Saneamento básico: recomeçar ou continuar? | Coluna Saneamento: Novo Marco Legal

 

Normalmente as mudanças de governantes e governos trazem esperanças, expectativas, preocupações e/ou apreensões. Atualmente e, talvez, como nunca – quem sabe movidas pela força das mídias sociais –, as histórias que misturam esperanças e apreensões numa mesma tênue linha a separar a prudência da precipitação, deixam sob riscos a possibilidade de se avançar em busca do melhor para a sociedade.

A Lei Federal nº 14.026/2020 – novo marco regulatório do saneamento – e seus decretos regulamentadores provocaram no setor de saneamento um abalo que não era visto desde a época do PLANASA. Mesmo no final da década de 90, quando se desejou incluir o setor nas privatizações, como se deu com os setores de telecomunicações e energia elétrica, ainda não foi então que o saneamento foi instado a, efetivamente, modificar o modelo das Companhias Estaduais de Saneamento, cuja vida útil já se encontrava visivelmente comprometida e carente de inovação.

Hoje, ouve-se com frequência histórias e comentários sobre o que o Governo Lula, recém-eleito, fará, faria o deveria fazer em relação ao setor. Salvo engano, nada foi oficialmente divulgado até o momento sobre a revogação de decretos, propostas de alterações radicais na lei ou a suspensão de estudos em andamento. Porém, nada mais natural que um novo Governo, seja qual for, estabelecer seu ritmo e modelo de gestão, notadamente ao se tratar de um processo cujo objetivo final pareceu ser extinguir as Companhias Estaduais, levando o setor privado a assumir o quase monopólio nacional daquelas Companhias.

Ora, desde 2020, nem tanto pelo novo marco mas também por ele, os municípios, as Companhias Estaduais e as empresas privadas – e acrescente-se a ANA a este grupo –, foram envolvidos num turbilhão de novas atividades, processos e mudanças institucionais que provocaram alterações de fato e abriram espaço para outras formas de inovação gerencial e cultura organizacional. Contratar e desenvolver estudos para encontrar novos caminhos à luz do novo marco, movimentou e movimenta a maioria desses atores envolvidos.

Um processo que provocou tantas discussões e reações, certamente mereceria – e, salvo melhor juízo, merece – ajustes fosse qual fosse o Presidente eleito. Até pode-se perguntar: Já? Tão cedo? Certamente que sim. Afinal, tudo que aconteceu até agora não pode se resumir a festejar outorgas como se essas representassem o sucesso do novo marco ou modelo de gestão. A nova lei colocou nos ombros e nas cabeças dos Governos Estaduais, a responsabilidade de fiscalizar, regular e gerenciar conselhos de municípios de modo bem diverso do simples “toma lá, dá cá”, transformando o Governo Federal em avalista e fiador dos modelos implantados.

Nesse sentido, por exemplo, é preciso acompanhar o que acontece em Alagoas onde em menos de 2 anos a Região Metropolitana de Maceió terá cerca de 25% de reajuste tarifário acumulado e no Rio de Janeiro, onde o Governo do Estado definiu um reajuste menor que o que seria resultante da fórmula contratual. Quais os reais impactos dessas medidas aos usuários, aos concessionários e contratos? Ademais, quais impactos esses novos modelos tiveram à qualidade da prestação dos serviços públicos de saneamento e atendimento da população?

Recomeçar a discussão e voltar a 2017, seria muito menos produtivo para a sociedade do que dar continuidade ao debate a partir de fatos concretos e dos modelos diversos que já pontuam o mercado, atentando para focos essenciais do novo marco como: regionalização, regulação, modicidade tarifária e sustentabilidade dos contratos/serviços.

Se o objetivo é universalizar, inclusive sob a melhor forma de atingir esta meta de acordo com as desigualdades e diferenças entre municípios, a hora é de evitar conjugar o verbo recomeçar e professar o continuar.

Seguir adiante visando colaborar, contribuir, integrar e fortalecer como formas de aperfeiçoar um modelo, que vem sendo ao longo do tempo corroído por certa autofagia administrativa que preferiu sustentar status quo a romper paradigmas deveria ser a meta de curto prazo. Como já ponderei em textos anteriores, vai longe o tempo em que o Brasil precisou conhecer e “copiar” exemplos de outros países. Já há bons e maus exemplos de sobra em nosso país, com aprendizados suficientes para que se estabeleçam modelos sustentáveis e justos.

Apesar de o Governo Federal não exercer o papel de poder concedente ou de titular, reconhece-se que a condução do novo marco legal foi fortemente influenciada pelo poder executivo federal. Agora é hora de lançar um novo olhar sobre o que já está iniciado, em andamento e planejado para se continua a buscar o melhor para toda a sociedade. O desafio é muito grande. O tempo, muito curto. Dar continuidade a algo pode ser uma forma de aperfeiçoamento, caso assim realmente se deseje e sejam envidados os esforços necessários.

 

Álvaro Menezes da Costa é Mestre em Recursos Hídricos e Saneamento,
Especialista em Aproveitamento de Recursos Hídricos (Universidade Federal de Alagoas – UFAL) e
Water supply enginnering II (Japan International Cooperation Agency – Tokyo)

 

Relembre os artigos mais lidos

Os cinco artigos mais lidos da Coluna Saneamento: Novo Marco Legal em 2022 estão reunidos em uma coletânea disponível para download em formato de e-book. Nele você poderá conferir artigos sobre a Lei nº 14.026/2020 e seus impactos em diversos contextos.

 

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Da “concorrência sucessória” entre cônjuge e companheiro sobreviventes: a necessidade de uma interpretação sistemática dos efeitos da separação de fato na sucessão legítima

Coluna Direito Civil

Com o advento da morte, algumas relações jurídicas se extinguem, enquanto outras subsistem, desencadeando, quanto a estas últimas, uma mudança na relação jurídica de domínio, passando os sucessores a assumirem a titularidade quanto ao acervo patrimonial deixado pela pessoa falecida.

A transferência dos direitos de herança pode se dar por meio de critérios estabelecidos pelo legislador (sucessão legítima), que convoca a herdar certas pessoas que integram o núcleo familiar do falecido, ou em razão da expressa manifestação de vontade do titular do patrimônio (sucessão testamentária), nos limites e formas admitidas em lei.

Quanto à sucessão legítima, a atribuição da herança foi organizada por meio da ordem de vocação hereditária prescrita no art. 1.829 do Código Civil de 2002, no qual se estabelece um chamamento sequencial e excludente, de preferências e substituições, definindo entre os qualificados como herdeiros legítimos do de cujus quem pode sucedê-lo segundo a precedência nessa ordem.

Dentre os herdeiros legítimos estão o cônjuge e o companheiro sobrevivente, que podem ser chamados à suceder em concorrência com os descendentes, a depender do regime de bens adotado no casamento ou na união estável, assim como da origem dos bens da heranças (inciso I); na falta de descendentes, o cônjuge ou o companheiro sobrevivente serão convocados a concorrer com os ascendentes (inciso II); e, não havendo descendentes e ascendentes, o cônjuge ou o companheiro sobrevivente herdará a totalidade da herança (inciso III).

Acontece que, além dos critérios definidos na ordem de vocação hereditária, o art. 1.830 do Código Civil de 2002 estabelece certas condições para que o cônjuge sobrevivente seja reconhecido como herdeiro na sucessão legítima. Vejamos:

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.[1]

De início, o dispositivo exclui a legitimidade sucessória do cônjuge separado judicialmente, o que engloba, por certo, a situação da pessoa separada extrajudicialmente, em face da alteração promovida pela Lei nº 11.441/2007, na medida em que, em ambas as situações, há dissolução da sociedade conjugal. Na esteira desse entendimento, também se afasta o direito à sucessão da pessoa divorciada, ante ao rompimento da relação jurídica matrimonial e ao novo status familiar dele decorrente. Em se tratando de casamento declarado nulo ou anulável, a atribuição do direito à herança estará condicionada à verificação do momento da declaração da invalidade do casamento e da presença ou não de boa-fé de um ou de ambos os cônjuges. Isso porque, falecendo um dos cônjuges após o reconhecimento da nulidade ou da anulabilidade do casamento, a sentença declaratória terá promovido a alteração do estado civil dos cônjuges para solteiro(a), o que o deslegitima a suceder, mas se o óbito se der no curso da ação de invalidade, será preciso identificar o elemento da boa-fé em relação ao cônjuge sobrevivo a fim de lhe reconhecer direitos sucessórios, em face dos efeitos ex nunc da sentença em relação a este, ao contrário do que ocorre em caso de má-fé, pois os efeitos civis do matrimônio não lhe aproveitarão, o que inclui o direito à sucessão (art. 1.561, § 2º do CC).

Por derradeiro, será reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se não se encontrava separado de fato há mais de dois anos à época da abertura da sucessão, salvo prova, neste caso, de não ter sido ele(a) o(a) culpado(a) por esta separação. A separação de fato ocorre quando cessada a convivência conjugal ou, como ensina Paulo Nader, “quando os cônjuges, sem qualquer formalização, passam a levar vidas paralelas”.[2]

Dissolvida a comunhão de vidas, ainda que pendente a chancela estatal, findo deveria estar o casamento e os efeitos dele decorrentes, pois, como ensina Conrado Paulino da Rosa, “falida a afetividade, não há que se reclamar direito sucessório”.[3] De acordo com o art. 1.830 do Código Civil de 2002, porém, a mera separação de fato não é causa suficiente para afastar o direito sucessório do cônjuge sobrevivente, tendo o legislador projetado o seu direito à herança para além da vida em comum do casal. Assim, mesmo diante da ausência de realidade fática da relação familiar, mediante a investigação de critério objetivo (lapso temporal) ou subjetivo (culpa) ainda será possível atribuir direito hereditário ao cônjuge sobrevivente.

No que diz respeito ao requisito temporal para fins de atribuição de direito sucessório ao cônjuge supérstite separado de fato, alerta Paulo Lôbo sua relação com a redação originária do § 6º do art. 226 da Constituição Federal de 1988, pois “se a dissolução voluntária do casamento dependia do requisito prévio de dois anos de separação de fato, este mesmo tempo deveria ser considerado para fins de extensão dos direitos sucessórios do cônjuge separado”.[4] Acontece que, desde a promulgação da Emenda Constitucional 66/2010, que extinguiu qualquer requisito temporal para promoção do divórcio, a exigibilidade de prazo maior de dois anos de separação de fato para a deslegitimação do direito à herança do cônjuge sobrevivente passou a ser bastante questionada.

Ademais, o dispositivo ainda possibilita a atribuição de herança ao cônjuge sobrevivente mesmo que a morte do parceiro ocorra após dois anos da separação de fato do casal, mediante a discussão de culpa pela ruptura da vida em comum, o que Rolf Madaleno denominou de “culpa mortuária ou funerária”.[5] Com relação a esse pressuposto da “não culpa” do cônjuge sobrevivente, não significa que o morto tenha sido, necessariamente, o culpado exclusivo pela separação de fato ou que tenha havido culpa nesta, pois pode ser o caso de nenhum dos dois ter sido culpado do rompimento da vida em comum.

A perquirição da culpa na separação de fato em sede de direito sucessório, não obstante, também recebe severas críticas, seja pelo fato de a Emenda Constitucional 66/2010 ter abolido qualquer requisito motivacional para promoção do divórcio, mas, especialmente, pela sua incompatibilidade com a natureza do inventário, que não comporta matéria de alta indagação, assim como pelo problema enfrentado em relação ao ônus da prova, pois, como bem destaca Rolf Madaleno “o falecido não estará mais no mundo dos vivos para atestar a presença de sua culpa ou não”.[6]

O que se percebe é que o sistema sucessório organizado pelo legislador brasileiro se encontra estreitamente conectado à noção de família, e que esta surge associada e convive, por séculos, à ideia de casamento, o que somente veio a ser alterado após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que consagrou a dignidade da pessoa humana como fundamento da República (art. 1º, II), estabelecendo a proteção na pessoa de cada um dos componentes que integram a entidade familiar (art. 226, § 8º) e o pluralismo de modelos deste núcleo de afeto e solidariedade (art. 226, §§ 1º, 3º e 4º), fazendo com que a família passasse a ser compreendida como instrumento de promoção do desenvolvimento da personalidade de seus membros. Acontece que, como adverte Ana Luiza Maia Nevares, “o Código Civil de 2002 não foi pensado (rectius, concebido) na perspectiva plural das entidades familiares”.[7]

Acontece que, como acentua Pietro Perlingieri, o juízo de valor de uma entidade familiar diante do ordenamento jurídico, que a torna merecedora de especial proteção, diz respeito, sobretudo, às relações “afetivas que se traduzem em uma comunhão espiritual e de vida”.[8] Por esta razão, este artigo defende a necessidade de um novo olhar para o Direito das Sucessões, no sentido de tutelar a família instrumento, fazendo com que o direito à herança na sucessão legítima não esteja exclusivamente assentado num status familiar, mas aliado também a uma realidade fática que promova a efetiva proteção dos seus membros.

O novo conceito de família atribui como fundamento básico do casamento a união afetiva e comunhão de interesses morais e patrimoniais entre as pessoas casadas, o que, por consequência, também deveria emprestar suporte fático e jurídico à legitimação sucessória entre os cônjuges, ou seja, somente deveria ser reconhecido direito sucessório na persistência de um projeto conjugal ao tempo da morte de um dos consortes. Acontece que, entre casais separados de fato não há que se falar em comunhão de vidas e espíritos, na medida em não existe mais afeto e solidariedade mútuos, o que não deveria conferir-lhes legitimidade para reclamarem a condição de herdeiros reciprocamente.[9]

Assim, o resquício de um casamento consubstanciado em um mero vínculo registral não deveria ter, por si só, a força de gerar efeitos jurídicos, desprezando-se, por completo, a realidade fática da ruptura da vida em comum. Em outras palavras, a separação de fato deveria repercutir na esfera do direito sucessório, a fim de afastar a legitimidade do cônjuge sobrevivente, independentemente do tempo de separação ou da circunstância que levou ao desfazimento da sociedade conjugal.

O prolongamento da legitimidade sucessória do cônjuge sobrevivente disciplinada no art. 1.830 do Código Civil de 2002 contrasta ainda mais com uma interpretação constitucionalizada da família instrumento e dos direitos dela decorrentes se, já separado de fato, o cônjuge falecido estiver vivendo em união estável com um novo parceiro de vida no momento da abertura da sua sucessão. Afinal, o reconhecimento de uma união estável antes de findo o biênio da separação de fato ou com parceiro que deu causa ao rompimento da vida em comum no casamento pode levar o de cujus à dupla condição de cônjuge de uma pessoa e companheiro de outra, acarretando um conflito sucessório de “concorrência” entre cônjuge e companheiro sobreviventes, situação para a qual a Lei Civil não oferece solução.

Esta situação, no entanto, apenas reforça que a legitimidade sucessória deveria ser atribuída somente à pessoa que mantivesse plena comunhão de vida no momento do falecimento do parceiro, ainda que persistente uma mera reminiscência cartorial do casamento, na medida em que entre os cônjuges só subsiste a família na certidão de casamento. Neste sentido, a constituição de uma nova entidade familiar após a separação de fato das pessoas casadas, acaba por demonstrar, de forma inequívoca, que os laços de afetividade entre os cônjuges já estão concretamente desfeitos, inexistindo fundamento para a tutela sucessória do sobrevivente.

Pensar em permitir que o direito à herança do cônjuge supérstite prevaleça sobre o do companheiro sobrevivente ou que estes venham a dividir a herança do morto entre si e também ainda com outros parentes deste (descendentes e ascendentes) é chancelar o enriquecimento sem causa do cônjuge sobrevivente, em desatendimento ao previsto nos art. 884 a 886 do Código Civil de 2002,[10] pois, como salienta Rolf Madaleno, “não existem duas viúvas”.[11]

De lege ferenda, Zeno Veloso defendia a exclusão do prazo de separação de fato e da averiguação da culpa pelo rompimento da vida em comum, a fim de determinar o afastamento do cônjuge sobrevivente – separado de fato – da sucessão do outro.[12] O que aqui propomos, por sua vez, é o reconhecimento da deslegitimação do cônjuge sobrevivente separado de fato, de lege data, a partir de uma interpretação constitucionalizada da família instrumento, protegendo-se, unicamente, o núcleo familiar que represente a efetiva comunhão de vidas no momento da abertura da sucessão.

Acrescente-se, ainda, a necessidade de uma interpretação sistemática acerca da temática, com vistas a dar coerência e unidade ao ordenamento jurídico. Assim, a norma jurídica do art. 1.830 do Código Civil de 2002 não pode ser vista de forma isolada, na medida em que o Direito existe como sistema, de forma ordenada e com certa sincronia, a partir da diretriz axiológica da Constituição Federal de 1988, mas também em relação às demais normas jurídicas.

Por esta razão há que se considerar também que, em relação ao próprio Código Civil de 2002, o art. 1.830 entra em conflito com diversos outros dispositivos, além do já citado art. 1.723, § 1º, que admite o reconhecimento da união estável entre pessoas casadas, desde que separadas de fato, não se exigindo qualquer prazo para configuração desta nova entidade familiar.

Neste sentido, o art. 1.797 estabelece a quem cabe a administração da herança até o compromisso do inventariante, colocando em primeiro lugar “o cônjuge ou companheiro, se com o outro conviva ao tempo da abertura da sucessão” (grifo nosso).[13] Assim, na circunstância de haver cônjuge e companheiro sobrevivos e legitimados a suceder nos termos do art. 1.830 do Código Civil de 2002, a separação fática do primeiro afasta a possibilidade de sua nomeação ao cargo de administrador provisório, que caberá ao companheiro sobrevivente que, com o autor da sucessão, vivia em comunhão de vidas no momento de seu óbito, não havendo que se falar em qualquer espécie de “concorrência” entre tais sucessores no exercício desta função.

É importante também destacar que o Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 617, determina a ordem na qual o juiz nomeará inventariante, indicando em primeiro lugar “o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste” (grifo nosso).[14] Destaque-se que o inventariante não é, necessariamente, aquela pessoa a quem coube a administração provisória da herança. As suas funções tem início após o compromisso e se estendem até o trânsito em julgado da partilha, momento em que é cessada a comunhão hereditária e a propriedade sobre os bens da herança devidamente individualizada. Neste intervalo, o inventariante representa o espólio ativa e passivamente em juízo (art. 75, VII do CPC) e também extrajudicialmente. Imperioso consignar que o inventariante é um administrador da herança (dos bens), mas não assume a condição de mandatário dos credores ou dos herdeiros, na medida em que estes podem ter representantes próprios e diversos e seus interesses podem ser conflitantes.[15]

Mais uma vez o legislador condiciona a legitimidade do cônjuge ou do companheiro sobrevivente para assumir a gestão do acervo hereditário à existência de comunhão de vidas com o de cujus no momento da abertura da sucessão, sob fundamento de que o parceiro supérstite seria a pessoa com melhores condições de conhecer e administrar o patrimônio deixado pelo de cujus, pois com este compartilhava uma vida em comum no momento do seu falecimento. Não obstante, estando a pessoa casada, mas separada de fato, ainda que há não mais de dois anos ou sem que tenha havido culpa sua pelo rompimento da vida em comum, esta, ainda que possa ser considerada herdeira, nos termos do art. 1.830 do Código Civil de 2002, não poderá ser designada como inventariante, cujo cargo será atribuído ao companheiro sobrevivente, que com o autor da sucessão convivia ao tempo de sua morte. Mais uma vez não cabe falar em “concorrência” ao cargo de inventariante entre cônjuge e companheiro sobreviventes, na medida em que comunhão de vidas somente existia em relação ao segundo relacionamento.

Por todo o exposto, se a interpretação das leis tem por objetivo de buscar o sentido e o alcance da norma jurídica e esta deve levar em consideração o sistema em que está inserida, não há outra intelecção possível senão aquela que afasta a legitimidade do cônjuge sobrevivente da sucessão legítima quando houver fática separação do de cujus ao tempo da abertura da sucessão, independente de lapso temporal ou de averiguação do motivo da ruptura da vida em comum, e, com mais razão ainda, quando constituída nova união estável. Sobre o assunto, imperioso trazer à baile a lição de Pietro Perlingieri

Não existem normas, portanto, que não tenham como pressuposto o sistema e que ao mesmo tempo não concorram a formá-lo; não existem normas que sejam inteligíveis no seu efetivo alcance se não insertas como partes integrantes, em sua totalidade formal (sistema legislativo) e substancial (sistema social). Este resultado postula a superação da exegese considerada exclusivamente como investigação e individuação do significado literal do texto.[16]

Na esteira do que defende este artigo, o Projeto de Lei nº 3799/2019, de autoria da senadora Soraya Thronicke (PSL/MS), formulado em parceria com o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, pretende, dentre outros assuntos, alterar a redação do art. 1.830 do Código Civil de 2002 nos seguintes termos:Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge ou ao companheiro sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados de fato” (grifo nosso). Esta também é a nossa proposição.

É preciso eliminar prazos e causas para somente atribuir direito sucessório ao cônjuge sobrevivente que, de fato e de direito, esteja vivendo em comunhão de vidas com o de cujus no momento da abertura da sucessão. Assim, se a pessoa falecida era casada, mas se encontrava separada de fato de seu cônjuge quando de sua morte, e, além disso, havia constituído união estável com um novo parceiro de vida, não há que se falar em “concorrência sucessória” entre cônjuge e companheiro sobreviventes, cabendo a herança exclusivamente ao segundo.

 

Patricia Ferreira Rocha Doutoranda na Universidade do Minho, Portugal. Mestre em Direito Civil pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Advogada e Professora de Direito das Famílias e das Sucessões. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa CONREP – Constitucionalização das Relações Privadas (UFPE). Diretora Acadêmica do IBDFAM Alagoas. Membro da Comissão Nacional de Direito de Família e Sucessões da Associação Brasileira dos Advogados – ABA. E-mail: patriciarochamcz@hotmail.com

 

Notas
[1] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil brasileiro). Disponível em: L10406compilada (planalto.gov.br). Acesso em: 08/06/2022.
[2] NADER, Paulo. Curso de direito civil, vol. 5: direito de família – Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 230.
[3] ROSA, Conrado Paulino da. Inventário e partilha. Salvador: Editora JusPodivm, 2019, p. 160.
[4] LÔBO, Paulo. Direito civil – volume 6: sucessões. 7. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 142.
[5] MADALENO, Rolf. Concorrência sucessória e o trânsito processual: a culpa mortuária. 2005 Disponível em: http://www.rolfmadaleno.com.br/novosite/conteudo.php?id=45. Acesso em: 08/06/2022.
[6] MADALENO, Rolf. Concorrência sucessória e o trânsito processual: a culpa mortuária. 2005 Disponível em: http://www.rolfmadaleno.com.br/novosite/conteudo.php?id=45. Acesso em: 08/06/2022.
[7] NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro na perspectiva do direito civil-constitucional. 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2015, p. 42.
[8] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. 3. ed. rev. e ampl. – Rio de janeiro: Renovar, 2002, p. 244.
[9] ROCHA, Patricia Ferreira; PAMPLONA FILHA, Rodolfo. Uma análise crítica do artigo 1.830 do código civil brasileiro: legitimidade sucessória do cônjuge separado de fato. In: Os grandes temas de direito civil nos 15 anos do código civil: homenagem ao professor Álvaro Vilaça de Azevedo. DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (coord). São Paulo: Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, 2017, p. 531.
[10] Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.
Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.
Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido.
[11] MADALENO, Rolf. Da sucessão legítima. – 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 565.
[12] VELOSO, Zeno. Sucessão do cônjuge. In: Direito Civil: diálogos entre a doutrina e jurisprudência. SCHREIBER, Anderson (et. Al.) coord. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 716.
[13] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil brasileiro). Disponível em: L10406compilada (planalto.gov.br). Acesso em: 08/06/2022.
[14] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil brasileiro). Disponível em: L13105 (planalto.gov.br). Acesso em: 08/06/2022.
[15] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil – volume VI, – 24. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 357
[16] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. 3. ed. rev. e ampl. – Rio de janeiro: Renovar, 2002, p. 78.

Editora FÓRUM inicia semana de vivência ética

O II Fórum de Vivência Ética iniciou nesta segunda-feira, 28, durante a tradicional reunião semanal realizada com todos os funcionários, sócios e diretores da Editora FÓRUM, com o objetivo de compartilhar reflexões e ações para o fortalecimento da cultura de integridade e da ética na empresa. 

O evento também tem o propósito de fortalecer a cultura de integridade e ética da FÓRUM pela promoção de imersão em treinamentos, contribuindo com a conscientização e o desenvolvimento individual e coletivo.

O fórum é, assim, uma das boas práticas de Governança Corporativa da editora, além de ser o motor necessário para o aperfeiçoamento e conhecimento daqueles que vivenciam os mesmos desafios e que contribuem para a perenidade dos valores basilares da FÓRUM, acreditando que cada um é parte fundamental na transformação das mudanças de que tanto o Brasil quanto o mundo precisam.

A abertura foi realizada pela Supervisora Jurídica responsável pelo Compliance, Fernanda Vieira, que fez a introdução do assunto conclamando todos a continuarem a adoção de práticas cuja base está alicerçada em valores éticos e íntegros.

“Quando pesquisamos sobre ética e integridade nós temos as mesmas respostas: ‘fazer a coisa certa, ainda que ninguém esteja vendo, etc’. E mesmo que não exista controle, que não tenha nenhum ganho com isso, eu preciso estar consciente e decidir pelo que é certo a fazer. E por que isso importa para as organizações? Porque as empresas geram reflexos e impactos, interna e externamente com isso”, reforça.

Fernanda fez, ainda, uma analogia com o futebol e exemplificou como a ética deve ser diariamente escalada nas decisões envolvendo as práticas corporativas. 

“O árbitro aplica as regras do jogo, assim como o Compliance deve monitorar se as normas e leis estão sendo observadas e cumpridas, além de todos os outros mecanismos funcionando. O jogo deve ser justo. É preciso ter o famoso fair play, assim como a ética e a integridade devem estar sempre em campo. E, com as boas práticas, é gol na certa”, disse, ilustrando o tema abordado.

“É óbvio fazer a coisa certa?”

O primeiro dia de atividades seguiu com a palestra do fundador da HENCSEY – Ética Aplicada, Antonio Carlos Hencsey, que também é membro do Observatório de Economia e Gestão de Fraudes (OBEGEF) de Porto – Portugal, intitulada “É óbvio fazer a coisa certa?”.

De forma exemplificada, ele propôs uma construção coletiva do tema a partir da reflexão da pergunta-base de sua explanação: “No dia a dia, o certo e o errado são óbvios?”.

Para isso, explicou alguns pontos que chamam a atenção para este dilema, como o “viés da mão suja”, a “estrutura da decisão moral”, a “auto-percepção” e a “visão incompleta do cenário”.

“Quanto mais a gente distancia e fantasia a ilicitude, mais fácil de nos enganarmos por ela”, relata.

Segundo o palestrante, para aplicar o Código de Conduta Ética no cotidiano, é preciso “olhar para as coisas identificando a própria realidade. E, caso contrário, não sendo possível discernir, é necessário procurar o setor de Compliance, que tem o papel de ajudar a exercitar a moralidade e ajudar a solucionar esses aspectos”.

E finalizou respondendo à pergunta: “O que vai ajudar você nesse processo? Prepare-se e faça o que for preciso antes, com treinamento e dedicação, porque só assim conseguiremos usar o racional, em detrimento do emocional, e tomar a melhor decisão”.

Os sócios da FÓRUM, Maria Amélia Corrêa e Luís Cláudio Rodrigues, fizeram seus agradecimentos e reforçaram a importância da ética para a editora.

“Normalmente, é na sutileza, e por um motivo que, aparentemente, é muito justo, que a gente costuma tomar as decisões menos éticas. Certamente, nem sempre vai ser tão claro, certamente são em momentos de pressão, certamente, às vezes, a gente tem boas razões para fazer. Então, precisamos entender que demanda treinamento, visão, sensibilidade, diálogo e muito compartilhamento para que possamos tomar decisões que são realmente certas. E nós precisamos cultivar isso aqui na FÓRUM”, afirmou a Diretora-Executiva da editora.

Luís Cláudio, Presidente e Fundador da FÓRUM, agradeceu a iniciativa do setor de governança corporativa e afirmou que “precisamos continuar treinando, almejando o conhecimento, para enfrentarmos os desafios do cotidiano com muito mais assertividade, ética e integridade”.

A programação de atividades segue ao longo da semana com diversos treinamentos, envolvendo, além dos funcionários, fornecedores e parceiros estratégicos da editora.

Ministros do STF e TCU participam de evento organizado pela FÓRUM no PA

Servidores de diversos órgãos e instituições paraenses participaram nesta sexta-feira, 25, do “II Encontro para o Fortalecimento da Gestão Municipal do PA”, evento realizado pelo Tribunal de Contas dos Municípios do Estado (TCMPA) em parceria com a Editora FÓRUM.

Na ocasião, estiveram presentes o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, presidente em exercício da instituição, além de autoridades locais, como a presidente da Corte de Contas e anfitriã do encontro, conselheira Mara Lúcia, o governador do estado, Helder Barbalho, prefeitos e vereadores de aproximadamente 144 municípios paraenses.

O evento faz parte do planejamento da Escola de Contas Públicas do TCMPA, que orienta gestores e servidores para a correta aplicação dos recursos públicos.

Composição da mesa de autoridades presentes no evento. Em primeiro plano, a conselheira Mara Lúcia, presidente do TCMPA. Foto: Editora FÓRUM.

O conselheiro Antonio José Guimarães, vice-presidente do TCMPA, relata que o encontro encerra a programação pedagógica do Tribunal de 2022, que investiu na capacitação de 7.500 pessoas ao longo do ano e com a qualidade técnica empregada à grade de cursos ofertada. A Escola de Contas Públicas do Tribunal é responsável por capacitar membros, servidores e estagiários da Corte de Contas, gestores e servidores dos 144 municípios e a sociedade em geral sobre assuntos relacionados ao controle externo e social.

Palestras

A programação começou com a fala inspiradora da presidente do TCMPA, conselheira Mara Lúcia, que ressaltou a importância do evento para instigar o debate, sempre pertinente, sobre a atuação pedagógica na qualificação e melhoria das gestões municipais.

“Ao longo dos anos os Tribunais de Contas, a exemplo de várias instituições, vislumbrou a clara necessidade de redirecionar ou reavaliar seus esforços, o que tem conduzido, respeitando o entendimento diverso, à ruptura com o modelo absolutamente fiscalizador e sancionatório, que marcou por longas décadas a atuação das Cortes de Contas, para alcançarmos o modelo de atuação concomitante e preventiva e, sobretudo, pedagógica e indutora de boas práticas”, afirma.

Em seguida, dando início às palestras, o ministro Bruno Dantas, presidente em exercício do Tribunal de Contas da União (TCU) e, agora, também presidente da Organização Internacional das Instituições Superiores de Controle (INTOSAI), falou sobre “Os Tribunais de Contas e a Segurança Jurídica”. Em seu discurso, lembrou que as Cortes de Contas são corresponsáveis pelo sucesso do gestor público, referindo-se à parceria que deve existir entre esses dois agentes.

“Os Tribunais de Contas não são meros fiscais da aplicação financeira dos recursos. Nós não somos meros fiscalizadores do orçamento, das regras fiscais e das regras contábeis. A Constituição de 1988 nos deu e o Supremo Tribunal Federal tem assegurado essa competência”, relata.

O ministro falou sobre os três pilares da boa gestão, citando a transparência, a necessidade de equilibrar responsabilidade fiscal com responsabilidade social – referindo-se, especificamente, à questão do saneamento básico -, e, por último, a relação de parceria que deve haver entre o gestor e o controlador.

“A separação absolutamente formal dos poderes desconsidera que o bem comum é a finalidade maior da existência de um estado”, conclui.

O tema da palestra do ministro Luiz Fux, do STF, foi os “Tribunais de Contas e eficiência na gestão administrativa”. Segundo ele, esses órgãos almejam, cada vez mais, uma prestação de contas de resultado.

“Não adianta fazer uma licitação de uma caneta e escolher por uma que vai se desfazer em poucos dias, porque a qualidade é ruim. A Administração Pública precisa oferecer um serviço de qualidade. Por isso que hoje o principal poder dos Tribunais de Contas dos estados e municípios, é o poder de performance. Ou seja, exigir que sejam realizados os direitos fundamentais da pessoa humana com qualidade, independentemente do preço, que já foi o grande norte, antigamente, da avaliação dos tribunais de contas”, afirma.

Os ministros do STF e TCU e outras autoridades estaduais, receberam, ainda pela manhã, a Medalha da Ordem de Mérito de Contas “Governador Alacid da Silva Nunes”, instituída pelo Pleno do Tribunal de Contas dos Municípios para homenagear as personalidades que contribuem para o desenvolvimento da sociedade paraense, por meio de realizações nos campos cultural, político ou técnico-científico, com ênfase ao controle externo.

Já no período da tarde, a programação seguiu com a palestra da pós-doutora em Direito pela George Washington University (2015), professora Cristiana Fortini. Em sua fala, a especialista fez “Apontamentos sobre dispensa e inexigibilidade na Lei nº 14.133/21”.

“A Nova Lei de Licitações, de forma distinta da Lei nº 8.666, traz uma ‘receita de bolo’ para que nós saibamos calcular e estimar o valor da contratação. Esta situação está resolvida, graças ao artigo 23 da Lei nº 14.133, que divide o objeto da licitação e também, a partir daí, a forma de calcularmos o valor estimado da contratação em dois parágrafos”, reforça, referindo-se às inovações advindas com a NLLC.

Na segunda metade da tarde, o membro da Consultoria Jurídica do TCU, Dawison Barcelos, especialista em licitações e contratos administrativos, trouxe os “Impactos inaugurais da Lei nº 14.133/21 e a transição para o novo regime de contratações públicas” em sua palestra.

“Temos aproximadamente quatro meses para a transição definitiva da Lei nº 8.666 para a Lei nº 14.133. Ressalto que a Lei nº 14.133/21 é uma das leis gerais de licitações. Ela não é a lei geral, porque a competência da União para editar normas de contratação e licitação não se exaure, ela não se esgota em uma oportunidade. É a própria União que decide quando ela vai agir e legislar em normas gerais”, esclareceu.

Ao final, a conselheira Mara Lúcia, presidente do TCMPA, reforçou a importância do encontro.

“Esse é um investimento válido para uma boa gestão, quando você envia e incentiva seus servidores para a capacitação, independentemente de ser um evento grande, desse porte, ou eventos menores, virtuais ou presenciais”.

 

O contrato de interdependência e o seu regime jurídico à luz do Novo Marco Regulatório do Saneamento | Coluna Direito da Infraestrutura

 

As novas concessões regionais de saneamento tiveram por desiderato, para além de encamparem a diretriz da prestação regionalizada – evitando-se o cream-skimming e os subsídios cruzados ocultos –, o de se interditar a celebração de novos contratos de programa, por meio de dispensa de licitação para delegação de serviços públicos (art. 24, XXVI, da Lei nº 8.666/1993), como se depreende das modelagens licitadas, com a assessoria técnica do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES.

Dito em outras palavras, tal vertente tem por desiderato gerar um sistema de incentivos para a substituição de um modelo de exploração monopólica, quase que despida de incentivos para o adimplemento de obrigações de “investimento” e de “desempenho” pelas CESBs, para um modelo no qual as eficiências serão captadas, em um ambiente competitivo (de Leilão). Mais tecnicamente, endereçou-se um sistema de regulação de entrada, no âmbito de um leilão (franchise bidding), por intermédio do qual se pretende, num ambiente de pressão competitiva, estabelecer um regime de competição pelo mercado[1].

Nada obstante, o tema da titularidade sobre a exploração dos recursos hídricos, pela prestadora histórica, teria de ser endereçado. É que, em razão do disposto no art. 4°, da Lei n° 11.445/2007 “Os recursos hídricos não integram os serviços públicos de saneamento básico”. E, considerando o disposto 31 da Lei n° 9.433/1997, de acordo com o qual “Na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, os Poderes Executivos do Distrito Federal e dos municípios promoverão a integração das políticas locais de saneamento básico, de uso, ocupação e conservação do solo e de meio ambiente com as políticas federal e estaduais de recursos hídricos”.

Diante disso, na modelagem concessória licitada, no RJ, já em consonância com o racional que iria lastrear a Lei n° 14.026/2020, previu-se a segregação entre a “produção de água”, que abrange a captação de água e o seu tratamento (etapa upstream), excluindo-se a distribuição da água aos usuários finais (etapa downstream). Cuida-se de segregação das etapas de prestação do serviço, que tem previsão no art. 10-A, § 2°, da Lei n°11.445/2007 (incluído pela Lei n°14.026/2020), segundo o qual “As outorgas de recursos hídricos atualmente detidas pelas empresas estaduais poderão ser segregadas ou transferidas da operação a ser concedida, permitidas a continuidade da prestação do serviço público de produção de água pela empresa detentora da outorga de recursos hídricos e a assinatura de contrato de longo prazo entre esta empresa produtora de água e a empresa operadora da distribuição de água para o usuário final, com objeto de compra e venda de água” (Grifos Postos). Não se trata de modelagem novidadeira, no setor de saneamento[2].

Com lastro nesse racional e na opção discricionária de manter a operadora histórica (CEDAE) em parte da cadeia do serviço que restou trespassado para o setor privado, a modelagem veiculou a obrigação de se celebrar um plexo de contratos coligados, que disciplinasse a relação de interdependência entre a propriedade da água e a titularidade do serviço de saneamento (que, a despeito de ser municipal, é compartilhada, por intermédio da representação do Estado do Rio de Janeiro, na forma do disposto no art. 8°, II, da Lei n° 11.445/2007, incluído pela Lei n° 14.026/2020).

Seguiu daí a celebração de um Contrato de Interpendência, entre a CEDAE e as concessionárias privadas, que tem por objeto disciplinar as obrigações e responsabilidades relativas à produção e ao fornecimento de água potável, por atacado, pela operadora histórica às concessionárias, nos Municípios atendidos, a partir do sistema upstream. Cuida-se de uma engenharia, de regulação endocontratual, por intermédio da qual se pretende uniformizar a disciplina econômico-jurídica dos serviços das etapas upstream e downstream, bem como estabelecer, na forma do disposto no art. 23 da Lei n° 13.655/2018 (LINDB), um regime de transição da gestão de recursos hídricos do operador histórico para as concessionárias privadas.

Nesse quadrante, o racional econômico-financeiro contrato de interpendência, de acordo com  Wladimir António Ribeiro e Rafael Roque Garofano[3] tem por desiderato “disciplinar a relação existente entre os diferentes prestadores de serviços de saneamento básico, evitando-se conflitos que possam colocar em risco a adequada, contínua e eficiente prestação dos serviços, através da imposição da celebração de um instrumento formal capaz de regular, por escrito, as condições da execução das atividades interdependentes, afastando a informalidade e a insegurança inerentes às relações mantidas, há anos, muitas vezes apenas por acordo verbal”.

Cuida-se de instrumento contratual, que tem previsão no art. 12 da Lei n° 11.445/2007, segundo o qual “Nos serviços públicos de saneamento básico em que mais de um prestador execute atividade interdependente com outra, a relação entre elas deverá ser regulada por contrato e haverá entidade única encarregada das funções de regulação e de fiscalização”. E que se compatibiliza com o princípio da coerência administrativa[4].

Não se trata, propriamente, de um contrato de concessão, porém o seu regramento é, previamente, delineado pelo Marco Regulatório Setorial. De fato, de acordo com o §2°, do art. 12 da Lei n° 11.445/2007, tais instrumentos deverão conter, ao menos: (i) as atividades ou insumos contratados; (ii) as condições e garantias recíprocas de fornecimento e de acesso às atividades ou insumos; (iii) o prazo de vigência, compatível com as necessidades de amortização de investimentos, e as hipóteses de sua prorrogação; (iv) os procedimentos para a implantação, ampliação, melhoria e gestão operacional das atividades; (v) as regras para a fixação, o reajuste e a revisão das taxas, tarifas e outros preços públicos aplicáveis ao contrato; (vi) as condições e garantias de pagamento; (vii) os direitos e deveres sub-rogados ou os que autorizam a sub-rogação; (viii) as hipóteses de extinção, inadmitida a alteração e a rescisão administrativas unilaterais; as penalidades a que estão sujeitas as partes em caso de inadimplemento; e (ix) a designação do órgão ou entidade responsável pela regulação e fiscalização das atividades ou insumos contratados.

Tenho para mim que não se tratam, propriamente, de contratos com objetos delegatórios, mas que sofrem influxos regulatórios salientes, tendo em vista os seus impactos sobre parcela a jusante do serviço de saneamento. Tais contratos, na verdade, se inserem no âmbito do bloco de contratos coligados celebrados pelo Estado com as concessionárias privadas.

Cuida-se, pois, de contratos privados regulados. Nada obstante, não se trata de um contrato regido, integralmente, pelo direito privado, tampouco de um contrato administrativo (com as exorbitâncias que lhe são inerentes). Assim é que os referidos contratos não se submetem ao regime jurídico-administrativo – usualmente atribuído aos contratos de que a Administração Pública é parte –, na medida em que têm por objeto endereçar um sistema de coordenação entre distintos segmentos da prestação do serviço de saneamento com uma empresa estatal (a CEDAE).

Nesse sentido, tal contrato, para além do disposto no art. 12 da Lei n°11.445/2007, tem fundamento no disposto no art. 25, § 2°, da Lei n°8.987/1995, o qual dispõe que “Os contratos celebrados entre a concessionária e os terceiros a que se refere o parágrafo anterior reger-se-ão pelo direito privado, não se estabelecendo qualquer relação jurídica entre os terceiros e o poder concedente”. Nada obstante, por se tratar de um contrato de direito privado, celebrado no âmbito de uma relação que veicula a prestação de um serviço público (o saneamento) e a exploração de um bem público (o recurso hídrico), esse dirigismo contratual é qualificado pela incidência de influxos regulatórios.

É assaz recorrente que o regulador discipline, por exemplo, os termos de contratos de direito privado celebrados entre concessionários de serviços públicos, notadamente no que toca ao compartilhamento de infraestruturas (essential facilities). Em Telecomunicações, por exemplo, tal competência é prescrita pelo artigo 73 da Lei n° 9.472/1997, cuja redação é a seguinte: “as prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis”. A fim de disciplinar esse dispositivo, foi editada a Resolução Conjunta nº 1, de 24 de novembro de 1999 (ANEEL, ANATEL e ANP), que aprova o Regulamento Conjunto para Compartilhamento de Infraestrutura entre os Setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo.

Cuida-se de racional que deve ser transposto para os Contratos de Interdependência celebrados, no âmbito das concessões regionais. Diante do exposto, é se concluir esse breve ensaio no sentido de que: (i) o Contrato de Interdependência tem por objeto estabelecer um regulação contratual, a disciplinar a segregação entre a “produção de água”, que abrange a captação de água e o seu tratamento (etapa upstream), excluindo-se a sua distribuição aos usuários finais (etapa downstream), com fundamento no art. 10-A, § 2°, da Lei n°11.445/2007 (incluído pela Lei n°14.026/2020); (ii) Cuida-se, pois, de contratos privados regulados, celebrados entre duas pessoas jurídicas com personalidade jurídica de direito privado (CEDAE e as concessionárias), na forma do disposto no art. 25, § 2°, da Lei n°8987/1995; (iii) tais contratos não se submetem a quaisquer exorbitâncias contratuais decorrentes do regime jurídico-administrativo. Porém, por fazerem parte de uma coligação contratual pactuada para viabilizar a prestação de um serviço público, tais terão de ser parcialmente regidos por normas de direito público, expedidas pela entidade reguladora setorial.

 

 

Rafael Véras é coordenador da Coluna Direito da Infraestrutura da Editora FÓRUM. Professor do LLM em Infraestrutura e Regulação da FGV Direito Rio. Doutorando e Mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio.

[1] PHILLIPS JR., C. F. The regulation of public utilities: theory and practice. Arlington, VA: Public Utilities Report Inc., 1993. DEMSETZ, H. Why regulate utilities? Journal of Law and Economics, n. 11, v. 1, p. 55-65, 1968.

[2] Veja-se, de modo exemplificativo, o Contrato CEDAE nº 096-A/2013, firmado entre a CEDAE e a Águas de Niterói S.A., tendo por objeto “o fornecimento de água potável por atacado, pela CEDAE à Águas de Niterói, para abastecimento público do Município de Niterói” (Cláusula 1.1). No mesmo sentido, o Contrato de Interdependência anexo ao Contrato de Concessão da Prestação Regionalizada dos Serviços Públicos de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário prestados nos Municípios da Região Metropolitana de Maceió, modelagem recém licitada, e que tem por objeto regular a relação de interdependência entre a Companhia de Saneamento de Alagoas – CASAL e a BRK Ambiental, “notadamente as obrigações e responsabilidades relativas à produção e distribuição de água potável nos Municípios abrangidos” (Cláusula Segunda).

[3] LUNA, Guilherme Ferreira Gomes; GRAZIANO, Luiz Felipe Pinto Lima; BERTOCCELLIET, Rodrigo de Pinho et. al. (Coords.). Saneamento Básico: Temas fundamentais, propostas e desafios. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2017.

[4] O dever de coerência administrativa determina, assim, que a Administração Pública se comunique internamente, harmonizando suas funções de forma coordenada ou cooperativa, como se verá adiante, em favor de seu exercício coerente, evitando o embate estéril de competências ou o comportamento contraditório de dois órgãos distintos, por exemplo, e a consequente violação ao princípio da proteção da confiança legítima. (RIBEIRO, Leonardo Coelho; FREITAS, Rafael Véras de. Manutenção do ambiente negocial entre o público e o privado e desenvolvimento nacional: o impacto das modulações regulatórias nos contratos da Administração e o dever de coerência administrativa. In CORRÊA, André Rodrigues; PINTO JÚNIOR, Mario Engler. Cumprimento de contratos e Razão de Estado. São Paulo: Saraiva, 2013).

Justiça e Tecnologia: quais os impactos nos espaços judiciários? | Coluna Direito Civil

Coluna Direito Civil

Os edifícios dos tribunais, por meio de suas arquiteturas particulares, e como edifícios públicos que são vistos e vividos por públicos diversificados, fornecem não só um espaço para o funcionamento da justiça, mas ajudaram a definir um cenário simbólico e ritualístico através do qual as pessoas experienciam a autoridade judicial como instituição e poder, com uma forte relação com a história, a política, a economia, e a cultura de cada país – na qual também se entende a cultura jurídica e judiciária[1].

Nas últimas duas décadas, a transformação digital do sistema de justiça assumiu-se como uma preocupação central das políticas públicas de administração da justiça de vários governos, seja na Europa, nos Estados Unidos ou no Brasil, e um elemento-chave da modernização dos sistemas judiciais, sobretudo com o objetivo de melhorar o desempenho dos tribunais ao nível da eficiência, da celeridade e da carga processual. Mas foi com a irrupção da pandemia Covid-19[2] no início de 2020  que assistimos a um incremento do uso das ferramentas de trabalho virtuais, com recurso ao teletrabalho, aumento das videoconferências, bem como à disponibilização de plataformas online para os tribunais realizarem virtualmente as diligências e os julgamentos[3].

Como sabemos, a transformação digital da justiça não implica somente alterações e adaptações ao nível da tecnologia, implicando também mudanças institucionais, organizacionais e normativas. Desde a década de 1990 que vários autores e autoras[4] têm vindo a discutir a transformação digital e a virtualização da justiça, apontando os seus potenciais aspectos positivos e negativos. Entre os positivos contam-se a eficiência e celeridade dos tempos processuais e, por conseguinte, dos tribunais; a proteção de partes e de testemunhas vulneráveis; a facilitação da participação das comunidades distantes ou remotas. Em termos dos aspectos negativos fala-se dos impatos produzidos nos princípios da imediação e da publicidade das audiências, dos problemas relativos a segurança e privacidade, das ineficiências/falhas dos sistemas tecnológicos, no stress das infraestruturas (edifícios e tecnologias), da perda de simbolismo e de formalismo do espaço judiciário. Como refere Kitzinger[5], toda a formalidade da arquitetura e da sala de audiências, que muitas vezes é vista como intimidante, pode ser vista também como um fator de garantia, de imparcialidade e da seriedade do caso, o que se poderá perder quando a audiência é feita através de plataforma digital, transmitindo às partes a sensação de estarem perante uma justiça de segunda classe, onde os usuários se sentem invisíveis dentro de diversos quadradinhos na tela do computador.

A estes aspectos juntam-se questões de iliteracia e de exclusão ou gap digital (no Brasil são 46 milhões as pessoas sem acesso à internet, nos Estados Unidos o número é semelhante, já para não falar de quem tem acesso a um computador ou até mesmo a um celular)[6], intimamente relacionadas com questões geográficas (com grandes distâncias e diferenças entre comunidades, rurais e urbanas, e (in)existência de infraestruras adequadas) e com questões socioeconómicas, produtoras ou potenciadoras de desigualdades e de vulnerabilidades sociais, e assim com questões de acesso à justiça. Atendendo, para além disso, aos contextos em que vivemos atualmente, de forte pressão energética, intimamente ligada a uma forte pressão ambiental, onde cada vez mais se experienciarão situações de pandemias intermitentes[7] e a continuidade de regras sanitárias, em sociedades fortemente envelhecidas (como é o caso europeu), o que acentua as desigualdades e vulnerabilidades sociais mencionadas.

Importa, pois, refletir sobre as consequências que este processo de transformação digital em curso teve e terá sobre os edifícios dos tribunais, em particular a importância do edifício físico do tribunal para o sistema judicial. Continuaremos a necessitar de tribunais físicos? Iremos continuar a construir tribunais? Para quê, com que forma, e a pensar em quem (tipo de usuários)?

A realização de videoconferências e o uso de plataformas digitais, com criação de salas de audiência virtuais, tornaram-se, nestes dois últimos anos, prática corrente. Nas Filipinas, aliás, o Chief-Justice Gesmundo anunciou, em setembro de 2022, que todos os processos judiciais se irão realizar por videoconferência mesmo após o fim da pandemia[8]. Mas mais do que a utilização de videoconferências, é a realização de audiências no metaverso, tal como aconteceu em setembro de 2022 no Brasil, onde a Justiça Federal na Paraíba[9] realizou a primeira audiência real em ambiente virtual imersivo e hiper-realista, que começa a dar passos (uns meses antes a vara do trabalho Colíder, do Tribunal Regional do Trabalho da 23.ª Região, havia criado uma versão virtual no metaverso[10]).

A promessa dos ambientes virtuais no metaverso é a de uma maior interação, sensorial, capaz de reduzir distâncias e de otimizar o tempo. Mas: e quais poderão ser os contras? Há que pensar, em particular, na desterritorialização da justiça provocada pela virtualização, e no impacto produzido nos mapas judiciais, como também na questão da permanência do teletrabalho (magistrados e servidores de justiça). Qual será o tipo de relação do tribunal com o contexto social local, com o contexto do conflito, com a própria comunidade, que se virá a criar?

Se se entende que o ambiente virtual, criado pelas videoconferências, videolinks ou pelo metaverso, não substituirá ou acabará com os ambientes físicos, é preciso considerar como se fará a articulação entre offline e online. Susskind[11] refere que iremos ter tribunais híbridos, um misto entre presencial e virtual. Mas até agora os autores e as autoras são omissos quanto à forma como se fará a articulação ou interoperabilidade entre o tribunal físico e o tribunal virtual (implicando plataformas virtuais e/ou o metaverso), já que tal implicará mudanças processuais radicais, que terão de determinar e estabelecer os critérios através dos quais serão atribuídas as causas a uns (presenciais) e a outros (virtuais), e como será respeitado o princípio da imediação, da publicidade, e garantida a segurança de dados sensíveis (entre os quais os biométricos), em contextos de restrição de custos e de aumento de cargas processuais[12]. Para além disso, serão os tribunais do metaverso meras reproduções 3.0 dos edifícios físicos, com todos os seus problemas e desgastes estruturais e arquiteturais? Ou poderá o metaverso auxiliar a melhorar os edifícios físicos?

Por outro lado, nesta articulação híbrida entre tribunal presencial e tribunal virtual há que considerar que efeitos tudo isto produz ao nível da construção e da adaptação de edifícios, em particular na arquitetura – volumetria, quantidade de salas e de gabinetes necessários, organização e flexibilização interna e externa dos edifícios, e interlocução com plataformas e instrumentos digitais. Além disso, e considerando as discrepâncias territoriais internas dos diferentes países, como referido, e de modo a garantir o acesso à justiça, será necessário implementar, neste conceito de justiça híbrida, uma articulação entre espaço físico construído (edifícios), plataformas virtuais e pontos itinerantes de justiça[13], como ônibus, barcos ou quiosques, capazes de reduzir o gap judiciário e digital[14].

Durante séculos, houve a exigência de que o tribunal fosse constituído num local fixo, ou seja, num edifício determinado. Mas como escreveu Camões, ‘Todo o mundo é composto de mudança,/Tomando sempre novas qualidades’. Tal significa reconhecer a necessidade de um novo e genuíno compromisso radical para tentar criar uma justiça mais próxima, o que envolve arquitetura e tecnologia.

 


Patrícia Branco é investigadora
do Centro de Estudos Sociais
da Universidade de Coimbra,
Portugal.

 

Notas
[1] Cordido, M. T. R. L. de B.. Arquitetura forense do Estado de São Paulo: produção moderna, antecedentes e significados. Dissertação (Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo), Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, 343p., 2007; Goodrich, P.. Visive powers: colours, trees and genres of jurisdiction. Law and Humanities, 2, 2, p. 213-231, 2008. Lucien, A.. Staging and the imaginary institution of the judge. International Journal for the Semiotics of Law, 23, 2, p. 185-206, 2010.
[2] Sobre as medidas implementadas no Brasil e em Portugal ver Branco, P. e Patterson, C.. Justiça e Tecnologia: é necessária uma nova identidade para a arquitetura forense?, in Marcos Ehrhardt Júnior, Marcos Catalan e Pablo Malheiros (org.), Direito Civil e Tecnologia. Tomo II. Belo Horizonte: Fórum, p. 127-139, 2021.
[3] Contini, F.; Lanzara, G. F. (eds.). Building Interoperability for European Civil Proceedings Online. Bolonha: CLUEB, 2013; Fernando, P.. Intertwining Judicial Reforms and the Use of ICT in Courts: A Brief Description of the Portuguese Experience.  European Quarterly of Political Attitudes and Mentalities, 8, 2, p. 7-20, 2019.
[4] Branco, P.. The geographies of justice in Portugal: redefining the judiciary’s territories. International Journal of Law in Context, 15, 4, p. 442-460, 2019; Marks, A. (ed.). What is a Court? A Report by JUSTICE. Disponível em:  https://justice.org.uk/what-is-a-court/. Acesso em: 17 maio 2021; Mohr, R.; Contini, F..Reassembling the legal: the wonders of modern science in court-related proceedings. Griffith Law Review, 20, 4, p. 994-1019, 2011; Mulcahy, L.. The unbearable lightness of being? Shifts towards the virtual trial. Journal of Law and Society, 35, 4, p. 464-489, 2008; Rowden, E., Wallace,A.. Remote judging: the impact of video links on the image and the role of the judge. International Journal of Law in Context, 14, p. 504‑524, 2018; Susskind, R.. The future of Courts. Remote Courts. Disponível em: https://thepractice.law.harvard.edu/article/the-future-of-courts/. Acesso em: 17 maio 2021.
[5] Kitzinger, C.. Remote justice: a family perspective. Disponível em:  https://www.transparencyproject.org.uk/remote-justice-a-family-perspective/#:~:text=The%20term%20%E2%80%9Cremote%20justice%E2%80%9D%20makes,when%20their%20camera%20is%20off. Acesso em: 17 maio 2021.
[6] Cf. https://news.bloomberglaw.com/us-law-week/rural-digital-divide-complicates-virtual-court-participation. Acesso em: 10 outubro 2022; https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2020/o-acesso-2013-digital-2013-a-justica-a-imagem-do-judiciario-brasileiro-e-a-prestacao-jurisdicional-nos-novos-tempos. Acesso em: 10 outubro 2022.
[7] Santos, B. de S.. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020.
[8] Cf. https://mb.com.ph/2022/09/10/soon-all-court-proceedings-will-be-onlinethru-video-conferencing-cj-gesmundo/. Acesso em: 10 outubro 2022.
[9] Cf. https://www.cnj.jus.br/justica-federal-na-paraiba-realiza-primeira-audiencia-real-do-brasil-no-metaverso/. Acesso em: 10 outubro 2022.
[10] Cf. https://www.youtube.com/watch?v=rih08T28DSI. Acesso em: 10 outubro 2022.
[11] Susskind, R.. The future of Courts. Remote Courts. Disponível em: https://thepractice.law.harvard.edu/article/the-future-of-courts/. Acesso em: 17 maio 2021.
[12] Cf. https://cloudblogs.microsoft.com/industry-blog/government/2022/06/14/the-new-world-of-court-proceedings-requires-new-set-of-digital-tools/. Acesso em: 10 outubro 2022.
[13] Ver o relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Democratização do acesso à justiça e efetivação de direitos : justiça itinerante no Brasil. In http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/7492/1/RP_Democrratiza%c3%a7%c3%a3o_2015.pdf. Acesso em: 10 outubro 2022.
[14] Cf. https://news.bloomberglaw.com/us-law-week/rural-digital-divide-complicates-virtual-court-participation. Acesso em: 10 outubro 2022.

ODS são discutidos em evento mundial de controle

O Fórum Internacional de Auditoria Governamental aconteceu entre os dias 8 e 10 de novembro no Museu do Amanhã (Rio de Janeiro-RJ), com o debate dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o fomento da atuação dos órgãos fiscalizadores de todo o país.

Realizado pela Editora FÓRUM com apoio do Tribunal de Contas da União (TCU) e patrocínio da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Banco do Brasil e Petrobras, o  evento reuniu representantes dos estados e municípios, e gestores dos principais órgãos de controle do Brasil e do mundo.

O Ministro e Presidente em exercício do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, fez a abertura das atividades, além de receber as demais autoridades presentes no evento.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

O Fórum Internacional de Auditoria Governamental foi norteado, em sua essência, pela relação entre o papel desempenhado pelas Instituições Superiores de Controle (ISCs) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015 e que se tornou a principal referência na formulação e implementação de políticas públicas para governos em todo o mundo.

Os 17 objetivos sustentáveis são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima, além de garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade.

Dessa forma, a programação foi elaborada para permitir que os profissionais brasileiros tenham acesso às diretrizes mundiais acerca dos temas, aperfeiçoando a missão das ISCs na fiscalização do uso dos recursos públicos.

O presidente em exercício do TCU, Ministro Bruno Dantas, também abriu o ciclo de palestras com a contextualização dos temas tratados. Para ele, “o aprimoramento da gestão pública é a principal forma de combate à fraude e à corrupção”.

Diversas autoridades mundiais trouxeram experiências de outros países com a abordagem desses temas para o ciclo de atividades. 

“O papel das ISCs, em conjunto com a OCDE, na implementação de boas práticas de governança pública para redução da pobreza”, por exemplo, foi amplamente debatido por János Bertók, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), das Nações Unidas. Segundo ele, “este evento é um esforço único, reunindo auditores de diferentes níveis para que um denominador comum seja alcançado, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população.”

Os especialistas também refletiram sobre como as Instituições Superiores de Controle podem contribuir para o alcance do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 5. Um dos temas mais aguardados, igualdade de gênero, despertou o interesse do público presente que colaborou com a discussão através da interação com os palestrantes. 

O ministro Walton Alencar Rodrigues (TCU), abriu o ciclo de debates acerca do assunto com o painel “Equidade de gênero no Brasil e a atuação do TCU”.

Já o atual panorama da desigualdade de gênero no mundo e como organizações internacionais podem apoiar as ISCs neste âmbito foi assunto da palestra da especialista Lisa Sutton, da ONU Mulheres. Ela fez uma ampla abordagem, com dados numéricos, tratados internacionais, políticas públicas, referências-chave sobre o assunto e perspectivas gerais.

A representante da Organização de Entidades Fiscalizadoras Superiores dos Países da América Latina (EFSUL), Maria Graciela de la Rosa, destacou a importância crucial das políticas públicas no controle das desigualdades de gênero nos países em desenvolvimento.

“É preciso haver uma auditoria de políticas implementadas com a finalidade de dar cumprimento às políticas de gênero para frear o fenômeno da “‘feminização’ da pobreza”, reforçou.

Margit Kraker, Secretária-Geral da INTOSAI, falou sobre os desafios para atuação das ISCs no combate à desigualdade de gênero, considerando a perspectiva interna (liderança, por exemplo) e a transversalização da perspectiva de gênero nas fiscalizações realizadas pelas ISCs. A pesquisadora trouxe para o evento uma visão prática para atuação das ISCs sobre o tema, apresentando a aplicação de parâmetros e critérios de análise e dados de monitoramento mundiais.

Fotógrafo: Alan Silva

Perspectivas para reverberar nos estados e municípios brasileiros

Para além desses temas, o Fórum Internacional de Auditoria Governamental também abordou questões como transformação digital, sustentabilidade, participação cidadã e dívida pública.

Para o Sr. Luís Cláudio Rodrigues, Presidente e Fundador da Editora FÓRUM, que realiza o evento, os três dias de atividades representam uma nova era para o trabalho desempenhado pelos órgãos de fiscalização do Brasil.

“Reunimos cerca de 150 países e proporcionamos a discussão de temas extremamente relevantes para o Brasil. Foi uma oportunidade única, permitindo que esses profissionais elaborem as perspectivas e o futuro da auditoria para os próximos anos. Estamos muito felizes com os resultados apresentados aqui e renovados com conhecimento técnico e especializado”, relata, comemorando os excelentes resultados do Fórum Internacional de Auditoria Governamental.

>>> Confira a cobertura fotográfica do evento

Veja abaixo o vídeo com os melhores momentos do FIAG 2022

Começa no RJ evento mundial de controle

O Fórum Internacional de Auditoria Governamental começou oficialmente nesta terça-feira, 8, no Museu do Amanhã (Rio de Janeiro-RJ), com o debate de temas estratégicos para o fomento da atuação dos órgãos fiscalizadores de todo o país. Realizado pela Editora FÓRUM com apoio do Tribunal de Contas da União (TCU) e patrocínio da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Banco do Brasil e Petrobras, o  evento reúne representantes dos estados e municípios, e gestores dos principais órgãos de controle do Brasil e do mundo. A abertura das atividades ficou a cargo do Ministro e Presidente em exercício do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, que recebeu as demais autoridades presentes no evento.  

Palestras do primeiro dia

Crédito da imagem: Alan Silva

O Fórum Internacional de Auditoria Governamental é norteado, em sua essência, pela relação entre o papel desempenhado pelas Instituições Superiores de Controle (ISCs) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015 e que se tornou a principal referência na formulação e implementação de políticas públicas para governos em todo o mundo. Os 17 objetivos sustentáveis são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima, além de garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. Dessa forma, a programação foi elaborada para permitir que os profissionais brasileiros tenham acesso às diretrizes mundiais acerca dos temas, aperfeiçoando a missão das ISCs na fiscalização do uso dos recursos públicos. O presidente em exercício do TCU, Bruno Dantas, abriu o ciclo de palestras. O ministro falou sobre as “Contribuições das ISCs para alcance dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS)”, contextualizando o tema que norteará os três dias de atividades. A ideia é que essas e diversas outras normas cheguem também aos Tribunais de Contas dos estados, dos municípios e demais órgãos fiscalizadores brasileiros e, consequentemente, reverberem na qualidade de vida dos cidadãos. Esta é uma missão conferida aos entusiastas do controle. O aprimoramento da gestão pública é, de acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU) — órgão responsável pela fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entidades públicas do país —, a principal forma de combate à fraude e à corrupção. O papel das ISCs, em conjunto com a OCDE, na implementação de boas práticas de governança pública para redução da pobreza” foi amplamente debatido por János Bertok, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), das Nações Unidas. Segundo ele, “Este evento é um esforço único, reunindo auditores de diferentes níveis para chegarmos a um denominador comum que é melhorar a qualidade de vida da população.” No período da tarde, os especialistas refletiram sobre “Como as Instituições Superiores de Controle podem contribuir para o alcance do objetivo de desenvolvimento sustentável 5: igualdade de gênero?”. O ministro Walton Alencar Rodrigues (TCU), falou sobre “Equidade de gênero no Brasil e a atuação do TCU”. O atual panorama da desigualdade de gênero no mundo e como organizações internacionais podem apoiar as ISCs na atuação sobre o tema foi tema da palestra da especialista Lisa Sutton, da ONU Mulheres. Ela fez uma ampla abordagem sobre o tema, com dados numéricos, tratados internacionais, políticas públicas, referencias chave sobre o assunto e perspectivas gerais. A representante da Organização de Entidades Fiscalizadoras Superiores dos Países da América Latina (EFSUL), Maria Graciela de la Rosa, destacou a importância crucial das políticas públicas no controle das desigualdades de gênero nos países em desenvolvimento. “É preciso haver uma auditoria de políticas implementadas com a finalidade de dar cumprimento às políticas de gênero para frear o fenômeno da ‘feminização’ da pobreza”. Margit Kraker, Secretária-Geral da INTOSAI, falou sobre os desafios para atuação das ISCs no combate à desigualdade de gênero, considerando a perspectiva interna (liderança, pelo exemplo) e a transversalização da perspectiva de gênero nas fiscalizações realizadas pelas ISCs. A pesquisadora trouxe para o evento uma visão prática para atuação das ISCs sobre o tema, da aplicação de parâmetros e critérios de análise e dados de monitoramento mundiais. O ciclo de palestras do primeiro dia terminou com a demonstração de boas práticas, referenciais e desafios na promoção da igualdade de gênero no âmbito das ISCs. Os painelistas trouxeram exemplos práticos de como estão tratando essa perspectiva tanto do ponto de vista da gestão interna e da transversalização do tema nas fiscalizações das Instituições Superiores de Controle. O Guia Prático para Auditoria da Equidade de Gênero foi tema do especialista Martin Dompierre, Office of the Auditor General of Canada (SAI Canada). Crédito da imagem: Alan Silva

 

Evento segue por mais 2 dias

O Fórum Internacional de Auditoria Governamental acontece até o dia 10 de novembro de 2022, sempre com palestras divididas entre os períodos da manhã e tarde. Até quinta-feira, os participantes terão acesso aos debates das autoridades que integram a Organização Internacional das Instituições Superiores de Controle (International Organization of Supreme Audit Institutions – Intosai), além de outros grandes nomes que tratarão do resultado e do impacto do trabalho realizado por essas entidades. Estão confirmados, ainda, Harib Al Amimi (SAI UAE – Emirados Árabes Unidos), Hussam Al-Angari (SAI Saudi Arab – Arabia Saudita), Margit Kraker (SAI Austria / INTOSAI), José F. F. Tavares (SAI Portugal), Alexei Kudrin (SAI Rússia), Gene L. Dodaro (SAI USA), Hesham Badawi (SAI Egypt – Egito), Camilo Benítez (SAI Paraguay), etc. Confira a programação completa aqui e acompanhe também a cobertura do evento pelo instagram, @fiag.2022

 

Confira as fotos do evento.

As mudanças da nova resolução do CFM sobre as técnicas de reprodução humana assistida – Resolução CFM nº 2.320/2022 | Coluna Direito Civil

Coluna Direito Civil

reprodução humana assistida

As técnicas de reprodução humana assistida sofrem constantes aprimoramentos decorrentes dos avanços tecnológicos, biotecnológicos, com novos estudos, inclusive no campo das terapias gênicas que podem interferir nos embriões,[1] com o uso da inteligência artificial para seleção de embriões,[2] de doadores com maior compatibilidade com o casal garantindo o anonimato, entre outros.

A despeito de todos os ganhos que a evolução técnico-científica proporciona, discutem-se do ponto de vista ético e jurídico quanto aos seus limites, os impactos nas gerações futuras os danos e malefícios à saúde ao longo do tempo. Por isso, devem-se conciliar os riscos-benefícios, prevenir os impactos que podem ocasionar, ao mesmo tempo em que se deve garantir a autonomia. Isso só será possível com maiores estudos acerca das técnicas utilizadas.

A falta de lei específica sobre o uso das técnicas de reprodução, que abrange desde os limites da manipulação dos gametas, embriões, descarte, negócios jurídicos utilizáveis, filiação, sucessão post mortem, responsabilidades, direitos das crianças, direito ao planejamento familiar, à parentalidade responsável, gera inseguranças. As normas deontológicas, que têm vigorado no Brasil acerca do tema desde 1992, não são suficientes e, nos últimos anos, têm passado por mais alterações, o que, além de trazer incerteza, afeta diretamente a forma de prestação dos serviços de medicina reprodutiva, estabelecendo limites que nem sempre se coadunam com os princípios e valores constitucionais, não se ajustando ao sistema jurídico, acabando por conferir ao Poder Judiciário  a atribuição de dirimir as controvérsias e assegurar direitos, o que nem sempre é eficaz, até mesmo pela celeridade que a questão impõe.

Em 15 de junho de 2021, foi publicada a Resolução CFM nº 2.294/2021, e que trouxe algumas mudanças em relação à Resolução CFM nº 2.168/2017, que já havia sido modificada pela Resolução CFM nº 2.283/2020. Na ocasião, em artigo publicado por Paula Pereira e Vítor Almeida foram destacadas as seguintes alterações:[3]

i) o limite da idade e o número de embriões a serem implantados na mulher e, em casos de embriões euploides, ao diagnóstico genético (item I.7);

ii) a retirada da expressão “em que não exista infertilidade” na gestação compartilhada em uniões homoafetivas femininas (item II.3);

iii) a possibilidade de doação de gametas para parentes até 4º grau, desde que não incorra em consanguinidade (item IV.2);

iv) o aumento da idade limite para a mulher doar gameta (37 anos) e diminuição para o homem (45 anos) (item IV.3);

v) a responsabilidade pela seleção dos doadores passa a ser exclusiva dos usuários quando da utilização de bancos de gametas ou embriões (item IV.10);

vi) na eventualidade de embriões formados de doadores distintos, a transferência embrionária deverá ser realizada com embriões de uma única origem para a segurança da prole e rastreabilidade (item IV. 11);

vii) o número de embriões gerados em laboratório não poderá exceder o número de 8 (oito) (item V.2);

viii) a supressão da obrigatoriedade de prever a destinação de embriões em caso de doenças graves (item V.3);

ix) o descarte de embriões após três anos ou mais dependerá de autorização judicial (itens V. 4 e 5);

x) no caso de diagnóstico genético embrionário, no laudo da avaliação genética, só é permitido informar se o embrião é masculino ou feminino em casos de doenças ligadas ao sexo ou de aneuploidias de cromossomos sexuais (item VII.1);

xi) no caso de gestação de substituição, a cedente temporária do útero deve ter ao menos um filho vivo (item VII.1);

xii) a vedação da intermediação da clínica de reprodução na escolha da cedente na gestação de substituição (item VII.2).

Recentemente, em 20 de setembro de 2022, foi publicada a Resolução CFM nº 2.320, que adota normas éticas para  a  utilização  de  técnicas  de reprodução assistida, sempre em defesa do aperfeiçoamento das práticas e da observância aos princípios éticos  e bioéticos que ajudam a trazer maior segurança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos, tornando-se o dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos brasileiros e revogando a Resolução CFM nº 2.294/2021.

O Conselho Federal de Medicina, com base na constante evolução da Ciência e a necessidade de aperfeiçoamento das práticas em reprodução humana assistida, sempre com a preocupação de orientar os médios estabelecendo a importância da observância aos princípios éticos e bioéticos, a fim de conferir maior segurança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos reprodutivos, acaba por proceder a alterações em suas resoluções, e, em algumas fases, de forma mais constante, em curto período de tempo. A explicação pode se dar não só em decorrência do aprimoramento das técnicas, dos avanços biotecnológicos, mas também em razão de a temática afetar diretamente direitos humanos fundamentais e que, em razão da ausência de legislação específica para regular, acaba por adentrar em matérias que não são regidas tão somente por princípios bioéticos, mas, também, jurídicos, princípios constitucionais. Por isso, tem ocorrido o aumento da judicialização do processo reprodutivo, tanto no aspecto positivo, quanto no negativo do direito ao planejamento familiar, que abrange os processos de procriação, como de esterilização, com ações que alegam o direito ao custeio das técnicas de reprodução assistida pelo Estado,[4] pelos planos de saúde,[5] assim como problemas atinentes à filiação, registro, [6]  gestação de substituição, anonimato do doador[7] e origem genética,[8] que adentram na apreciação da constitucionalidade ou não de determinadas disposições da resolução do CFM. Em alguns casos, o Conselho Federal de Medicina e os Conselhos Regionais acabam por adentrar em matéria legal, fora da atribuição das autarquias. Tratar de descarte de embrião, por exemplo, demanda um debate não só ético, mas jurídico quanto à natureza do embrião, sua diferenciação do nascituro e de pessoa, e toda a preocupação em não coisificar o embrião diante do potencial de vida que o envolve; os limites etários para submissão às técnicas de reprodução, assim como traçar limites quanto às combinações dos processos de fertilização de gametas reflete diretamente na autonomia reprodutiva, no direito ao planejamento familiar; dispor sobre os arranjos familiares perpassa pelos princípios da igualdade, da parentalidade responsável. Essas matérias, além de demandar uma participação democrática no processo regulatório, não se afastam da intervenção do Poder Judiciário na proteção dos direitos humanos fundamentais, na salvaguarda dos princípios constitucionais.

Entre as modificações trazidas pela nova resolução, Resolução CFM nº 2.320/2022, independentemente das referentes à língua portuguesa, tempo verbal, exclusão de artigos definidos, estrutura, destacam-se:

i) inclusão de que nas exceções ao limite etário de 50 anos das candidatas à gestação que são aceitas seja observada a ausência de comorbidades não relacionadas à infertilidade  da  mulher;

ii) a exclusão do termo transgêneros, homossexuais e heterossexuais quanto aos que poderiam se utilizar das técnicas de reprodução assistida, optando por generalizar com a expressão “todas as pessoas capazes” (item 2 do capítulo II sobre os pacientes das técnicas de reprodução humana assistida), o que demonstra uma preocupação com o princípio da não discriminação, da igualdade;

iii)  acréscimo dos itens 2.1 e 2.2 no capítulo IV relativo à doação de gametas e embriões, prevendo que deve constar no prontuário o relatório médico atestando a adequação da saúde física e mental de todos os envolvidos e que a doadora de óvulo não pode ser a cedente temporária do útero;

iv) o item 3 do capítulo IV foi ajustado para que se inclua que a doação de gametas pode ser realizada a partir da maioridade civil (art. 5º do Código Civil – 18 anos), mantendo a idade limite para doar de 37 anos para mulheres e 45 anos para homens, e no item 3.1 fez menção ao item 2;

v) a exclusão no item 5 do capítulo IV da necessidade de as clínicas, centros ou serviços onde são feitas as doações manterem, de forma permanente, uma amostra de material celular dos doadores;

vi) inclusão no item 6 do capítulo IV da ressalva quanto à desnecessidade de evitar, na região de localização da  unidade,  o  registro  dos  nascimentos em que  um(a) doador(a) tenha produzido mais de 2 (dois) nascimentos de crianças de sexos diferentes em uma  área  de  1  (um)  milhão  de  habitantes quando  uma  mesma  família  receptora escolher um(a) mesmo(a) doador(a), que pode, então,  contribuir com quantas gestações forem desejadas;

vii) no item 9 do capítulo V atinente à criopreservação de gametas ou embriões, asseverou que, dentro do possível, cabe ao médico assistente selecionar a doadora que tenha a maior semelhança fenotípica com a receptora, que deve dar sua anuência à escolha;

viii)  alterado o item 2 do capítulo V, que estabelecia o limite de oito embriões para serem produzidos, deixando a critério do paciente a decisão quanto ao número de embriões a serem transferidos a fresco e o laboratório comunicará o número de embriões gerados;

ix) modificação do item 3 do capítulo V quanto ao momento da manifestação de vontade por parte dos pacientes quanto ao destino dos embriões criopreservados em caso de divórcio, dissolução de união estável ou falecimento de um deles ou de ambos, ou seja, antes da geração do embrião e não no momento da criopreservação;

x) retirada do item 4 e 5 do capítulo V, que previa a possibilidade de descarte de embriões congelados com três anos ou mais por vontade dos pacientes ou abandonados, ou seja, que estão armazenados, mas ocorreu o descumprimento por parte dos responsáveis do contrato com a clínica. Em ambos os casos, após a Resolução CFM nº 2.294/2021 o descarte do embrião dependeria de autorização judicial;

xi) no capítulo VI, que versa sobre o diagnóstico pré-implantacional de embriões, foi excluída a parte quanto a só constar informação no laudo de avaliação genética se o embrião é masculino ou feminino em casos de doenças ligadas ao sexo ou de aneuploidias de cromossomos sexuais, pelo que se depreende que pode constar essa informação de forma independente;

xii) no capítulo VII referente à cessão temporária de útero foi retirada a parte referente ao uso de gestação de substituição em caso de união homoafetiva ou de pessoa solteira, o que acaba por ampliar o escopo e afastar a necessidade de diferenciação quanto a quem utiliza essa técnica e para arranjos familiares específicos.

xiii) no item 3, alínea “b” do capítulo VII, foi acrescentado que o relatório médico deve atestar no caso de cessão temporária de útero a saúde física e mental de todos os envolvidos. A exposição de motivos, entre as mudanças, destaca a vedação da mistura dos espermatozoides em união homoafetiva, pois o médico deve conhecer o material genético que deu origem ao embrião implantado. O mesmo deve ocorrer em uniões homoafetivas femininas.

Cabe ressaltar, entre as diversas mudanças acima apontadas, a exclusão da previsão de descarte de embrião, já que esse tema sempre gerou várias discussões quanto à constitucionalidade e que tem acarretado o aumento da judicialização. Antes da revogação pela Resolução CFM nº 2.320/2022 da Resolução CFM nº 2.294/2021, que determinou a necessidade de autorização judicial para o descarte, os interessados passaram a formular pedidos de alvará para possibilitar a efetivação de suas vontades quanto ao destino dos embriões. Em algumas demandas, o Ministério Público interveio em defesa da vida do embrião, outras ocorreram  no sentido da falta de interesse de agir,[9] da inconstitucionalidade da obrigatoriedade, enquanto que algumas decisões adentraram no mérito autorizando o descarte.[10] No entanto, com a nova resolução do CFM, resta a dúvida de como as clínicas e hospitais que criopreservam embriões procederão quanto aos descartes. Em recente decisão, datada de outubro de 2022,[11] já após a revogação, a Resolução CFM nº 2.320/2022, a 26ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu não ter mais interesse de agir no pedido, cabendo a indagação se ficaria ao arbítrio dos pacientes e ajustes com as clínicas e hospitais definir quanto à criopreservação, descarte, doação, disponibilização para pesquisa, podendo se valer por analogia da Lei de Biossegurança, art. 5º, e Decreto nº 5.591/2005, para dirimir a questão, já que é o único diploma que mais se aproxima ao tema e a decisão do STF na ADI 3.350.

O terreno ainda é fértil, porém, arenoso, quando se trata de reprodução assistida, cabendo ao aplicador do direito certa atenção às mudanças que vêm ocorrendo não apenas no campo normativo, regulatório, com projetos de lei em tramitação,[12] mas, também, em tudo o que a Ciência propicia para fins de melhor garantir os direitos envolvidos e a proteção da própria humanidade.

Paula Moura Francesconi de Lemos Pereira
Doutora e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pós-graduada em Advocacia Pública pelo Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino de Direito – CEPED-UERJ. Pós-graduada em Direito da Medicina pelo Centro de Direito Biomédico da Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduanda em Direito da Farmácia e do Medicamento pela Universidade de Coimbra-PT. Professora do Instituto de Direito da PUC-Rio. Vice-Presidente da Comissão da OAB-RJ de Órfãos e Sucessões e membro da Comissão da OAB-RJ de Direito Civil. Coordenadora Adjunta de Direito Civil da ESA-RJ. Advogada. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5276030017603037. E-mail: plemos77@hotmail.com.

 

Notas:
[1] Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Vida/noticia/2017/08/pela-primeira-vez-edicao-genetica-em-embrioes-previne-doenca-hereditaria.html Acesso em: 13 out. 2022.
[2] Disponível em: https://agencia.fapesp.br/estudo-propoe-usar-inteligencia-artificial-para-aumentar-as-chances-de-sucesso-na-reproducao-assistida/37733/ Acesso em: 12 out. 2022.
[3]  No tocante à Resolução nº 2.294/2021 do CFM, merece a leitura: PEREIRA, Paula Moura Francesconi. Lemos; ALMEIDA JUNIOR, Vitor. Almeida. A reprodução humana assistida e a atuação do Conselho Federal de Medicina: as repercussões da nova resolução 2.294/21. Migalhas, 16 jul. 2021.
[4] Cabe citar a seguinte decisão, a título de ilustração: Apelação nº 0007088-06.2015.8.19.0052. Relator: Des. Mauro Dickstein. TJRJ. 28/10/2020.
[5] Nesse sentido, o posicionamento já consolidado do STJ em 2021: Tema Repetitivo 1067: “Salvo disposição contratual expressa, os planos de saúde não são obrigados a custear o tratamento médico de fertilização in vitro.”
[6] STJ, Recurso Especial nº 1.608.005 – SC – 21/05/2019 -. Relator : Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, Data do Julgamento 14/05/2019, Data da Publicação/Fonte, Dje 21/05/2019.
[7] A respeito da doação de óvulos entre irmãs, o que violaria a regra do anonimato prevista nas Resoluções do CFM anteriores à alteração permitindo a doação de gametas para parentes até o quarto grau (Resolução CFM nº 2.29/2021 – item IV.2), o Poder Judiciário acabou por intervir afastando a norma a respeito do tema. , conforme os seguintes julgados: TRF 3 Região – Apelação Cível (198) nº 5000378-07.2018.4.03.6114, Relator: Gab. 19 – Des. Fed. Fábio Prieto, Ai – Agravo de Instrumento / SP 5002617-56.2019.4.03.0000. TRF da 3ª região.
[8] Em relação ao tema: Agravo de Instrumento nº 70052132370, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em:  04/04/2013.
[9] Ação de autorização judicial para descarte de embriões criopreservados – Extinção do feito, sem julgamento de mérito, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil – Condições da ação preenchidas – Interesse de agir e legitimidade da parte devidamente demonstradas – Processo em condições de imediato julgamento – Aplicação da teoria da causa madura, art. 1.013, § 3.º, I, do Código de Processo Civil – Legitimidade da opção descarte dos embriões fertilizados e criopreservados – Livre manifestação da vontade dos titulares do material genético – Matéria de direito individual a critério dos envolvidos – Insubsistência de vinculação do procedimento à necessidade de prévia autorização judicial – Ausência de obrigação legal correlata no ordenamento jurídico pátrio, consoante o teor da Lei n. 11.105/2005 (Lei de Biossegurança) – Irrelevância prática para o resultado da controvérsia sobre a exigência prevista na Resolução 2.294/2021 do Conselho Federal de Medicina (CFM) – Inexistência de imperatividade ou de eficácia de lei, na acepção do termo, das diretrizes editadas pela autarquia, e falta de caráter vinculante ao juízo das posturas administrativas, de hierarquia baixa – Precedentes deste Tribunal de Justiça – Sentença reformada – Recurso provido. (TJSP, Apelação Cível 1034731-70.2021.8.26.0001 Relator(a): César Peixoto, Comarca: São Paulo, Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 27/09/2022, Data de publicação: 27/09/2022).
[10] Cabe citar sentença proferida pelo juízo da Vara do único Ofício da Comarca de Mata Grande, do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, que julgou procedente pedido de descarte. TJAL. Processo n.º 0700463-66.2021.8.02.0022, Juiz Thiago Augusto Lopes de Morais, Comarca de Mata Grande, Vara Do Único Ofício, julg. 18 ago. 2021.
[11]“Prestação de serviços – Descarte de embriões criopreservados – Alvará judicial – Necessidade de autorização judicial – Resolução do Conselho Federal de Medicina 2.294/21 – Revogação desta pela Resolução 2.320, de 01 de setembro de 2.022, do mesmo Conselho, tornando inexigível a autorização judicial – Perda superveniente do objeto e, por consequência, do interesse de agir – Extinção sem julgamento do mérito – Art. 485, VI do CPC – Apelo não conhecido, cassado o efeito suspensivo. (TJSP, Apelação Cível 1010356-45.2021.8.26.0020, Relator(a): Vianna Cotrim,  Comarca: São Paulo, Órgão julgador: 26ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 02/10/2022, Data de publicação: 02/10/2022).”
[12] Existem alguns Projetos de Lei do Senado: i) Projeto Original 90 de 1999, que foi aprovado e destinado para a Câmara, convertendo-se em Projeto de Lei 115/2015 – Institui o Estatuto da Reprodução Assistida, para regular a aplicação e utilização das técnicas de reprodução humana assistida e seus efeitos no âmbito das relações civis sociais. Conforme informações constantes na página do Senado na internet, os projetos de Lei sobre reprodução humana assistida, estão apensados uns aos outros;. ii) Projeto de Lei 1.184, de 2003 – Define normas para realização de inseminação artificial e fertilização “in vitro”; proibindo a gestação de substituição (barriga de aluguel) e os experimentos de clonagem radical; iii) Projeto de Lei 4892/2012 – Institui o Estatuto da Reprodução Assistida, para regular a aplicação e utilização das técnicas de reprodução humana assistida e seus efeitos no âmbito das relações civis sociais. (Apensado ao PL 1184/2003); e iv) Projeto de Lei n° 1851, de 2022, em tramitação no Senado Federal, que altera o art. 1.597 do Código Civil para dispor sobre o consentimento presumido de implantação, pelo cônjuge ou companheiro sobrevivente, de embriões do casal que se submeteu conjuntamente a técnica de reprodução assistida.

Autor da FÓRUM é o grande homenageado em tradicional evento de Direito Administrativo

Na 36ª edição, o Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA) em parceria com a Associação de Advogados de São Paulo (AASP), homenageia o autor da FÓRUM e doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Márcio Cammarosano.

O professor e homenageado do evento, Márcio Cammarosano. Foto: Editora FÓRUM.

Na editora, o professor coordenou, em 2011, a obra “Regime diferenciado de contratações públicas: RDC”, apresentando, na ocasião, os desafios que se mostrariam no então novo modelo de contratação. O livro foi o primeiro lançado no Brasil sobre o tema e, atualmente, está na 3ª edição.

Essa parceria, no entanto, vai além das páginas de títulos impressos e digitais. Como professor do eixo de Improbidade Administrativa do Programa de Capacitação FÓRUM 2022, Márcio Cammarosano auxiliou os participantes do curso a compreenderem, entre outros assuntos, aspectos fundamentais da defesa e proteção perante a Lei de Improbidade – Lei nº 14.230/2021.

Recentemente, o professor também escreveu o artigo “Inovações na tipificação do ato de improbidade”, disponibilizado em um e-book, gratuitamente, pela Editora FÓRUM.

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