 mil novos processos com o tema “erro médico” foram propostos no ano de 2021.

Advogados que atuam na área do Direito Médico percebem que, há alguns anos, uma nova estratégia tem sido usada por alguns litigantes: a propositura, paralela, de ações judiciais cíveis sobre erro médico, representações/denúncias e notícias crimes perante o Ministério Público / Polícia Civil e de denúncias no âmbito ético do CRM/CFM.

A estratégia de litigar na esfera ética pode ser encarada como um mecanismo de produção de provas que auxiliarão na construção de uma possível condenação cível/criminal. E, neste contexto, estar-se-ia diante de uma reanálise da estrutura da responsabilidade civil, na medida em que a tradicional visão de separação e independência de esferas é remodelada para uma zona de influência e convergência de interesses processuais.

Cada um dos ramos jurídicos é tradicionalmente tido como uma caixa isolada e hermeticamente fechada que não dialoga com as demais. Um civilista, a rigor, ficaria restrito à manifestação na esfera jurídico-civil, ao passo que um criminalista atuaria exclusivamente na esfera criminal, o que poderia ser representado da seguinte forma:

Visão Tradicional do Fenômeno Jurídico

Fonte: autoria própria[1]

No passado, a esfera ética era negligenciada, inclusive sem a participação de defesa técnica de um advogado. Acontece que a forma de tratamento jurídico atual é distinta. Um médico denunciado passa a responder por múltiplas esferas de responsabilidade e tem que se preocupar com todas as esferas, na medida em que uma condenação/absolvição em uma área certamente afetará as demais.

Enquanto advogado atuante exclusivamente na defesa médica, tenho verificado que, não raras as oportunidades, os denunciantes no âmbito do CRM/CFM são a Polícia Civil, Ministério Público e os próprios interessados. E que, quando um profissional médico negligencia sua defesa na esfera ética, ele está, consequentemente, negligenciando sua defesa nas demais esferas.

Desta forma, a atual relação da responsabilidade civil não pode ser encarada da forma tradicional, sendo necessário o redesenho das responsabilidades:

Comunicação entre os Ramos do Direito

Fonte: autoria própria[2]

A partir de uma leitura da imagem acima, é possível afirmar que as partes estão no centro do sistema, mas sujeitas as zonas de influência de um processo no outro. A existência de microssistemas ou ramos distintos não pode ser interpretada como falta de unidade, mas como uma multiplicidade de responsabilidade dialógica.[3]

O caminho atual tem sido inverso. Ao invés de se aguardar a decisão criminal para posterior responsabilização ética ou cível, visto que aquela pode fazer coisa julgada em relação às demais, o Poder Judiciário, Polícia Civil e Ministério Público têm utilizado as decisões do Conselhos Regionais de Medicina como forma de subsidiar as suas próprias decisões, descontruindo, assim, a visão tradicional do fenômeno de responsabilidade.

A suposta natureza técnica e célere do processo ético profissional em relação ao processo judicial favorece a provocação do CRM/CFM em busca de uma fonte decisória e subsídio para a formação do livre convencimento motivado. Desta forma, algumas decisões judiciais apontam para as manifestações éticas como meio de colaborar com o julgamento do mérito no âmbito cível ou criminal.

A título exemplificativo, decidiram TJSP, TJPB e TJPR, respectivamente:

Imperícia é a falta de aptidão para o exercício da profissão, mas o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, órgão encarregado da fiscalização do exercício da medicina no Estado, avaliou a conduta do réu e nada apontou com relação à suposta inaptidão dele para o exercício da profissão, não cabendo a nós, leigos, concluir o contrário. (TJSP – Apelação 0000826-52.2012.8.26.0213. Relator: Francisco Orlando de Souza, Data de Julgamento: 13 de dezembro de 2021. 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo).

Havendo relação de consumo a responsabilidade do médico é subjetiva, conforme o § 4º, do art. 14 do CDC, devendo haver demonstração da culpa do profissional liberal no evento danoso, como no presente caso, demonstrado através das provas dos autos e sindicância do CRM e CFM

(…)

Agindo assim, me convenço que a médica agiu com imperícia no caso, pois se tivesse atendido a paciente adequadamente a primeira vez poderia ter evitado o infarto que ocorreu horas depois.

Esse também é o entendimento técnico exposto nos autos, onde restou atestado tanto pelo Conselho Regional de Medicina como pelo Conselho Federal de Medicina, uma instância superior, que a médica agiu com imperícia. (TJ-PB 00007905920058150181 PB, Relator: DES. MARCOS CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, Data de Julgamento: 12/11/2019, 3ª Câmara Especializada Cível)

Por fim, corroborando a inexistência de responsabilidade, o Conselho Regional de Medicina  entendeu pelo arquivamento da sindicância instaurada para apuração dos fatos, concluindo que não há indícios de infração ética e que o médico réu apelante “agiu com dedicação, com perícia, prudência e diligência, prestou os atendimentos de pós-op., inclusive, realizou o procedimento complementar, ou seja, um dos meios disponíveis e recomendados que o caso. (TJPR, AC 0007821-36.2018.8.16.0056, Relator: Clayton De Albuquerque Maranhão, Data de Julgamento: 14 de outubro de 2021)

 

Logo, o cenário contemporâneo da responsabilidade não pode ser encarado de forma isolada das demais manifestações ético-jurídicas. Processos, independentemente da natureza, têm a capacidade de influenciar e subsidiar condenações, notadamente aqueles juízos emitidos por órgãos técnicos-éticos. Cabe aos denunciantes/autores e denunciados/réus se atentarem para as repercussões de cada um dos processos, de modo que a atuação deve ser estratégica e coordenada entre as múltiplas esferas do Direito com o objetivo de favorecer uma visão macro de responsabilização.

 

Igor de Lucena Mascarenhas Advogado e professor universitário nos cursos de Direito e Medicina (UFPB / UNIFIP). Doutorando em Direito pela Universidade Federal da Bahia e Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Sócio do Dadalto & Mascarenhas Sociedade de Advogados.

 

[1] MASCARENHAS, Igor de Lucena. Eutanásia e seguro de vida: análise do direito à percepção da indenização. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 82

[2] MASCARENHAS, Igor de Lucena. Eutanásia e seguro de vida: análise do direito à percepção da indenização. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 83

[3] SOARES, Felipe Ramos Ribas; MATIELI, Louise Vago; DUARTE, Luciana da Mota Gomes de Souza. Unidade do ordenamento na pluralidade das fontes: uma crítica à teoria dos microssistemas. In: SCHREIBER, Anderson; KONDER, Carlos Nelson. Direito Civil Constitucional. São Paulo: Atlas. p. 72

Para sua carreira: 8 livros lançados em agosto com as tendências do Direito

Agosto é especial para a Editora FÓRUM que comemora, com você, uma das principais datas do seu calendário: o Dia do Advogado. Por isso, durante o mês inteiro, promoções com descontos imperdíveis e sorteios são realizados para celebrar esse marco. 

Como parte do pacote festivo, os lançamentos de livros abrilhantam ainda mais esse momento. Nesse período, várias obras com as tendências do Direito foram publicadas e já estão disponíveis para estudo.

Na Loja Virtual da FÓRUM, você encontra todos os lançamentos do mês e pode aproveitar as ofertas disponíveis. Para incentivar você, listamos algumas obras que vão completar sua estante com o melhor do Direito. 

Confira!

Arquitetura do planejamento sucessório (Tomo III), por Daniele Chaves Teixeira

Este é o Tomo III de uma clássica e consagrada coleção coordenada pela doutora e professora Daniele Chaves Teixeira. Verdadeiras obras-primas que solidificam o conhecimento e a compreensão de quem está de um modo ou outro plenamente envolto com o direito das famílias e com o direito das sucessões. Entre os temas desta edição estão o planejamento sucessório e gênero, caminhos para a tutela dos bens digitais, imprescindibilidade dos princípios constitucionais na interpretação do direito sucessório contemporâneo e diversos outros.

Conheça a obra aqui

Aprimoramento genético em embriões humanos, de Carlos Henrique Félix Dantas

O poder da ciência em controlar a natalidade consubstancia o que alguns teóricos chamam de uma nova eugenia ou uma neoeugenia, implicando a discussão dos direitos de quarta geração na manipulação do patrimônio genético. Assim, é necessário refletir sobre quais são as ferramentas que o Estado de Direito brasileiro oferece para se tutelar a diversidade no patrimônio genético, o alcance e a extensão da autonomia do planejamento familiar e, sobretudo, quais mecanismos postos existem para regulamentar a reprodução humana assistida na sociedade. Esta obra investiga, a partir do estudo combinado do diagnóstico genético pré-implantacional e da técnica de edição genética CRISPR-Cas9, os limites ao planejamento familiar ao considerar a deficiência como parte da herança genética da humanidade.

Conheça a obra aqui

Cabotagem brasileira, de Sabine Mara Müller

Neste livro, o leitor poderá compreender conteúdos e proposições importantes que foram objeto de discussão a partir do PL nº 4.199/2020, o qual se transformou na Lei nº 14.301, de 7 de janeiro de 2022, que institui o BR do Mar. A obra está dividida em quatro capítulos. O Capítulo 1 propõe uma teoria geral da cabotagem, por meio da introdução ao tema, dos conceitos relevantes e da sustentabilidade. O Capítulo 2 discorre sobre o marco regulatório setorial, com ênfase nos principais aspectos do Projeto de Lei nº 4.199/2020, que foi convertido no BR do Mar. O Capítulo 3 aborda os obstáculos ao desenvolvimento da cabotagem brasileira, com ênfase nos Achados 3, 4 e 5 do Relatório de Auditoria Operacional do Tribunal de Contas da União, quais sejam, (i) o preço do combustível dos navios, (ii) o fomento à competição e (iii) o incentivo ao multimodalismo. O Capítulo 4 discorre sobre as possibilidades de uma matriz de transportes via cabotagem, com uma proposta de regulamentação dos temas dos achados analisados.

Conheça a obra aqui

Direito Civil e tecnologia (Tomo II), por Marcos Ehrhardt Jr. Marcos Catalan Pablo Malheiros

Estamos vivenciando um intenso período de mudanças provocadas pela utilização de novas tecnologias. O impacto das alterações no modo de interagir com as pessoas, comprar produtos e serviços, aliado ao surgimento de novos bens e formas de compartilhamento, necessita de atenção da doutrina, especialmente pela velocidade com que tais mudanças chegam para apreciação no Poder Judiciário. Este livro segue as diretrizes já delineadas no TOMO I do projeto: registrar as mudanças nos institutos do direito privado (e as perspectivas para os próximos anos) a partir do impacto das transformações tecnológicas que vivenciamos. Trata-se de uma iniciativa que busca congregar pesquisadores e profissionais do direito de todo o país, além de convidados estrangeiros, para que se possa apresentar um grande retrato do impacto da tecnologia no cotidiano dos sujeitos de direito, tanto em suas relações existenciais quanto em suas relações patrimoniais.

Conheça a obra aqui

Como as nações prosperam, de Fabiola Utzig Haselof

O maior desafio no enfrentamento da corrupção, especialmente a corrupção sistêmica, está no fato de que quanto mais grave o problema mais necessária se torna a existência de vontade política de resolver o desafio da corrupção, criando um paradoxo aparentemente insolúvel. Esse quadro não tem uma solução fácil no âmbito doméstico, e aqui reside o ponto central do livro. Diferente do que todos afirmam, o fato de a corrupção haver ganhado dimensão transnacional não é exatamente um problema, mas parte da solução. A tese defendida é que a corrupção, como fenômeno transnacional, compele os Estados a investirem e aprimorarem seus mecanismos de prevenção, de combate à corrupção, de cooperação internacional e de expansão da sua jurisdição extraterritorial, introduzindo um novo padrão de conduta no plano internacional.

Conheça a obra aqui

Testamento, de Isabella Silveira de Castro

A autora desta obra trata dos problemas da capacidade testamentária, das formalidades do testamento e da presença das novas tecnologias no direito das sucessões. O trabalho que, além de carrear uma técnica refinada e uma reflexão teórica profunda, está perto do dia a dia das pessoas. É que os três pontos principais da reflexão (traduzidos em perguntas: Quem tem pode testar? Que solenidades o testamento exige? Em que medida as novas tecnologias redesenham o testamento?) são úteis e importantes dentro e fora da academia. São e serão importantes para a construção dogmática necessária. São e serão importantes também para aquele que deseja testar, para o advogado, para o julgador, para o notário.

Conheça a obra aqui

Tribunal de Contas e combate à corrupção, de Saulo Marques Mesquita

O tema deste trabalho é a corrupção. Um mal que assola a sociedade brasileira, desde seus primórdios, cujos efeitos deletérios privam boa parte da população do exercício satisfatório de seus direitos mais elementares. A relevância da temática tem ensejado a produção de diversas obras jurídicas. Esta abordagem, no entanto, relaciona-se com a atuação do Tribunal de Contas. Com assento constitucional, essa instituição possui estrutura, competências e instrumentos para se firmar como um importante personagem do enredo direcionado ao combate às práticas corruptivas. Nessa linha, após um aprofundamento teórico a respeito da corrupção e da atividade de controle sobre os atos da Administração, procede-se ao estudo do Tribunal de Contas, visando ao conhecimento de sua conformação legal, de sua composição, de seu modo de atuar e dos instrumentos de que pode se valer para o enfrentamento do problema. O objetivo é munir gestores, advogados, estudantes, jornalistas, servidores, agentes políticos e todos que militam na área do controle de compreensão a respeito do papel do Tribunal de Contas, habilitando-os, assim, a contribuir para que a luta contra a corrupção alcance os resultados almejados.

Conheça a obra aqui

Efeitos das decisões no processo administrativo tributário, de Maysa de Sá Pittondo Deligne

Este livro enfrenta o problema da extensão material das decisões administrativas tributárias, demarcando quais decisões e quais questões decididas pela autoridade julgadora administrativa são dotadas de “força de lei” para as partes do processo administrativo tributário. A própria natureza do processo administrativo tributário é posta em debate para identificar a decisão administrativa tributária definitiva favorável aos sujeitos passivos da relação tributária como uma decisão dotada de estabilidade plena, com efeitos materiais e futuros. Identifica-se o conteúdo das decisões administrativas tributárias que será estabilizado, com os elementos de fato e de direito passíveis de orientar a conduta tanto dos contribuintes que participaram do processo, como dos agentes da Fazenda Pública.

Conheça a obra aqui

Da necessidade de as agências regulatórias infranacionais possuírem independência decisória para atender o Novo Marco Legal do Saneamento Básico

Por conta da Lei nº 14.026/2020, o artigo 21 do Novo Marco Legal do Saneamento (NMLSB) – reiterando parte da redação original da Lei nº 11.445/2007 – foi muito claro ao afirmar que a “função de regulação, desempenhada por entidade de natureza autárquica dotada de independência decisória e autonomia administrativa, orçamentária e financeira, atenderá aos princípios de transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões”.

Percebe-se, portanto, que o NMLSB obriga a “autarquia a ter independência decisória em relação à Administração direta. Não cabe aqui, portanto, ao chefe do Poder Executivo rever as decisões de tais autarquias, sejam elas qualificadas como ‘agências reguladoras’ ou não. Pela LSB, não caberia sequer um ‘recurso hierárquico impróprio’, já que isso tiraria a ‘independência decisória’ da autarquia[1]”.

Analisando a legislação de algumas Agências Infranacionais[2] (agências reguladoras de serviços de saneamento com atuação municipal, intermunicipal, distrital ou estadual), verificam-se casos flagrantes de inadequação ao modelo exigido pelo artigo 21 NMLSB, conforme passamos a detalhar brevemente a seguir.

De início destaque-se que, na Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Município de Manaus – AGEMAN, suas decisões podem ser objeto de recurso (art. 22, XIII da Lei nº 2265/2017) dirigido a um Conselho Municipal de Regulação e Fiscalização dos Serviços Públicos Delegados formado por representantes da própria autarquia, da sociedade civil, do Poder Executivo, dos operadores de serviço, dos usuários e do Poder Legislativo.

O mesmo ocorre com a Agência Reguladora de Feira de Santana- ARFES (art. 20, V da Lei Complementar nº 93/2015), cujas decisões se submetem em caráter recursal a um Conselho Superior com 5 Secretários Municipais em sua composição.

Já na Agência Reguladora de Serviços Públicos do Município de Petrolina – ARMP (art. 29 da Lei Complementar Municipal nº 1.241/2003) as suas decisões deverão submetidas ao Prefeito Municipal antes da publicação.

Diante desses casos relatados acima, é preciso destacar que “de nada adianta atribuir a obrigatoriedade da constituição de uma agência reguladora para a consecução de um sistema regulatório complexo que envolve a concessão de um serviço público se esta não terá autonomia e independência para exercer seu ofício[3]”.

Assim, sobretudo para um legítimo exercício da regulação discricionária[4], mas não só isso, é imprescindível, sob pena de ilegalidade, que a agência reguladora que promova a regulação dos serviços de saneamento em caráter infranacional, possua, a exemplo da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), independência decisória.

Continuar lendo

Identidade de gênero, efetividade e responsabilidade civil. Transgêneros e o processo transexualizador | Coluna Direito Civil

Coluna Direito Civil

A ignorância e a falta de conhecimento são, certamente, as maiores forças motrizes do ódio e intolerância que permeiam a sociedade em que vivemos. Contudo não se pode mais admitir, ante ao amplo acesso à informação existente nos dias atuais, mormente após o advento da internet e da inclusão digital, que tal sorte de escusa ainda seja aceita para se agir de forma preconceituosa e ofensiva.

A sexualidade é uma das searas em que mais se perpetram ataques de cunho discriminatório atualmente. E o mais alarmante é constatar que tais condutas, tanto de natureza comissiva quanto omissiva, têm como agentes não apenas particulares mas também o Poder Público, a quem compete a promoção do bem de todos sem nenhuma sorte de preconceito, nem mesmo de cunho sexual[1].

Mesmo com toda a informação disponível e acessível já mencionada é prudente que tenhamos o cuidado de trazer aqui os parâmetros mais elementares de compreensão sobre o viés da sexualidade que será objeto da presente análise antes de nos determos acerca das perspectivas jurídicas do tema.

Partindo do pressuposto lógico de que a sexualidade é um tema complexo e indissociável da condição humana[2], a consideramos segundo quatro pilares básicos, quais sejam, o sexo (vinculado, normalmente, com o aspecto genital constatado quando do nascimento da pessoa), o gênero (associado à perspectiva das características sexuais ordinariamente esperadas em decorrência do sexo que se atribuiu a alguém quando de seu nascimento), a orientação sexual (pertinente à atração afetivo-sexual apresentada pela pessoa) e a identidade de gênero (a noção de pertencimento da pessoa quanto ao seu gênero, independentemente do sexo que lhe foi designado quando de seu nascimento)[3].

Quanto à identidade de gênero, aspecto norteador do presente texto, temos que as pessoas podem ser entendidas como cisgêneros ou transgêneros. São cisgêneros aqueles que se sentem pertencentes ao gênero que seria esperado em decorrência do sexo que lhe foi atribuído quando de seu nascimento (homem que se considera pertencente ao gênero masculino ou mulher que se identifica como alguém do gênero feminino), enquanto, de outro lado, os transgêneros (termo guarda-chuva) revelam uma condição de não conformidade com o gênero associado ao sexo que se lhes designou quando do seu nascimento. Entre a população transgênero encontramos, entre outros, transexuais e travestis, pessoas que manifestam uma incompatibilidade com o gênero que delas se espera, hipótese já reconhecida de longa data e que atualmente já não mais ostenta uma natureza patológica, sendo de se ressaltar que na atual versão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11) é designada tão somente como uma condição sexual.

Um dos aspectos mais relevantes a ser esclarecido sobre a condição das pessoas trans é que não se trata de uma escolha delas se entenderem pertencentes a um gênero diverso daquele que era delas esperado. Tampouco se trata de qualquer tipo de parafilia ou perversão sexual. É apenas uma condição sexual que atinge cerca de 2% da população brasileira[4] mas que traz consequências nefastas para essas pessoas, considerando que elas têm uma expectativa de vida de apenas 35 anos (que é de mais de 76 anos entre as pessoas cisgênero)[5], um índice de tentativa de suicídio de 41%[6] (entre os cisgêneros é de apenas 1,6%), um elevado nível de evasão escolar (0,02% das pessoas trans na universidade, 72% sem ensino médio e 56% sem ensino fundamental[7]), e uma baixíssima inserção no mercado de trabalho formal (com 4% da população trans feminina em empregos formais, 6% em atividades informais e subempregos, e 90% das travestis e mulheres transexuais tendo a prostituição como fonte primária de renda[8]), além do fato de o Brasil ser o país do mundo que mais mata pessoas trans (mais de 40% dos assassinatos de pessoas trans ocorridos no mundo entre 2008 e 2021)[9].

As dificuldades enfrentadas pelas pessoas trans se iniciam com a invisibilidade a qual são relegadas pelos órgãos oficiais, o que faz com que venham a ser vitimadas até mesmo com o surgimento de regramentos que, de início, poderiam parecer a elas inofensivos, mas que acabam não tendo a atenção devida com as idiossincrasias inerentes a elas.

Questões que não mais eram problemas para as pessoas trans acabam sendo reinseridas na sociedade, como parece ser o caso da nova carteira de identidade regulamentada pelo Decreto nº 10.977/2022, que determina a inclusão de informação quanto ao “sexo” em sua estrutura, como se pode constatar do art. 11, V do referido decreto. Tal dado não se fazia presente nas carteira expedidas pelos entes da federação e agora com a instituição do modelo único nacional passa a ser elementos constante do documento, que, de maneira desnecessária, acaba por expor uma informação de escopo íntimo das pessoas, considerando que, como já apresentado, o sexo refere-se ao aspecto genital.

Se tal informação já é permeada de contornos absolutamente privados para qualquer pessoa é evidente que tal elemento fica ainda mais majorado em se tratando de uma pessoa trans, que tendo ou não realizado o processo transexualizador, pode não desejar que aspectos relativos aos seus genitais sejam acessíveis a toda e qualquer pessoa que tenha contato com seu documento de identificação. Tal questão faz parte de uma perspectiva de tal forma nuclear que somos do entendimento que sequer é garantida ao próprio cônjuge daquele que tenha realizado o processo transexualizador o direito de impor que tal fato seja a ele revelado[10].

Nesse mesmo sentido de prevalência do direito à intimidade é de se ressaltar a questão do direito ao esquecimento em favor das pessoas trans no que tange ao seu nome e gênero alterados. Há quem erroneamente venha sustentando que o direito ao esquecimento não poderia acobertar as necessidades dos transgêneros como um todo face a existência de uma vedação fixada pelo Supremo Tribunal Federal acerca da possibilidade de acolhimento de tal direito no Brasil. Tal visão se mostra totalmente míope e afastada do cerne do que foi decidido no julgamento do RE 1010606 que tratava do Tema 786, vez que a referida decisão expressamente assevera que está a tratar da específica hipótese de um direito ao esquecimento “entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais”, o que, evidentemente, não é o caso das pessoas trans.

Ainda quanto a questões gerais que atingem as pessoas trans de forma distinta das pessoas cisgênero podemos suscitar o que se dá no contexto da Lei Geral de Proteção de Dados. Nesse âmbito é primordial a necessidade de um cuidado especial no que tange às pessoas trans, vez que, em que pese não considerar o nome como um dado sensível, é preponderante a imposição de um tratamento especial no caso daqueles que alteraram seu prenome em decorrência de sua identidade de gênero sob pena de uma exposição indevida de uma questão íntima[11].

Não se ignore também que as pessoas trans acabam enfrentando dificuldades no dia-a-dia para a sua existência em sociedade nas coisas mais elementares, como o simples fato de usar um banheiro em um local público, sendo recorrentes as situações que chegam ao Poder Judiciário de pedidos de indenização decorrentes da vedação de que venham a usar banheiros segundo sua identidade de gênero, fato que, em terras alienígenas, já chegou a gerar impactos econômicos severos[12].

Contudo além das hipóteses que podemos considerar gerais existem aspectos específicos que se direcionam diretamente às pessoas trans. Podemos afirmar que, em alguma medida, as questões mais candentes no espectro jurídico quanto aos interesses de transgêneros residem nos pleitos relacionados à garantia do reconhecimento civil de sua condição e na árdua batalha visando o acesso aos tratamentos e intervenções cirúrgicas que lhes permite conferir ao seu corpo os caracteres que se mostrem condizentes com o gênero ao qual se identificam, ampliando sua passabilidade, ou a possibilidade de que venha a transitar na multidão sem que sua sexualidade seja questionada[13].

No que concerne à questão do reconhecimento de seus direitos civis mais nucleares, como o direito ao nome e ao gênero, a questão que é eminentemente administrativa e que tem por escopo garantir uma identificação mais adequada das pessoas trans encontra barreiras enormes. Basta que se tenha em mente que já passamos da segunda década do século 21 e ainda não há no ordenamento jurídico pátrio a legislação mínima esperada para viabilizar tais direitos, como aquela que se constata em diversos lugares do mundo, como em Portugal que tem uma lei (Lei 38/18) admirável e que resguarda minimamente os direitos das pessoas transgênero[14].

No território nacional, por exemplo, apenas se tem a possibilidade de adequar nome e sexo/gênero em seus documentos de identificação pessoal face à atuação do Poder Judiciário que, após um longo período de lutas, concedeu guarida a pleitos desse jaez nos tribunais superiores, como se verifica no REsp. 1.626.739 da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de 2017, e na ADI 4.275, julgada em 2018 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que culminou no Provimento 73 do CNJ[15], na esteira do que se decidiu na Corte Interamericana de direitos Humanos (CorteIDH) quando da Opinião Consultiva 24/17[16].

Suplantando uma manifesta leniência legislativa[17] é hoje franqueado às pessoas trans a possibilidade de alteração de nome e gênero em seus documentos de identificação pessoal mediante requerimento em sede administrativa, diretamente no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, independentemente da apresentação de laudos ou da realização de qualquer sorte de tratamento ou intervenção cirúrgica prévia, ante a autodeclaração do interessado. Inquestionavelmente se trata de um considerável avanço no sentido de respeitar os preceitos constitucionais mais basilares das pessoas trans, contudo não se pode ignorar que tal circunstância não se encontra consolidada em sede legislativa.

Quanto a possibilidade da realização de tratamentos e intervenções cirúrgicas a situação reveste-se de contornos de crueldade, vez que, à primeira vista, parece ser mais tranquila mas, no entanto, não se mostra nem um pouco efetiva. Tal afirmação se faz pois temos que o Sistema Único de Saúde (SUS), nos termos da Portaria 2.803/13, há de realizar o processo transexualizador de forma gratuita, porém no Brasil apenas 5 hospitais são habilitados pelo Ministério da Saúde[18] para as intervenções cirúrgicas necessárias.

Tal realidade relega as pessoas trans a uma fila absurda, havendo relatos de uma espera de até 18 (dezoito) anos[19], segundo levantamento conduzido pela Defensoria Pública de São Paulo. Considerando que tais intervenções, conforme determina o Ministério da Saúde, só podem ser realizadas a partir dos 21 anos e associando a isso a expectativa de vida das pessoas trans, é bastante provável que muitos acabem vindo a falecer antes mesmo de ter acesso a um dos mais elementares direitos fundamentais que é a saúde em seu conceito mais amplo, o que acaba por apresentar desdobramentos severos em sua vida cotidiana.

Conscientes de que estamos diante de uma obrigação de fazer não adimplida pelo Estado, que haveria de ser cumprida de forma urgente ante ao risco que representa à vida dessa pessoa, somos do entendimento que caberia nessas situações a determinação de que o Poder Público viabilize prontamente a realização das intervenções cirúrgicas necessárias a quem se enquadrar nos requisitos legais e que se encontra na fila de espera, com o estabelecimento de cominação pecuniária diária visando conferir efetividade aos pleitos formulados nesse sentido.

Ponderamos, ainda, que também seria plausível se pugnar pela possibilidade da realização de tais intervenções em estabelecimentos particulares, que atendam aos requisitos mínimos para a prática de tais atos, seja com o custeio direto do Poder Público ou mediante posterior exigência de que o Estado venha a ressarcir ao interessado por todos os seus gastos, independentemente de uma autorização judicial prévia, nos termos do disposto no art. 249, parágrafo único do Código Civil, face à urgência que permeia a situação da população trans em nosso país[20].

Essa conduta do Estado em não garantir que as pessoas trans possam realizar as intervenções cirúrgicas que ele mesmo entendeu serem necessárias (a ponto de elaborar uma portaria com a finalidade de estabelecer o processo transexualizador) atinge de maneira frontal o projeto de vida dessas pessoas, caracterizando claramente uma hipótese de dano existencial que, de forma alguma, pode restar ignorado.

Todos esses aspectos vêm a corroborar ainda mais a necessidade de que aqueles que buscam a realização do processo transexualizador sejam atendidos imediatamente como forma de respeito aos seus direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, os quais se verifica serem de mais difícil consecução para aqueles que não se inserem perfeitamente no plano da norma construída por e para pessoas cisgênero, desconsiderando as pessoas trans e as relegando a uma realidade de risco constante que não pode ser normalizada[21].

As parcas proteções para as pessoas transgênero existentes em nosso sistema não podem jamais constituir letra morta ou mero desperdício de tinta em um pedaço de papel por não se efetivarem, pois como amplamente demonstrado tal situação tira vidas e faz do Brasil uma nação que reside placidamente entre as que mais desrespeitam a existência das pessoas trans no mundo. Dar o mínimo de eficácia ao pouco que existe é premente para que comecemos a ver alguma esperança de contenção do genocídio enfrentado por essa minoria sexual absurdamente vulnerabilizada.

Os meios estão postos. Cabe à comunidade jurídica realizar o que está a seu alcance para fazer cumprir ao menos os poucos direitos especificamente destinados a garantir a higidez e integridade dessa parcela da população brasileira.

 

Continuar lendo

Teletrabalho no ambiente público é destaque na edição 247 da FCGP

Desde que se popularizou com a pandemia de COVID-19, o teletrabalho tem sido estudado por diversos especialistas e ganhou destaque na edição de nº 247 da Revista Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2020, 1 em cada 10 trabalhadores brasileiros ficou em “home office“.

Nesta quarta-feira (3), a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória que regulamenta a adoção dessa modalidade de trabalho pelas empresas. O texto agora vai para o Senado e deve ser analisado ainda esta semana.

Já no serviço público, o “home office” foi regulamentado por meio da Instrução Normativa nº 65/2020 do Ministério da Economia. No artigo “O teletrabalho como modalidade concretizadora da eficiência administrativa no ambiente público federal”, destaque desta edição da FGCP, os autores da FÓRUM, Arnaldo Rodrigues Bezerra Neto e Vladimir da Rocha França, discorrem com precisão e de forma aprofundada sobre o tema, “com o objetivo de verificar a concretização da eficiência administrativa e o atendimento ao interesse público, considerando-se a interface das disposições constitucionais e infraconstitucionais, especialmente a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)”.

Para os especialistas, “o reconhecimento de uma nova realidade nas relações político-funcionais no âmbito da Administração Pública Federal é imperativo”. E reforçam: “esse cenário ainda se desenvolve na seara pública pátria, mormente nos órgãos e entidades […]. Trata-se de uma mudança paradigmática da governança e gestão burocráticas no ambiente público para o modelo gerencial”.

A pesquisa sobre teletrabalho é um dos diversos estudos presentes no periódico mensal Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, que, na edição nº 247, também aborda o acordo de ajustamento de gestão, licitações e contratos, procedimento de manifestação de interesse e o agente público e os crimes de dispensar/inexigir e frustrar/fraudar o processo licitatório.

>>Conheça a FCGP aqui

A FCGP é especializada em contratação, controle e gestão pública e elaborada a partir das seções Doutrina, Jurisprudência Selecionada, Orientações Práticas e Legislação. Em Doutrina os autores da Casa discorrem, em seus artigos e pareceres, sobre os assuntos em voga na gestão pública. Em Jurisprudência Selecionada são apresentados acórdãos na íntegra e ementários criteriosamente escolhidos pelos especialistas. Ainda nesta seção, as tendências jurisprudenciais abordam as decisões selecionadas dos noticiários dos tribunais e, portanto, ainda não publicadas oficialmente. Já em Legislação tem-se o informativo, que traz as recentes mudanças na lei brasileira, e legislação comentada, com apontamentos de especialistas do Direito.

 

Veja também:

Por que se atualizar por meio de revistas jurídicas digitais?

Tradicional revista sobre contratações públicas trará conteúdo mensal sobre a Nova Lei de Licitações

Revista reúne mais de 3 mil doutrinas sobre contratações públicas; veja como baixar artigo grátis

Confira os artigos presentes nesta edição

Listamos abaixo e neste link, o sumário da edição nº 247 da FCGP.

Doutrina

Artigos

O teletrabalho como modalidade concretizadora da eficiência administrativa no ambiente público federal

Arnaldo Rodrigues Bezerra Neto, Vladimir da Rocha França

Acordo de ajustamento de gestão: estruturação de seu procedimento com base no Modelo das Três Linhas do IIA 2020

Enio Nakamura Oku, Carla Angélica de Mello

Licitações – A Nova Lei – 15

Ivan Barbosa Rigolin

Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI): fluxo regular e possibilidades de revisão dos estudos

Leandro Teodoro Andrade

O agente público e os crimes de dispensar/inexigir e frustrar/fraudar o processo licitatório

Márcio Berto Alexandrino de Oliveira

JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA
Ação Cível Originária – Direito Constitucional e Financeiro – Lei de Responsabilidade Fiscal – Operação de crédito – Concessão de garantia pela União – Divergência entre a Secretaria de Tesouro Nacional e o Tribunal de Contas do Estado sobre o prazo de reenquadramento do Estado autor aos limites das despesas com pessoal – Princípio da boa-fé nas relações interfederativas – Princípio do federalismo de cooperação. Ação Cível Originária nº 3.271/DF.

Supremo Tribunal Federal

Ação Direta de Inconstitucionalidade – Constitucional e Administrativo – Lei no 12.509/95 do Estado do Ceará – Tribunal de Contas Estadual – Auditor – Período de substituição – Pagamento proporcional do subsídio de Conselheiro – Vinculação ou equiparação remuneratória – Não verificada – Violação ao modelo federal – Inocorrência.
Ação Direta de Inconstitucionalidade no 6.951/CE

Supremo Tribunal Federal 

Ação Cível Originária – Direito Constitucional, Financeiro e Sanitário – Lei de Responsabilidade Fiscal – Convênio – Comprovação de regularidade financeira do Estado no Cadastro Único de Convênios (CAUC) – Exceção do artigo 25, §3o, da LRF, que afasta a suspensão de transferência voluntária de recursos nas hipóteses de ações federativas voltadas à educação, à saúde e à assistência social – Aplicabilidade da exceção no caso concreto, porquanto inserido o convênio no âmbito do sistema unificado de atenção à sanidade agropecuária, com objeto voltado à tutela da saúde pública. 
Ação Cível Originária no 3.459/RN

Supremo Tribunal Federal 

Agravo em Recurso Especial – Prescrição – Anulação de termo de aditamento de contrato de concessão de exploração de malha rodoviária – Termo inicial – Fim da vigência do contrato administrativo – Controle jurisdicional das decisões do Tribunal de Contas – Possibilidade – Preclusão consumativa – Anulação de aditivo contratual – Desequilíbrio financeiro – Possibilidade. Agravo em Recurso Especial nº 1.783.990/SP.

Superior Tribunal de Justiça

TCU – Tomada de Contas Especial – Aquisição de medicamentos – Contrato administrativo – Equilíbrio econômico-financeiro – Artigo 65, inciso II, da Lei nº 8.666/1993 – Variação cambial – Hipótese que, em regime de câmbio flutuante, não pode ser considerada suficiente para, isoladamente, embasar a necessidade de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do ajuste – Necessidade que a variação do câmbio seja imprevisível ou de consequências incalculáveis – Contas julgadas irregulares.

Tomada de Contas Especial nº 037.241/2018-4

Tribunal de Contas da União

CONSULTA
Consulta – Contratos de parcerias público-privadas – Concessão comum, patrocinada e administrativa – Limites quantitativos – Não aplicabilidade do artigo 65 da Lei nº 8.666/93 – Identificação e referenciação em editais de licitação e minutas contratuais – Impossibilidade, salvo por meio de lei – Alterações contratuais – Necessidade de justificativa. Processo nº 932.529.

Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais

EMENTÁRIO
CONCESSÃO E PERMISSÃO
CONTRATAÇÃO DIRETA
CONTRATO ADMINISTRATIVO
CONTROLE INTERNO E EXTERNO
DIREITO ORÇAMENTÁRIO
LICITAÇÃO
PENAL E PROCESSO PENAL
TERCEIRO SETOR

TENDÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS

ORÇAMENTO PÚBLICO
PENAL E PROCESSUAL PENAL
REGIMENTO DE RECUPERAÇÃO FISCAL (RRF)

Legislação Comentada

Comentários e anotações à Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 24)
Antônio Flávio de Oliveira
INFORMATIVO DE LEGISLAÇÃO
INSTRUÇÕES PARA OS AUTORES

>>Saiba mais sobre a FCGP aqui

Artigo gratuito

Engajados com a propagação de conhecimento jurídico de qualidade, disponibilizamos, gratuitamente, o artigo “O agente público e os crimes de dispensar/inexigir e frustrar/fraudar o processo licitatório” de Márcio Berto Alexandrino de Oliveira, especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e autor da FÓRUM. 

Neste estudo, Márcio Berto mostra que “os crimes tipificados nos artigos 337-E e 337-F do Código Penal brasileiro (dispensar/inexigir indevidamente e frustrar/fraudar o processo licitatório), incluídos pela Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, são admitidos apenas na forma dolosa, portanto, o agente não incorrerá em crime quando agir com negligência, imprudência, imperícia ou inobservância aos procedimentos fixados na Lei de Licitações e Contratos Administrativos”. Revela, ainda, quais elementos são usados para comprovar o delito. 

>>Confira o artigo neste link

Esperamos contribuir com este estudo para suas práticas jurídicas. Boa leitura!

Publique seu artigo

Os interessados em publicar na revista podem acessar a página no site da FÓRUM, verificar as normas para envio e preencher o formulário de submissão. O texto deverá ser inédito e para publicação exclusiva. 

Os autores com artigos selecionados terão acesso permanente e gratuito a todos os volumes digitais da FCGP publicados em 2022, disponíveis na Plataforma FÓRUM de Conhecimento Jurídico®. O acesso será pessoal e intransferível.

Como assinar a FCGP?

Assine a FCGP em nossa Loja Virtual ou solicite o contato de um consultor neste link.

A nova formação de preços no setor de saneamento: a onda de reformas das estruturas tarifárias das companhias estaduais de água e esgoto | Coluna Direito da Infraestrutura

 

O atendimento das metas de universalização dos Serviços de Água e Esgoto (USAE), de que trata o art. 11-B trazido pela Lei n°14.026/2020 (Novo Marco Regulatório do Setor de Saneamento), depende, prioritariamente, da capacidade de financiamento dos investimentos que terão de ser realizados por operadores públicos e privados. Nada obstante, não tratamos, neste artigo, da captação dos empréstimos e do equity que são, tipicamente, servientes à aquisição dos bens de capital necessários à implementação de tais objetivos (obtidos, intermédio da celebração de mútuos com financiadores públicos e privados), mas do necessário equilíbrio entre sustentabilidade econômica-financeira do projeto (art. 29 da Lei n°11.445/2007), a capacidade de pagamento dos usuários e o limite para alocação de recursos orçamentários (art. 31, II, da Lei n°11.445/2007).

De fato, esses investimentos serão, integralmente, financiados, ou melhor, pagos, por dois “bolsos”: o dos usuários (tarifas) e/ou dos contribuintes (recursos orçamentários ou não onerosos). Assim é que, considerando a costumeira escassez de recursos públicos, passa-se a buscar soluções regulatórias para compatibilizar as metas de universalização trazidas, pelo Novo Marco Regulatório, com os regimes tarifários existentes, sobretudo os até então implementados, pelos operadores históricos (Companhia Estaduais de Saneamento – CESBs). É que o estabelecimento de novas arquiteturas tarifárias, para além de fazer frente ao atendimento das novas obrigações de investimento, poderá facilitar a captação de recursos exógenos ao projeto junto aos ofertantes de fundos de terceiros (debt) e mesmo próprios (equity).

Acontece que, ao se analisar as formas atuais de financiamento tarifário praticadas, por companhias estaduais de água e esgoto, se constatam inadequações das tabelas de cobrança dos serviços prestados aos usuários, sob os aspectos de eficiência econômica, ambiental e de justiça social. Tomando como universo de análise, especificamente, o universo de amostra das Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs), o que se verifica é que as estruturas legadas do PLANASA ainda são predominantes, apesar das iniciativas de reforma hoje verificadas. É dizer, as tabelas tarifárias cinquentenárias, hoje praticadas, por muitas CESBs, contêm subsídios (cruzados e ocultos), que não beneficiam os usuários hipossuficientes, transferindo recursos de usuários mais carentes para usuários com elevada capacidade contributiva. Para além disso, tal estruturação de custos não oferece os melhores incentivos ao uso racional do principal insumo do sistema, o recurso hídrico. Desconsidera, pois, a função regulatória da estruturação tarifária.

Cuidam-se de salientes entraves à universalização alvitrada pelo Novo Marco Regulatório, já que umas das formas possíveis de se captar novos recursos para tal desiderato passa, justamente, pela necessidade de se explorar a capacidade contributiva de muitos indivíduos, de renda média e alta, que poderiam estar mais engajados no esforço de universalização. Nesse sentido, a Pezco Economics construiu, recentemente, um panorama dos processos de mudança tarifária entre as companhias estaduais de saneamento básico no Brasil. O resultado, que pode ser visto na tabela a seguir, mostra a prevalência do modelo de Blocos Crescentes de Tarifas (BCC), ou Incresing Block Tariffs (IBT), que prevalece em todo o mundo em desenvolvimento:

Fonte: pesquisa e elaboração Pezco Economics

O gráfico a seguir aponta o resumo do status atual das reformas de estrutura tarifária entre as CESBs.

Como se pode depreender, o consumo mínimo faturável é uns dos aspectos tradicionais das estruturas tarifárias, legadas pelo PLANASA, incluindo uma faixa típica de consumo mínimo de água, com valor modal igual a 10m3. Este padrão começa a ser alterado (ou suprimidos), por operadores públicos e privados. Assim, por exemplo, cite-se a COPASA ou a BRK Saneatins, que já endereçam alterações nesse sentido.

Nada obstante, o cardápio de possibilidades de mudança nas estruturas tarifárias inclui diversos elementos. Um dos principais vetores de reforma é a introdução da tarifa binômia, eliminando o consumo mínimo tipicamente praticado. A nova tarifa em duas partes em geral se volta à consideração mais explícita da cobertura do custo dos bens de capital alocados à prestação dos serviços. Além disso, outros vetores de reforma estão sendo identificados, como a tarifação por ligações em vez de economias e a introdução de tarifa de uso coletivo.

Alguns vetores desta reforma já vêm sendo introduzidos, mesmo no ambiente das estruturas tarifárias legadas do PLANASA, sendo o principal deles, já bastante difundido, a prática de tarifas sociais e tarifas populares, com critérios que vêm evoluindo ao longo do tempo. Outro elemento de reforma pontual tem sido o tratamento diferenciado de grandes clientes, que apresentam, tipicamente, elasticidades-preço da demanda (em módulo) bem mais altas que os de menor consumo. O tema dos grandes clientes se relaciona às próprias questões de competitividade das economias afetadas pelos serviços de saneamento, já que o abastecimento de água e o tratamento de esgotos ou efluentes constitui insumo importante de várias atividades relevantes às economias regionais. Em alguns casos, o tratamento diferenciado se verifica até mesmo em clientes de menor porte, que atendem segmentos comerciais ou industriais.

O tema da reforma da estrutura tarifária está, portanto, no centro dos esforços de implementação do Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico, que prevê a universalização até o ano de 2033, com permissão pontual à dilação de prazo somente em casos em que mesmo a regionalização não gere viabilidade para a USAE. É preciso, porém, avançar neste tema em todo o país, para a viabilização dos recursos que vão gerar as fontes internas de financiamento necessárias à ampliação do atendimento nos termos pretendidos pela nova legislação.

Não obstante a sua relevância, o assunto de estruturas tarifárias é bastante complexo e tem sido tratado na literatura técnica e acadêmica internacional, permanecendo várias lacunas de conhecimento para aplicação a casos específicos. As abordagens científicas sobre o assunto não são consensuais e, hoje, a construção de uma nova estrutura tarifária depende de experimentos cujo resultado envolve alguma margem de incerteza. Um exemplo da complexidade envolvida pode ser encontrado no setor elétrico nacional. A Nota Técnica nº 296/2021-SGT-SPE/ANEEL, de 13 de dezembro de 2021, definiu a concepção da proposta de governança dos Sandboxes Tarifários, por meio da experimentação prática em ambiente controlado, ou seja, realizando projetos-pilotos de tarifas aplicadas aos consumidores.

O setor de saneamento também experimenta mudanças no comportamento do consumidor, notadamente no período pós-pandemia, as quais se intensificam com a introdução de novas tecnologias – ainda que em ritmo mais moderado frente ao que ocorre no setor elétrico. Dessa forma, a experiência recente do setor elétrico evidencia a complexidade da questão, a partir da ideia de que, no setor elétrico, o assunto vem sendo endereçado, por intermédio da experimentação prática junto a grupos de consumidores de baixa tensão. Ainda que, no setor de saneamento, não se tenha como prática prever a realização de sandbox ou de aplicação piloto dos novos procedimentos tarifários, sem investidas de revisão das estruturas tarifárias vigentes, a meta de universalização pode ficar ainda mais distante.

 

Frederico Turolla
É Doutor e Mestre em Economia de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas – SP (2005, 1999), com intercâmbio em International Economics and Finance pela Brandeis University.
Rafael Véras
É Professor do LLM em Infraestrutura e Regulação da FGV Direito Rio. Doutorando e Mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio.

 

 

3 novidades que você não pode perder em agosto

O mês do advogado está chegando e você precisa se preparar para aproveitar ao máximo as oportunidades imperdíveis de agosto na FÓRUM.

Veja abaixo como os próximos 30 dias podem surpreender você:

Personalize suas obras de interesse

Levamos a sério a sua opinião e queremos saber: quais livros não podem faltar no dia a dia do advogado? Sejam eles nas áreas do Direito Administrativo, Civil, Constitucional, Eleitoral, Ambiental e diversos outros, conte-nos neste formulário (fácil e rápido de responder) as obras que ainda faltam na sua biblioteca. Quem sabe as obras que você mais deseja não entram na promoção do mês? 

>>Acesse o formulário aqui

Leia mais

Conheça 9 livros lançados em julho com grandes temas do Direito

7 livros de Direito Administrativo para comprar no Mês do Advogado FÓRUM

7 livros de Direito Civil para comprar com descontos no ‘Mês do Advogado’

Agosto repleto de ofertas

A segunda boa notícia é que no mês do advogado faremos diversas ações e ao longo desses 30 dias você terá descontos semanais, frete grátis e sorteio com o melhor conteúdo jurídico disponível no mercado. Acompanhe nossos canais e prepare-se para não perder as melhores oportunidades!

Seja um autor da FÓRUM

Para finalizar as novidades, o edital para publicação de novos livros na FÓRUM será divulgado mais cedo este ano. No dia 1° de agosto abriremos a seleção em nosso site com todas as regras para você enviar sua proposta.

O edital abre as portas para novos estudos e escritores, como forma de multiplicar o conhecimento jurídico de qualidade. 

Para a seleção serão consideradas obras de interesse profissional, acadêmico e cultural na área do Direito e ciências afins. Nesta nova chamada, o edital com todas as informações e critérios exigidos abrange as publicações para o biênio 2023-2024. 

Cada autor poderá submeter até duas obras, e, para a seleção, serão priorizados aspectos como a variedade de áreas, temas e correntes de pensamento abrangidos pelo catálogo da editora, que reforcem, sobretudo, a vocação da FÓRUM como “local de diversidade de ideias e discussão construtiva do conhecimento jurídico”.

>>Acompanhe as notícias no site da FÓRUM e aguarde o edital completo

A Telemedicina Inteligente e a nova Resolução n.º 2.314/2022 do CFM | Coluna Direito Civil

Coluna Direito Civil

As breves reflexões ora expostas tiveram como base o artigo intitulado
“Os Impactos da Inteligência Artificial na Telemedicina”, que está no prelo.

 

 

A área da saúde tem sofrido fortemente os impactos dos avanços biotecnológicos, da tecnologia, da informática, da inteligência artificial e dos novos meios de comunicação. Com isso, a prestação de serviço médico e a interação entre médicos e pacientes ganham novos formatos.[1] Transmuda-se o atendimento médico presencial para a consulta virtual, com o uso da Telemedicina,[2] [3] sem, contudo, eliminá-lo, até porque ele ainda é considerado o padrão ouro de referência para a Medicina.[4]

Na era da inteligência artificial, presente em aplicativos de celular, smartphones, softwares, robôs capazes de processar dados clínicos permitidos pelo Big Data, modificam-se os processos de conclusão de diagnósticos, tornando possível a predição de doenças, o monitoramento dos pacientes em tempo real, o auxílio nos processos decisórios de internação, na definição da dosagem de medicamentos, pesquisas clínicas e na maior precisão dos tratamentos médicos. Tudo em prol de um cuidado eficaz e eficiente da saúde humana.[5]

A pandemia da Covid-19 propiciou a ampliação da Telemedicina,[6] em razão da necessidade de manter o atendimento médico, a preservação e a promoção da saúde em meio a medidas adotadas pelos governos de distanciamento e isolamento social, a fim de evitar o deslocamento, a superlotação de hospitais e, com isso, o colapso do sistema de saúde diante do alto grau de contágio da doença decorrente da transmissibilidade do coronavírus.

A inteligência artificial foi um instrumento que facilitou a realização do diagnóstico de Covid-19, permitiu o controle dos pacientes em suas residências, e ajudou a decidir se os que estavam hospitalizados seriam encaminhados para a internação em unidade de terapia intensiva (UTI),[7] verificando os riscos de necessidade de ventilação mecânica e risco de morte por meio de uma análise algorítmica.[8] Na Telemedicina, ela permitiu, ainda, a vigilância de saúde pública, o controle e o monitoramento em tempo real dos surtos epidêmicos, suas projeções e previsão de tendências, instruções e atualizações regulares da situação de instituições públicas e informações de utilização de unidades de saúde,[9] o uso de aplicativos em ambiente móvel/web, como o chatbot, com o objetivo de orientar e informar, de forma automática, o cidadão com dúvidas relacionadas à COVID-19 e/ou avaliar seu estado de saúde.[10] Foram avanços importantes que só tendem a aumentar cada vez mais, em um processo de desenvolvimento e aprimoramento constantes, mostrando uma nova Telemedicina, e que podemos chamar de “Telemedicina Inteligente”, com o aumento de cientistas da computação e profissionais da saúde que desenvolvem programas de pesquisas e estudos em uma nova área chamada Inteligência Artificial em Medicina (IAM).

Todavia, apesar do desenvolvimento de novas ferramentas de comunicação entre médicos e pacientes, o auxílio da inteligência artificial, as normas deontológicas sempre foram restritas quanto ao uso da Telemedicina, além de não haver lei específica sobre o tema.

A existência de um vácuo normativo e da falta de regulação direta da Telemedicina[11] e até mesmo quanto às novas ferramentas, como a inteligência artificial,[12] geram muitas incertezas para os profissionais que não sabem quais são os limites de sua atuação e os casos que podem acarretar responsabilidade ética, administrativa, civil e, quiçá, criminal. O mesmo ocorre com os pacientes, que precisam compreender esse novo formato, os seus direitos e a maneira de garantir a segurança dos seus dados, imagem e confiança no diagnóstico, muitas vezes delegados à inteligência artificial.

A primeira lei que tratou da Telemedicina no Brasil, a Lei n.º 13.989/2020, foi editada em meio à pandemia da Covid-19 e de forma transitória, com aplicação enquanto durar a crise ocasionada pelo coronavírus (SARS-CoV-2), e, após esse período, restou estabelecido que caberá ao Conselho Federal de Medicina (CFM) regular o tema (art. 6º).[13] [14] Após longa fase de discussão pela Comissão Especial do CFM, foi editada Resolução n.º 2.314/2022, do CFM, que define e regulamenta a Telemedicina como forma de serviços médicos por tecnologias de comunicação. Tanto a Lei n.º 13.989/2020, quanto a Resolução  n.º 2.314/2022, do CFM, foram posteriores à expedição de alguns regulamentos que se fizeram necessários para melhor orientar os agentes de saúde em meio à pandemia, tal como o Ofício CFM n.º 1.756/2020,[15] que permitiu, de forma restrita e enquanto durar o combate ao contágio da COVID-19, algumas modalidades de serviço médico à distância, tais como a teleorientação, o telemonitoramento e a teleinterconsulta. Em seguida, a Portaria n.º 467, de 20 de março de 2020,[16] emitida pelo Ministério da Saúde, que previu, em caráter excepcional e temporário, a interação à distância por meio de atendimento pré-clínico, suporte assistencial, consulta, monitoramento e diagnóstico pelo uso de tecnologia da informação e comunicação, no âmbito do SUS, bem como na saúde suplementar e privada.[17] Posteriormente, os Conselhos Regionais de Medicina passaram a editar suas próprias resoluções, como ocorreu, a título de exemplo, com a publicação, em março de 2020, da Resolução CRM-DF n.º 453/2020,[18] e da Resolução CREMERJ n.º 305/2020.[19]

A Resolução n.º 2.314/2022, do CFM, traz um conceito de Telemedicina atrelado ao uso de tecnologia digital, informação e comunicação para assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões, gestão e promoção de saúde (art. 1º) em território nacional, que pode ocorrer de forma real on-line (síncrona)  ou  off-line  (assíncrona) e elenca sete modalidades: Teleconsulta; Teleinterconsulta; Telediagnóstico; Telecirurgia;[20] Telemonitoramento ou Televigilância; Teletriagem; e Teleconsultoria, todas definidas, respectivamente nos arts. 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12.

A norma deontológica visa assegurar os direitos dos pacientes que ficam mais expostos em razão dos riscos do atendimento à distância, das tecnologias de comunicação e dos meios digitais. Destacam-se os direitos referentes aos cuidados de sua saúde, física e psíquica; o direito à integridade das informações; à proteção de seus dados pessoais e sensíveis, clínicos, imagem; ao sigilo e confidencialidade; à privacidade; a solicitar e receber cópia em mídia digital e/ou impressa dos dados de seu registro; a optar pela interrupção do atendimento à distância, assim como pela consulta presencial.

Da mesma forma, garante os direitos dos médicos, aos quais são assegurados a liberdade profissional e o pleno exercício da autonomia, podendo optar por quaisquer das formas de atendimento, desde que observe os princípios bioéticos, inclusive, os da beneficência e não maleficência para realizar a escolha pelo atendimento virtual, podendo interromper o atendimento à distância (arts. 4º, 3º, parágrafo 8º), e o direito de receber os honorários pelo atendimento prestado (art. 16, parágrafo único). Quanto ao médico assistente, é assegurado o acesso aos dados do paciente.   Ganha relevo na Resolução n.º 2.314/2022, do CFM, as orientações acerca das instruções de segurança, manejo, armazenamento dos dados dos pacientes (pessoais, clínicos, anamnese, propedêuticos, resultados de exames etc.) com registro no prontuário físico ou pelo uso de Sistema de Registro Eletrônico de Saúde – SRES, com a possibilidade de ocorrer a interoperabilidade, intercambialidade entre sistemas, desde que haja a garantia de confidencialidade, privacidade e integridade dos dados, observado o Nível de Garantia de Segurança 2 para os prontuários;[21] e o padrão de infraestrutura de Chaves-públicas para assinatura digital qualificada ou outro permitido em lei. Ademais, deve o médico obter o consentimento livre e esclarecido do paciente ou representante legal, seja quanto ao ato médico, à modalidade de Telemedicina e suas particularidades (Lei n.º 12.842/2013 e Resolução n.º 1.627/2001), seja quanto ao tratamento dos dados pessoais e sensíveis, como transmissão de dados e imagem, observado o disposto na Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n.º 13.709/2018), o que pode se dar por meios eletrônicos ou de gravação de leitura, fazendo parte do SRES do paciente (art. 15).

A responsabilidade pelos dados que o médico responsável pelo atendimento em consultório próprio ou que o diretor responsável técnico da empresa ou instituição possui, até por deter a guarda, pode ser compartilhada com terceiros contratados para arquivamento (artigo 3º, parágrafos 2º e 3º).

A Resolução n.º 2.314/2022, do CFM, dissipa algumas dúvidas decorrentes da ausência de previsão expressa e até divergências entre resoluções dos Conselhos Regionais de Medicina como, por exemplo, a possibilidade de a primeira consulta ser virtual (Resolução n.º 305/2020, do CREMERJ),[22] observadas as condições técnicas e físicas, ressalvando o prosseguimento na forma presencial. Além disso, determina o uso de mecanismos, protocolos rígidos e instrumentos necessários para registrar dados, informações em prontuários e agir com segurança no manejo, armazenamento e eliminação de dados dos pacientes na era digital. Por fim, cabe ressaltar o disposto no art. 17, que estabelece que as pessoas jurídicas que prestam serviços de Telemedicina, inclusive as plataformas de comunicação e arquivamento de dados, deverão ser estabelecidas em território nacional e estar inscritas no Conselho Regional de Medicina do Estado em que estão sediadas, com o médico responsável técnico também inscrito no mesmo conselho, a fim de propiciar a fiscalização.

A Telemedicina Inteligente, apesar de trazer consigo diversas vantagens na assistência à saúde, também apresenta riscos que podem colocar em xeque direitos humanos fundamentais, tais como a saúde, a integridade psicofísica, a privacidade, a proteção de dados pessoais, a autonomia existencial corporal e informacional, entre outros, nessa era cibernética.

A Telemedicina e todos os seus desdobramentos éticos e jurídicos devem ser interpretados à luz do ordenamento jurídico, da legalidade constitucional e de todo o arcabouço normativo envolvido, princípios bioéticos e constitucionais, guias de boas práticas e toda a legislação aplicável, que parte desde o Código Civil que regula os direitos da personalidade, os negócios jurídicos, o instituto da responsabilidade civil, como o Código de Defesa do Consumidor,[23] a Lei n.º 12.965/2014 (marco civil internet), a Lei n.º 13.709/2018 (LGPD), e regras específicas como a Lei n.º 12.842/2013 (exercício da Medicina), a Lei n.º 12.842/2013 (ato médico), a Lei n.º 13.787/2018 (prontuário) etc.

Caberá ao operador do Direito a difícil tarefa de melhor conduzir a hermenêutica em prol da tutela da pessoa humana, dos pacientes e médicos, principais atores dessa nova situação jurídica existencial virtual.

 


Paula Moura Francesconi de Lemos Pereira
Doutora e mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Especialista em Advocacia Pública pela PGE-CEPED-UERJ. Especialista em Direito Médico pela Universidade de Coimbra-PT. Pós-graduanda em Direito da Medicina e Pós-graduanda em Direito da Farmácia e do Medicamento pela Universidade de Coimbra-PT. Professora do Instituto de Direito da PUC-Rio. Membro da Comissão da OAB-RJ de Órfãos e Sucessões. Coordenadora Adjunta de Direito Civil da ESA-RJ. Advogada.

 

 

Notas
[1] C.f. PEREIRA, Paula Moura Francesconi de Lemos. O uso da internet na prestação de serviços médicos. In: MARTINS, Guilherme Magalhães; LONGHI, João Victor. (Org.). Direito digital: direito privado e internet. 2. ed. São Paulo: FOCO, 2019, v. 1, p. 392-432.
[2] O art. 3º da Lei n.º 13.989, de 15 de abril de 2020, que dispõe sobre o uso da telemedicina durante a crise causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2), define a Telemedicina: Art. 3º Entende-se por telemedicina, entre outros, o exercício da medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde.
[3] A Telemedicina é definida pela Declaração de Telavive adotada pela 51ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial em Telavive, Israel, de outubro de 1999, como “o exercício da medicina à distância, cujas intervenções, diagnósticos, decisões de tratamentos e recomendações estão baseadas em dados, documentos e outra informação transmitida através de sistemas de telecomunicação.” Declaração de Tel Aviv sobre responsabilidade e normas éticas na utilização da telemedicina. (Adotada pela 51ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial em Tel Aviv, Israel, em outubro de 1999). Conceito extraído do Ponto “1”. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/codetica/medica/27telaviv.html#:~:text=6.,m%C3%A9dica%2C%20nunca%20devem%20ser%20comprometidos.&text=7.,a%20rela%C3%A7%C3%A3o%20individual%20m%C3%A9dico%2Dpaciente. Acesso em: 12 jun. 2022.
[4] Resolução n.º 2.314/2022, do CFM, considerandos, art. 6, parágrafo 1º, exposição de motivos.
[5] C.f. PEREIRA, Paula Moura Francesconi de Lemos; SCHULMAN, Gabriel. Futuro da saúde e saúde do futuro: impactos e limites reais da inteligência artificial. In: TEPEDINO, Gustavo; SILVA, Rodrigo da Guia. (Org.). O Direito Civil na era da Inteligência Artificial. 1ªed.São Paulo: Thomson Reuters, 2020, v. , p. 165-182.
[6] C.f. PEREIRA, Paula Moura Francesconi de Lemos; TERRA, Aline de Miranda Valverde. Telemedicina no sistema privado de saúde: quando a realidade se impõe. Migalhas, 19 mar. 2020.
[7] “Em março de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia de Covid-19, doença causada pela SARS-Cov-2. A infecção pelo vírus resulta em uma síndrome que leva, em alguns casos, a uma condição respiratória de cuidados intensivos, que muitas vezes requer manejo especializado em unidades de terapia intensiva (UTIs). Com a ajuda de Inteligência Artificial (IA) e uma equipe multidisciplinar, o professor da Escola de Medicina da PUCRS e pesquisador do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (InsCer), Bruno Hochhegger está desenvolvendo um método que deve estimar a quantidade de leitos necessários para pacientes com a doença.” Disponível em: https://www.pucrs.br/blog/inteligencia-artificial-ajuda-a-estimar-quantos-leitos-sao-necessarios-na-pandemia/ Acesso em:  29 abr. 2022.
[8] Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/inteligencia-artificial-pode-prever-diagnostico-de-covid-19/ Acesso em: 04 abr. 2022.
[9] Na China a tecnologia 5G foi utilizada para consultas remotas, monitoramento remoto e até mesmo cirurgias realizadas por médicos que estão em outros países em pacientes localmente. Disponível em: https://www.maxeletron.com.br/artigo/tecnologia-5g-e-usada-em-meio-a-pandemia-do-corona-virus. Acesso em 28 abr. 2022.
[10] “Desenvolvido por uma equipe de médicos e profissionais de tecnologia da informação do Centro de Telessaúde do Hospital das Clínicas da UFMG, o chatbot é um aplicativo em ambiente móvel/web que utiliza árvore de decisão baseada em evidências e inteligência artificial com o objetivo de orientar e informar, de forma automática, o cidadão com dúvidas relacionadas à COVID-19 e/ou avaliar seu estado de saúde.” Disponível em: https://telessaude.hc.ufmg.br/chatbot-sobre-a-covid-19-desenvolvido-pelo-telessaude-hc-ufmg-e-destaque-na-midia/ Acesso em: 29 abr. 2022.
[11] Está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n.º 1998/2020, que regulamenta a prática da Telemedicina após a pandemia. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2249925 Acesso em: 29 abr. 2022.  No Senado Federal está em tramitação o Projeto de Lei n° 4223, de 2021, que dispõe sobre as ações e serviços de telessaúde. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/151048#tramitacao_10227598 Acesso em: 29 abr. 2022.
[12] Está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n.º 1998/2020, que regulamenta a prática da Telemedicina após a pandemia. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2249925 Acesso em 29 abr. 2022.  No Senado Federal está em tramitação o Projeto de Lei n° 4223, de 2021, que dispõe sobre as ações e serviços de telessaúde. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/151048#tramitacao_10227598 Acesso em 29 abr. 2022.
[13] Art. 6º Competirá ao Conselho Federal de Medicina a regulamentação da telemedicina após o período consignado no art. 2º desta Lei.
[14] PORTARIA GM/MS N.º 913, DE 22 DE ABRIL DE 2022 – Declara o encerramento da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus (2019-nCoV) e revoga a Portaria GM/MS n.º 188, de 3 de fevereiro de 2020.
[15] Disponível em: http://portal.cfm.org.br/images/PDF/2020_oficio_telemedicina.pdf Acesso em: 20 mar. 2020.
[16] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Portaria/PRT/Portaria%20n%C2%BA%20467-20-ms.htm. Acesso em: 20 mar. 2020.
[17] A Portaria n.º 467/2020 do MS esclarece sobre a importância em obter o consentimento do paciente, garantir o sigilo dos dados do paciente, realizar o registro em prontuário, além de elencar os elementos que devem conter a receita e atestados médicos realizados por meio eletrônico. Ressalta, ainda, a obrigatoriedade de obter do paciente o consentimento em caso de adoção de medida de isolamento e termo de declaração contendo a relação das pessoas que residam com o paciente, em observância à Portaria n.º 356 GM/MS, de 11 de março de 2020 e  à Portaria n.º 454/GM/MS, de 20 de março de 2020.
[18] Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/DF/2020/453. Acesso em: 20 mar. 2020.
[19] Disponível em: https://www.cremerj.org.br/resolucoes/exibe/resolucao/1435. Acesso em: 29 mar. 2020.
[20] Resolução CFM n.º 2.311, de 23 de março de 2022, que regulamenta a cirurgia robótica no Brasil.
[21] Aplicam-se aos prontuários as seguintes normas: Lei n.º 13.787, de 27 de dezembro de 2018, que dispõe sobre a digitalização e a utilização de sistemas informatizados para a guarda, o armazenamento e o manuseio de prontuário de paciente; a Resolução CFM n.º 2.299/2021, que regulamenta, disciplina  e normatiza a   emissão  de documentos médicos eletrônicos; Resolução CFM n.º 1.821/2007, modificada pela Resolução CFM n.º 2.218/2018, que aprova as normas técnicas concernentes à digitalização e uso dos sistemas   informatizados   para   a   guarda   e manuseio dos documentos dos prontuários dos pacientes, autorizando   a   eliminação   do   papel   e   a   troca   de informação identificada em saúde, entre outras.
[22]Disponível em: https://www.cremerj.org.br/resolucoes/exibe/resolucao/1435. Acesso em: 29 mar. 2020.
[23] A aplicação do Código de Defesa do Consumidor encontra restrição por parte da doutrina, e o Código de Ética Médica prevê no Capítulo I, sobre direitos fundamentais: “ XX – A natureza personalíssima da atuação profissional do médico não caracteriza relação de consumo.”