Organizado pela FÓRUM e promovido pelo Tribunal de Contas do Estado do Pará (TCE-PA), o evento, que já se consolidou no cenário brasileiro como uma das maiores e mais importantes programações na área de controle, aconteceu nos dias 20 e 21 de junho e teve como tema “Sustentabilidade e Novas Tecnologias: o atual modelo de desenvolvimento”. Em dois dias de evento, estiveram presentes mais de 1000 participantes, além de autoridades nacionais e internacionais do setor de controle externo das contas públicas para debater temas relevantes da atualidade, como desenvolvimento sustentável e inovação tecnológica.
Na abertura do evento, a conselheira Rosa Egídia Crispino Calheiros Lopes, Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Pará (TCE-PA), destacou que “cabe-nos assegurar que recursos públicos sejam aplicados de maneira eficiente, transparente e responsável, sempre com vistas a proteger o meio ambiente e promover o bem-estar social”. O Coordenador do Fórum e Vice-presidente do TCE-PA, conselheiro Fernando Ribeiro, pontuou que as discussões em prol da sustentabilidade vão desde a erradicação da fome até a criação de objetivos de desenvolvimento sustentável. O Governador do Estado do Pará, Helder Barbalho, que também estava presente na abertura, elogiou a sintonia do Tribunal de Contas do Pará com a agenda ambiental e realçou o desafio enorme de propor alternativas a um cenário ambiental marcado pela complexidade.
A programação do primeiro dia começou com a conferência do Juiz-Presidente do Tribunal de Contas de Portugal, José Tavares, que destacou os princípios das atividades jurisdicionais dos Tribunais de Contas. Segundo ele, o evento é de enorme importância para o debate sobre questões que afetam todas as nações do mundo na atualidade. “Os cidadãos são destinatários primeiros das atividades dos Tribunais de Contas. Um Tribunal de Contas que não olha para o mundo que o governa morre”, afirmou.
Em seguida, em sua palestra, o Secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará, Mauro O’de Almeida, falou sobre a transformação digital das entidades ambientais estaduais e realçou a necessidade de preservar a natureza e conservar a biodiversidade. “Desde 2019, o governo do Pará avança na digitalização e no tratamento de dados para dimensionar a realidade e propor iniciativas transformadoras”, disse.
Nas apresentações da tarde do primeiro dia, o Ministro do Tribunal de Contas da União (TCU),Johnathan Pereira de Jesus, destacou que “a agenda sustentável quer melhorar as condições de vida das pessoas”. Antônio Anastasia, também Ministro do TCU, ressaltou o papel da Administração Pública na construção do desenvolvimento sustentável e reconheceu a incapacidade do poder público de conduzir programas sustentáveis sem parcerias com a iniciativa privada e com a sociedade civil organizada.
O Conselheiro-substituto do Tribunal de Contas do Mato Grosso (TCE-MT), Luiz Henrique Lima, palestrou sobre o papel dos Tribunais de Contas no controle da gestão ambiental rumo à COP-30 e enfatizou que a emergência climática deve merecer a atenção prioritária dos órgãos de controle externo. Teresa Villac, Coordenadora da Câmara Nacional de Sustentabilidade da Consultoria-Geral da União, também palestrante no evento, reforçou que a contratação pública deve ser um instrumento de responsabilidade, eficiência e governança pública sustentável.
O último dia do Fórum teve início com a palestra ministrada pelo Presidente do Instituto Rui Barbosa – IRB, Edilberto Pontes, que ressaltou que a política pública não é apenas um resultado de análise técnica: é um processo político. “Os Tribunais de Contas não podem ser hostis aos governos, mas devem evitar tomar posições políticas. Têm que ser independentes. Isso é sagrado”, destacou.
Em seguida, Wesley Vaz, Secretário de controle externo de governança, inovação e transformação digital do Estado – TCU, discutiu os impactos da nova governança pública na era da inteligência artificial. “Há necessidade de perceber que a governança pode, com esta tecnologia da IA, fazer com que nossas atividades sejam mais confiáveis e eficientes”, pontuou. O encerramento do evento foi feito com a apresentação do Ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), que destacou a importância de atender aos interesses dos cidadãos e honrar a relação de confiança com a sociedade.
O sucesso do evento foi comemorado pelo presidente da FÓRUM Conhecimento, Luís Cláudio Rodrigues Ferreira, que enfatizou que a organização do evento foi feita com excelência e destacou que “o papel da FÓRUM é construir pontes, é unir academia, jurisdicionados e população e os tribunais para que esses atores atuem para o bem comum e para o interesse público”.
Confira alguns depoimentos de autoridades e especialistas que participaram do XI Fórum TCE-PA e Jurisdicionados e veja algumas fotos do evento:
“A Editora FÓRUM é uma grande parceira do controle externo brasileiro em publicações e realização de eventos. O MP de Contas é parceiro do Tribunal de Contas no Fórum, já participa desde a primeira edição. Temos mais de 1.300 inscritos, palestrantes de ponta, ministros do Tribunal de Contas da União. Através da Editora FÓRUM, nós temos a possibilidade de congregar todos os atores que participam do nosso ambiente do controle externo e do mundo jurídico em geral.”
Stephenson Victer, Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do Estado.
“Às vésperas da COP 30, sustentabilidade é um tema do dia, principalmente no Pará. Novas tecnologias, big data, inteligência artificial, também. Juntar esses dois temas é de extrema relevância. Feliz a FÓRUM, feliz o TCE do Pará pela escolha do tema, muito atual e muito relevante. É um grande evento.”
Edilberto Carlos Pontes Lima, Presidente do Instituto Rui Barbosa.
“O XI Fórum é um debate ampliado para tratar sobre meio ambiente, sustentabilidade e de políticas públicas de inclusão e defesa das minorias. Já é um evento de sucesso porque traz várias temáticas para a gente refletir, dialogar e trabalhar nas instituições como vamos avançar dentro dessa nova temática, sempre visando ao fortalecimento do Estado, à sua economia, à sua biodiversidade e à sua pujança.”
Mônica Belém, Subdefensora Pública-Geral do Estado do Pará.
“Nós estamos vivenciando os momentos de preparação para a coroação da Amazônia, particularmente o nosso Estado e a nossa cidade, como referência nos debates sobre as mudanças climáticas em todo o mundo. Discutir desenvolvimento sustentável, capitaneado por um órgão de controle como o Tribunal de Contas do Estado, vem se somar a todos os esforços no sentido de colocar o Pará e Belém no patamar devido e preparar nossa região para o futuro que se avizinha.”
Em junho, a Editora FÓRUM lançou livros de renomados estudiosos sobre os mais variados temas do Direito, abordando assuntos como políticas públicas, Lei Anticorrupção, Código do Processo Civil, Lei da Improbidade Administrativa, gestão de riscos, execução trabalhista e a trajetória institucional do Supremo Tribunal Federal.
Veja os títulos que vão enriquecer seus conhecimentos, seja você um estudante ou profissional do Direito:
O objetivo deste livro é fornecer a todos os operadores jurídicos que de alguma forma se interessam pela seara eleitoralista elementos imprescindíveis para desvendar as suas fases, começando da estruturação dos órgãos da Justiça até os recursos eleitorais. Sem se descurar do fornecimento de uma boa teoria, o enfoque ocorre baseando-se em casos práticos, com exemplos pululantes, para que os leitores saibam qual o posicionamento das instâncias eleitorais, principalmente do Tribunal Regional Eleitoral.
Por meio de comentários abrangentes, críticos e individualizados a cada um dos trinta e um artigos que compõem a Lei Anticorrupção, busca-se oferecer aos leitores e leitoras uma análise cuidadosa das normas albergadas no texto e propostas capazes de sanar as principais dúvidas que as circundam. Para tanto, além de cotejar a função e a problemática dos artigos examinados dentro do sistema de responsabilização administrativa e civil criado pela Lei, os comentários levam em conta normas regulamentares e as recentes tentativas de modificação da legislação.
A presente obra dá sequência à série de comentários das muitas normas que compõem a Lei nº 13.015, de 16 de março de 2015 – o chamado Código de Processo Civil. Tem-se, assim, análises e considerações, acrescidas de citações doutrinárias e jurisprudenciais (preferencialmente os julgados dos tribunais superiores), dos temas afetos aos arts. 119 a 187, a saber, da intervenção de terceiros, do juiz e dos auxiliares da justiça, do Ministério Público, da Advocacia Pública e da Defensoria Pública. Adotou-se, como linha teórica de pesquisa, a garantística processual.
O livro traz comentários aos enunciados produzidos pelo IBDA, escritos por professores, advogados públicos e privados, membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, que analisaram e aprovaram proposições apresentadas pela comunidade jurídica brasileira, por meio de metodologia própria, divulgada no site do IBDA. Os artigos são essenciais para uma reflexão sobre as alterações introduzidas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) pela Lei nº 14.230/2021, bem como para o entendimento sobre seu conteúdo e alcance. Ideal para aplicadores da LIA e estudantes de graduação e de pós-graduação que se interessam pelo tema.
Provavelmente você se depara com esses termos todos os dias em jornais, artigos, livros e até mesmo dentro de sua organização. Mas quais são as diferenças e conexões entre esses temas? Como implementar a gestão de riscos no setor público? É possível? O objetivo deste livro é responder a essas e outras questões, derrubando alguns mitos que ainda existem sobre o assunto e demonstrando de maneira prática que é possível implementar a gestão de riscos na Administração Pública. Misturando teoria e prática, a obra traz um passo a passo dos caminhos a serem percorridos por uma organização, independentemente do seu tamanho e grau de complexidade, para atingir seus objetivos a partir do gerenciamento de riscos.
A obra apresenta os principais pontos relacionados ao tema, como a aplicação do Código de Processo Civil (CPC) à execução trabalhista, desconsideração da personalidade jurídica e da inversa da personalidade jurídica, hipoteca judiciária, averbação premonitória, medidas coercitivas do art. 139, IV, do CPC. Além disso, o autor apresenta questões sobre execuções mais eficazes vs. menos gravosas e trata das responsabilidades dos sócios e das boas práticas na execução.
O livro apresenta o pensamento constitucional predominante no período, os desenhos institucionais conferidos à Corte pelo novo regime e os mais importantes precedentes, selecionados em temas de crimes políticos, estrangeiros e disputas em matéria econômica. Os capítulos da obra recuperam o pensamento dos principais juristas do período e dedicam-se às sucessivas alterações das regras de funcionamento, composição e competências da Corte. Por fim, o leitor entrará em contato com os argumentos da Corte em casos marcantes, como os habeas corpus de Olga Benário, João Mangabeira e Ernesto Gattai e, no plano econômico, os casos da Stardard Oil Company of Brazil e do Departamento Nacional do Café.
Fruto de longos anos de pesquisa da autora acerca dos direitos das pessoas com deficiência, propõe, na presente obra, uma análise equitativa da educação inclusiva. Para tanto, são analisadas as estratégias educacionais adotadas atualmente no Brasil e contrapostas à teoria do capability approach e os direitos à igualdade e equidade. Durante a leitura, é possível estudar acerca do sistema jurídico brasileiro adotado para a educação da pessoa com deficiência, evoluindo para o contraponto do desenvolvimento escolar na perspectiva da equidade e, por fim, é proposto um modelo de educação para o desenvolvimento escolar da pessoa com deficiência partindo da equidade como diretriz norteadora.
Falar em direito financeiro é, intrinsecamente, tratar de políticas públicas, pois, sem dinheiro para seu financiamento, qualquer direito se constituirá apenas em palavras lançadas sobre uma folha de papel. Assim, a lógica de um direito financeiro substantivo é vinculada à concretização de direitos. Existe também um direito financeiro formal, que se caracteriza apenas pelo estudo dos institutos relacionados à matéria, sem lhes dar a devida dinamicidade. É a diferença entre a análise das regras do jogo e a análise do jogo jogado. Esta obra trata de direitos substanciais, e não meramente formais; analisa o jogo, e não apenas descreve suas regras.
No contexto da adoção, pessoas com deficiência (PCD) e outras condições de “difícil colocação” são preteridas por pretendentes. Além disso, pessoas autistas (e outras PCD) e pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexos (LGBTI+) são altamente vulneráveis nesse sistema, por elas serem socialmente marginalizadas, familiarmente rejeitadas e institucionalmente invisibilizadas. Portanto, é preciso enfrentar barreiras no acesso ao direito de pessoas autistas e pessoas LGBTI+ de serem acolhidas por uma família. Diante disso, faz-se importante que a discussão sobre esse assunto esteja presente no cotidiano dos profissionais envolvidos em processos de adoção[1].
A expressão “difícil colocação” faz paralelo com uma expressão da língua inglesa, “hard to place” (“difícil de colocar”), usada para se referir a grupos de crianças e adolescentes que são preteridos no perfil escolhido por pretendentes à adoção. Por outro lado, outra expressão da língua inglesa, “hard to find” (“difícil de encontrar”), é usada para se referir a famílias receptivas à adoção de crianças e adolescentes desses grupos que são preteridos por motivos de idade, raça e presença de irmãos, por exemplo.
A tarefa de encontrar pretendentes à adoção de pessoas autistas e pessoas LGBTI+ apresenta uma camada extra de dificuldade, pois, além de estigmas ligados à forma como a adoção é socialmente percebida, tem-se os processos de marginalização desses grupos. Assim, ocorre uma adição de vulnerabilidades, a partir da discriminação contra pessoas com deficiência (capacitismo) e da discriminação contra pessoas LGBTI+ (LGBTIfobia).
Observa-se uma relação incoerente entre características de crianças e adolescentes disponíveis à adoção, por um lado, e preferências de pretendentes, por outro lado. Além disso, existem leis brasileiras de combate à discriminação contra pessoas com deficiência, de criação recente, porém não há nenhuma expressamente direcionada ao combate à discriminação contra pessoas LGBTI+.
Considerando a presença de machismo, racismo, LGBTIfobia e outras formas de opressão no meio social e cultural do Brasil, o capacitismo é combatido pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146, de 2015), entre outros textos normativos. Esse cenário estruturalmente discriminatório também se manifesta no contexto de crianças e adolescentes disponíveis para adoção, no qual o fato de ser uma pessoa com deficiência pode ser percebido como parte de um conjunto de condições denominadas como de “difícil colocação”, tais como ser uma pessoa negra, ter irmãos ou ter mais anos de vida.
De acordo com dados dos Relatórios Estatísticos Nacionais do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), coletados em abril de 2024, entre as 4.667 crianças e adolescentes disponíveis para adoção, 69% são negras (somando-se pretas e pardas), 20,7% são pessoas com deficiência, 59% têm irmãos e 69% têm idade acima de 8 anos (48% têm idade acima de 12 anos). E entre 36.297 pretendentes disponíveis, 5% aceitam pessoa com deficiência e 6% aceitam com idade acima de 8 anos (0,9% aceitam com idade acima de 12 anos) (SNA, 2023).
Uma das medidas para enfrentar essa “dificuldade de colocar” pessoas com deficiência em famílias adotivas foi implementada por meio da Lei n. 12.955, de 2014, que incluiu o § 9º no artigo 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei n. 8.069, de 1990. Conforme esse novo dispositivo, nos casos em que o adotando for PCD, os processos de adoção terão prioridade de tramitação (BRASIL, 1990).
Em relação à adoção “de difícil colocação”, o art. 87, VII, do ECA, estabelece que a política de atendimento tem como parte de suas linhas de ação as campanhas de estímulo à adoção inter-racial, de grupos de irmãos, de crianças maiores ou de adolescentes, com deficiências ou com necessidades específicas de saúde (BRASIL, 1990).
O ECA estabelece a necessidade de preparação tanto dos postulantes como também das crianças e adolescentes para a adoção. O § 5º do art. 28 determina a preparação gradativa e acompanhamento posterior para a colocação em família substituta. O § 3º do art. 50 impõe um período de preparação psicossocial e jurídica antes da inscrição de postulantes à adoção. E o § 1º do art. 197-C define como obrigatória a preparação psicológica, orientação e estímulo à adoção inter-racial, de crianças ou de adolescentes com deficiência, de grupos de irmãos etc. (BRASIL, 1990).
Abordar e aliviar os estigmas da deficiência e os estigmas da adoção são passos importantes para melhorar o acesso à família para PCD. Entre os estigmas da deficiência, estão as ideias de tragédia, fardo, dependência e incompetência, enquanto que, entre os estigmas da adoção, estão as concepções de que terão problemas se souberem que foram adotadas, são danificadas, são menos amadas pelos pais adotivos e poderão ser retomadas pelos pais biológicos a qualquer momento (SUFIAN, 2022, p. 232-233).
É preciso reconhecer que as decisões envolvendo PCD – até aquelas sobre assuntos íntimos – são decisões políticas comumente moldadas por noções capacitistas de família, que devem ser expostas para reconceituar a família de novas maneiras, a fim de melhorar o acesso de crianças e adolescentes com deficiência. Contudo, também se faz necessário entender como e por que ocorreu essa dinâmica para pensar em soluções que focam menos na deficiência como problema pessoal ou parental e mais em limitações estruturais e socioculturais (SUFIAN, 2022, p. 228).
Os dados do SNA, conforme apresentados na página do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) referente à adoção, expõem os números de crianças e adolescentes que compõem alguns grupos, identificados por gênero, raça, idade, deficiência e quantidade de irmãos. Assim, percebe-se a ausência de dados sobre pessoas com deficiência invisível (como é o caso de pessoas autistas) e sobre pessoas dissidentes da heteronormatividade (destoantes do padrão heterossexual de comportamento).
No que se refere à deficiência, aparecem dois tipos no sistema de adoção: deficiência física e deficiência intelectual. Autismo é uma condição neurológica – não é doença, e sim uma deficiência –, no entanto, não se enquadra em nenhum desses dois tipos. Existem autistas com deficiência intelectual ou sem, e existem autistas com deficiência física ou sem. Porém, autistas e LGBTI+ têm essas suas condições apagadas nos dados do SNA, como se não existissem ou não importassem.
Um foco interessante para futuras pesquisas sobre o sistema de adoção seria uma articulação entre as vulnerabilidades de pessoas pertencentes a um desses grupos marginalizados ou a ambos: pessoas autistas (que são pessoas com deficiência invisível) e pessoas LGBTI+ (dissidentes da heteronormatividade). A justificativa para a delimitação da interface entre tais grupos como recorte de análise poderia ser fundamentada por duas de suas características em comum.
A primeira dessas características é a possibilidade de que essas pessoas sejam rejeitadas por sua condição. Tal rejeição pode ocorrer tanto em relação a pretendentes a adotantes (que percebem comportamentos considerados indesejados, incômodos ou incompreendidos) quanto em relação às famílias de origem, que podem ter praticado atos de violência e negligência, que motivaram o poder estatal a removê-las das famílias de origem. Também existem as situações de abandono, como, por exemplo, nos casos de crianças e adolescentes que são expulsos de casa por LGBTIfobia.
A segunda dessas características consiste no fato de que essas pessoas podem, em algumas situações, ter a sua condição invisibilizada (ignorada, invalidada ou mascarada) por outras pessoas ou por si mesmas. Existem ainda as situações de desconhecimento, como, por exemplo, nos casos de autistas que não têm um diagnóstico para confirmar tal condição. Algumas pessoas recebem o devido acompanhamento apenas na idade adulta, às vezes por falta de informação ou por dificuldade de acesso a serviços de saúde.
Dentro do grupo de pessoas com deficiência, estão incluídas as pessoas autistas, conforme a Lei da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (também conhecida como Lei Berenice Piana). Em seu art. 1º, § 2º, determina-se que “A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais” (BRASIL, 2012). Assim, leis como o Estatuto da Pessoa com Deficiência são aplicáveis para as pessoas autistas.
Os incisos I e II, do § 1º do art. 1º da Lei Berenice Piana apontam características de uma pessoa autista, condição confirmada por avaliação com equipe de profissionais da saúde: dificuldades da comunicação, dificuldades da interação social, comportamentos motores ou verbais repetitivos, comportamentos sensoriais incomuns e padrões restritos de interesses e atividades (BRASIL, 2012).
No que se refere ao crime de discriminação contra a pessoa com deficiência, o art. 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência o define como o ato de praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência, com pena de reclusão, de 1 a 3 anos, e multa – sendo a pena aumentada em 1/3 se a vítima encontrar-se sob cuidado e responsabilidade do agente e tendo pena de reclusão, de 2 a 5 anos, e multa, se o crime for cometido por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza (BRASIL, 2015).
Em relação ao combate à discriminação contra pessoas LGBTI+, um grupo de doze entidades da Organização das Nações Unidas (ONU) lançou, em 2015, uma declaração conjunta muito breve, com duas páginas, chamando os Estados para esse combate. Nesse documento, é declarado que o fato de um Estado não proteger pessoas LGBTI+ contra práticas discriminatórias configura uma grave violação das normas internacionais de direitos humanos e tem um impacto significativo sobre a sociedade, gerando exclusão social e econômica. Em relação a essa situação, medidas urgentes devem ser tomadas por governos, parlamentos, poderes judiciais e instituições nacionais de direitos humanos, com apoio de líderes políticos, religiosos e comunitários, organizações de trabalhadores, profissionais de saúde, organizações da sociedade civil, setor privado e meios de comunicação (UN, 2015, p. 1).
A declaração ressalta, ainda, que pessoas LGBTI+ enfrentam discriminação e exclusão em todos os âmbitos, incluindo formas múltiplas de discriminação com base em fatores como sexo, raça, etnia, idade, religião, pobreza, migração, deficiência e estado de saúde. As crianças enfrentam bullying, discriminação ou expulsão de escolas por sua orientação sexual e identidade de gênero, real ou percebida, ou pela de seus pais. A juventude LGBTI+ rejeitada pelas famílias vivenciam índices alarmantes de suicídio, falta de moradia e insegurança alimentar. Os Estados devem respeitar as normas internacionais de direitos humanos em matéria de não discriminação, aplicando, entre outras, medidas de combate à discriminação contra pessoas LGBTI+ mediante o diálogo, a educação e treinamentos públicos. E também garantindo que as pessoas LGBTI+ sejam consultadas e participem da elaboração, implementação e monitoramento de leis, políticas e programas que lhes afetem, incluindo iniciativas de desenvolvimento (UN, 2015, p. 2).
O alvo da opressão que as pessoas LGBTI+ sofrem consiste na não conformidade aos padrões cisheteronormativos, ou seja, aqueles padrões que afirmam o grupo cisgênero e heterossexual como a norma social. Por seguir a norma imposta por ele próprio, esse grupo dominante se considera como normal e persegue o que ele classifica como o grupo transviado, chamado assim por desviar da linha reta apontada como a única rota certa.
Segundo os dados do SNA, citados anteriormente, adolescentes (acima de 12 anos) compõem quase metade (48%) do total que está disponível para adoção, de modo que essa é uma característica cuja prevalência é conhecida. Porém, diante da ausência de dados sobre autistas e LGBTI+ no sistema de adoção, desconhece-se a prevalência dessas condições no contexto desse conjunto de crianças e adolescentes à espera de adoção.
Considerando a ausência de dados supracitada, é possível fazer a proposição de uma hipótese – a ser investigada em futuras pesquisas – referente à ideia de que a rejeição decorrente de discriminação contra autistas e LGBTI+ pode contribuir para que algumas crianças e adolescentes tenham dificuldade para sair do sistema de adoção. Ainda nessa hipótese, isso pode ter contribuído para sua entrada no sistema por meio de entrega para adoção, abandono (às vezes, expulsão de casa), ou situação de negligência, violência e maus tratos (a ponto de serem removidas de casa pelo Estado).
A condição de autista e a condição de LGBTI+ poderiam ser consideradas como categorias invisibilizadas entre aquelas de “difícil colocação” para adoção. Por não serem vistas, não se traz informação sobre tais condições na preparação de pretendentes à adoção. Nessa preparação, falta incentivo à adoção de autistas e LGBTI+, e também falta o enfrentamento a estigmas relacionados a esses grupos sociais. Com isso, o sistema de adoção discrimina autistas e LGBTI+ ao não reconhecer suas condições marginalizadas e não enfrentar barreiras no acesso ao direito de pessoas autistas e pessoas LGBTI+ de serem acolhidas por uma família. Portanto, é preciso que sejam realizados mais estudos sobre o combate à discriminação de autistas e LGBTI+ à espera de adoção.
Tendo em vista a identificação das questões de autistas e LGBTI+ à espera de adoção, uma solução jurídica possível seria a busca ativa de pais para adoções relativas a essas vulnerabilidades em específico. Em abril de 2022, o CNJ instituiu a busca ativa no SNA por meio da Portaria CNJ n. 114/2022. De acordo com o seu art. 2º, a finalidade da busca ativa nacional é “[…] promover o encontro entre pretendentes habilitados e crianças e adolescentes aptos à adoção que tiverem esgotadas todas as possibilidades de buscas nacionais e internacionais de pretendentes compatíveis com seu perfil no SNA” (CNJ, 2022). E no § 1º do art. 2º, a portaria define que os pretendentes habilitados poderão acessar algumas informações das crianças e adolescentes, como prenome, idade, estado, fotografia e vídeo curto com depoimento pessoal (CNJ, 2022).
A busca ativa nacional une-se aos esforços já lançados por alguns tribunais utilizando a tecnologia para facilitar o encontro entre as famílias que pretendem adotar e as crianças e adolescentes que esperam por essas famílias. No caso de autistas e LGBTI+, a busca ativa poderia funcionar como uma ferramenta para terem visibilidade em relação a essas condições, que são invisibilizadas em alguns contextos sociais e jurídicos.
A invisibilização de autistas e LGBTI+ no sistema de adoção é só uma entre as formas pelas quais têm sua condição ignorada. Assim, o combate à invisibilização no contexto de busca por uma família adotiva, por si só, não é capaz de enfrentar todos os momentos de invisibilização de autistas e LGBTI+. Porém, é um bom passo, pois o apoio familiar pode ser a fonte de força para muitas outras batalhas contra a discriminação.
[1] Versão resumida do nosso artigo “Combate à discriminação de autistas e LGBTI+ à espera de adoção”, publicado na Revista Brasileira de Estudos da Homocultura (REBEH), v. 6, n. 20, p. 235-259, 2023. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/rebeh/article/view/15201
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Diário Oficial da União, 1988. Disponível em: http://planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 19 abr. 2024.
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 1990. Disponível em: http://planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 19 abr. 2024.
BRASIL. Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Brasília: Diário Oficial da União, 2012. Disponível em: http://planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm. Acesso em: 19 abr. 2024.
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília: Diário Oficial da União, 2015. Disponível em: http://planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 19 abr. 2024.
CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Portaria CNJ n. 114 de 05/04/2022. Institui a ferramenta de busca ativa no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), e regulamenta os projetos de estímulo às adoções tardias, entre outras providências. Brasília: CNJ, 2022. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4472. Acesso em: 19 abr. 2024.
SNA (Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento). Relatórios Estatísticos Nacionais. Brasília: CNJ, 2023. Disponível em: http://cnj.jus.br/programas-e-acoes/adocao. Acesso em: 19 abr. 2024.
SUFIAN, Sandra Marlene. Familial fitness: disability, adoption, and family in modern America. Chicago: The University of Chicago Press, 2022.
UN (United Nations). Joint UN statement on ending violence and discrimination against LGBTI people. 29 Sep. 2015. Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Issues/Discrimination/Joint_LGBTI_Statement_eng.pdf. Acesso em: 19 abr. 2024.
Ana Carla Harmatiuk Matos
Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná e mestre em Derecho Humano pela Universidad Internacional de Andalucía. Tutora in Diritto na Universidade di Pisa-Italia. Professora Titular em Direito Civil da Universidade Federal do Paraná. Vice-Presidente do IBDCivil. Diretora Regional-Sul do IBDFAM. Advogada militante em Curitiba. Conselheira Estadual da OAB-PR. Membro Consultora da Comissão Especial de Direito das Sucessões do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. E-mail: adv@anacarlamatos.com.br.
Honácio Braga de Araújo
Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Paraná, com bolsa CAPES/PROEX. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, com bolsa CNPq. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Membro do Núcleo de Direitos Humanos e Vulnerabilidades da UFPR. Membro do Coletivo Autista da UFPR (Coletivo Stim). E-mail: honacio@gmail.com.
Organizado pela Editora FÓRUM e promovido pela Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor), por meio da Escola do Parlamento (EPFOR), o Fórum Municipal de Segurança Pública de Fortaleza, realizado hoje (07), reuniu representantes nacionais e estudiosos para conversar sobre o tema, além de servidores e cidadãos interessados em se capacitar e participar do debate. Durante o evento, os participantes discutiram medidas importantes e urgentes para garantir o enfrentamento à violência e a redução da criminalidade.
A abertura ficou a cargo do presidente da Câmara Municipal de Fortaleza, Gardel Rolim, que destacou o papel da Câmara em fomentar o debate sobre um tema tão relevante para o país. O Ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal – STF, ressaltou a qualidade do trabalho da FÓRUM e iniciou a primeira conferência magna destacando como o Judiciário pode impulsionar boas políticas de segurança pública e as normativas e jurisprudências do STF.
Na segunda parte da conferência, o Ministro Joel Ilan, do Superior Tribunal de Justiça – STJ, pontuou os desafios e a atuação dos municípios brasileiros na garantia da segurança pública e mostrou de que modo o Poder Judiciário, através do STJ, está entendendo e modelando a conduta dos agentes na área. Segundo o Ministro, “essa iniciativa tem o mérito de trazer à discussão temas que giram em torno desse assunto, que é uma das grandes preocupações hoje”.
Iniciando o painel da tarde, o Doutor em Sociologia, Flávio Sapori, abordou os desafios e as possibilidades da atuação dos Municípios na Segurança Pública. Segundo o especialista, “a prefeitura e, principalmente, a guarda municipal têm uma grande contribuição a dar na garantia da ordem e da segurança nas regiões próximas às escolas públicas, nos postos de saúde, no patrulhamento de vias públicas e isso é fundamental num trabalho articulado entre a guarda municipal, a polícia militar e a polícia civil.”
A palestra de encerramento foi realizada pelo Doutor em Políticas Públicas, Alberto Kopittke, que falou sobre a prevenção da violência na cidade, com base em evidências da segurança pública, e ressaltou que é fundamental o papel dos municípios, pois estes “são a chave para conseguir reduzir a violência nas nossas grandes cidades.”
Representando a FÓRUM, Maria Amélia Mello, diretora-executiva, esteve presente e comentou sobre a importância do evento:
“Em mais uma parceria com a Câmara Municipal de Fortaleza, neste evento a FÓRUM pôde dar um passo fundamental no sentido de ir além do Direito Penal para agregar outras ciências e paradigmas, como a segurança pública baseada em evidência. Vejo isso como essencial para voltarmos a vislumbrar caminhos para os impasses que hoje tornam tão crítica a situação em todo o país.
Este evento marca não só a discussão da posição das guardas municipais, hoje incerta nos tribunais superiores, como também a necessidade de soluções pautadas em estudos e experiências internacionais de sucesso. Além disso, como marca registrada da FÓRUM, foi lugar de encontro e diálogo não só de diversas instâncias e entidades, mas de amigos de décadas que graças a felizes coincidências puderam se rever no nosso palco, como foi o momento entre o gigante Flávio Dino e nosso estimado Ministro do STJ, Joel Ilan”.
Além de contribuir para os parlamentares, o evento conclamou a participação da população, com abertura de inscrições gratuitas para os cidadãos participarem do debate e pensarem coletivamente na solução dos desafios atuais.
Ampliar o conhecimento jurídico é uma busca constante dos profissionais de todas as áreas do Direito. Há diferentes caminhos possíveis para atingir este objetivo, mas é essencial que os conteúdos tenham origem em fontes seguras e atualizadas para não implicar em riscos a suas práticas.
Nesse cenário, os servidores precisam de conteúdos que tenham, ao mesmo tempo, densidade histórica e de interpretação das normas e uma comunicação didática e precisa. Por isso, a Coleção Digital FÓRUM Jacoby de Direito Público foi produzida para orientar corretamente o setor público, contemplando temas indispensáveis para a gestão administrativa em um material digital exclusivo e atualizado.
Com didática e precisão, os materiais têm o selo editorial de excelência FÓRUM e orientam o dia a dia do profissional que lida com a Administração Pública, proporcionando mais praticidade na obtenção de informações qualificadas e maior produtividade em suas práticas diárias.
Coordenada pelo consagrado jurista Prof. Jorge Ulisses Jacoby Fernandes e filhos, Ana Luiza e Murilo Jacoby Fernandes, a coleção é composta por 23 volumes digitais e o Informativo FÓRUM Jacoby de Gestão Pública, uma publicação com atualização diária com seleção e comentários das principais notícias do dia sobre decisões e pareceres, publicados no Diário Oficial da União e em jornais de circulação nacional.
A Coleção é amplamente adotada por estudiosos da área e está disponível na Plataforma FÓRUM de Conhecimento Jurídico®, facilitando a busca e poupando horas de pesquisa.
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Em 2023, nos Estados Unidos, um homem foi preso após ter instalado uma câmera em um banheiro de um cruzeiro para gravar imagens íntimas[1]. Em janeiro de 2024, no Brasil, um casal noticiou ter encontrado uma câmera escondida em um resort em que estavam hospedados, instalada para a captação de cenas sexuais ou de nudez[2]. Nesse cenário, o art. 216-B do Código Penal brasileiro tipifica o delito de registro de intimidade sexual, incluindo fotografar ou filmar cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter privado sem autorização dos participantes, cominando pena de detenção de seis meses a um ano e multa.
A instalação de câmeras para registro de atividades íntimas ou cenas de nudez inequivocamente caracteriza um ilícito penal, sem prejuízo da reparação civil. A questão jurídica controversa que surge a partir desse cenário é: os locadores podem deixar câmeras ligadas em imóveis de sua propriedade, fora das áreas de intimidade, quando estiverem locados para terceiros?
O desenvolvimento da economia de compartilhamento transformou a forma como interagimos com os bens ao nosso redor, oferecendo acesso a uma ampla gama de serviços e recursos. Esse paradigma, contudo, também suscita questões cruciais sobre segurança e privacidade. No caso de plataformas como o Airbnb, essa questão é ainda mais relevante quando se constata que os proprietários abrem as portas de suas casas para o mercado.
Nesse contexto, enquanto os locatários desfrutam da economia de compartilhamento, também precisam ponderar os riscos que envolvem a sua privacidade. Afinal, a sensação de conforto em um ambiente temporário pode ser comprometida quando se introduzem câmeras de vigilância e, mais ainda, quando o locatário não é advertido sobre isso.
Esse modelo econômico nos desafia a encontrar um equilíbrio entre a oferta de serviços acessíveis e os direitos individuais, notadamente o de privacidade. E, nessa equação, é necessário considerar não meramente a eficiência econômica, mas também as implicações éticas e legais das decisões tomadas.Parte superior do formulário
Sobre a temática, à luz do princípio da proporcionalidade e considerando o embate entre a privacidade, a segurança e a propriedade, Luís Felipe Salomão e Caroline Somesom Tauk delinearam parâmetros para a instalação das câmeras nessas hipóteses, requisitos sem os quais haveria a caracterização do ilícito civil: 1) instalação de dispositivos visíveis; 2) com consentimento prévio dos ocupantes; 3) e fora das áreas de intimidade de acomodação[3].
O Airbnb, contudo, vedou o uso de câmeras nos espaços internos das propriedades locadas em suas plataformas, ainda que previamente advertido, sob pena de remoção do locador da plataforma:
Não permitimos que os anfitriões tenham câmeras de segurança ou dispositivos de gravação que monitoram espaços internos, mesmo que esses dispositivos estejam desligados. As câmeras ocultas sempre foram proibidas e continuarão sendo. Os anfitriões podem ter câmeras de segurança na parte externa, monitores de ruído e dispositivos inteligentes, desde que cumpram as diretrizes a seguir e as leis aplicáveis. Essas regras entram em vigor em 30 de abril de 2024[4].
Inicialmente, a proibição se restringia para quartos e banheiros, sendo permitida a instalação em outros ambientes de circulação, desde que previamente avisado no anúncio. No entanto, a proibição agora se estende para todos os cômodos, independentemente de visibilidade, e vale para todo o mundo a partir de 30 de abril de 2024. A inovação não é irrelevante, especialmente considerando que a instalação de câmeras vinha se caracterizando como uma prática entre diversos locadores, potencializada, inclusive, pelo aquecimento da locação por temporada e da economia de compartilhamento.
Não à toa, o Saturday Night Live, um dos programas humorísticos mais antigos da TV norte-americana, trouxe um esquete satirizando a decoração e o design de apartamentos locados no Airbnb, incluindo a menção às câmeras ocultas[5]. É certo que os proprietários têm preocupações atinentes à segurança do imóvel e a instalação de câmeras, em tese, pode tranquilizá-los no que tange aos eventuais danos ou comportamentos inapropriados. A decisão do Airbnb, nesse ponto, privilegia o direito de privacidade dos hóspedes, reconhecendo que a sensação de vigilância pode ser incômoda para os interessados na locação.
Ainda em 2021, o caso “Verônica X Felipe” viralizou na internet. O meme surgiu a partir de áudios divulgados entre a proprietária Verônica e o locatário Felipe, ocasião em que ela afirmou ter visto, por meio das câmeras instaladas, o locatário e seus amigos fazendo uma orgia pela casa, o que teria violado as regras do local[6].
A reflexão sobre casos como esses pontua o embate entre os direitos de privacidade e de propriedade, tendo o Airbnb, na ponderação entre os interesses, privilegiado o dos hóspedes. Não se trata de decisão simples, máxime se tratando de plataformas que precisam equilibrar os interesses de grupos interdependentes para obter eficiência. Também impende ressaltar que as relações em plataformas como o Airbnb produzem bons resultados quando lastreadas na confiança[7].
Desse modo, as políticas internasrefletem não apenas uma questão de privacidade e segurança, mas também os valores e interesses comerciais da plataforma. Essa medida busca atribuir mais credibilidade reputacional e manter a confiança dos locatários na plataforma, demonstrando um compromisso com a privacidade e o bem-estar dos hóspedes. É nesse sentido, inclusive, que a classificação feita pelos usuários nas plataformas digitais desempenha um papel importante nas transações online[8]. Nesse ponto, o chefe de política comunitária do Airbnb, Juniper Downs,informou que essas mudanças foram feitas em consulta com os hóspedes, anfitriões e especialistas em privacidade[9].
A instalação de câmeras em imóveis de locação por temporada levanta questões complexas sobre a privacidade dos hóspedes e a segurança da propriedade. A transparência e o consentimento dos locatários devem ser priorizados, sendo fundamental a adesão a padrões éticos e responsáveis no uso de câmeras. Apesar do fortalecimento do diálogo global sobre a privacidade, ainda há muito a ser discutido. Especialmente porque hoje convivemos com câmeras e dispositivos de reconhecimento facial a cada esquina, nem que seja no nosso próprio celular. A vigilância disseminada em espaços públicos e privados tem aparecido como uma forma de controle social, mas é sempre necessário avaliar e ponderar o seu uso em face dos riscos que apresentam à privacidade.
Advogada. Mestra em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Coordenadora no GT de Inteligência Artificial e Novas Tecnologias no Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN). Secretária-Geral da Comissão de Inovação, Tecnologia e Proteção de Dados da OAB/AL. E-mail: gabrielabuarqueps@gmail.com.
O livro, através da perspectiva de pesquisadores e advogados, contextualiza a aplicação do direito à privacidade a problemas contemporâneos, analisando criticamente doutrina e jurisprudência, propiciando uma reflexão sobre utilização no cenário nacional. Confira o sumário.
O mês já está quase acabando, mas ainda dá tempo de conhecer os livros publicados pela Editora FÓRUM com os mais variados temas do Direito, escritos por renomados autores. Desde licitações e contratos e improbidade administrativa até licenciamento ambiental e advocacia pública, as obras apresentam conteúdos relevantes para profissionais e estudantes da área.
Confira a lista de títulos que você precisa ter para completar a sua biblioteca jurídica.
Esta obra constata que a teoria discursiva e procedimental pode conferir legitimidade democrática à decisão judicial. Afinal, a teoria discursiva propõe que os atos estatais sejam precedidos do debate com as partes envolvidas no problema e que a decisão estatal seja construída a partir dos argumentos apresentados pelas partes (o contraditório) e com os valores morais da comunidade (os direitos fundamentais previstos na Constituição). Esta pesquisa demonstra a necessidade e a possibilidade de se melhorar a atividade judicial do Brasil, principalmente, o ato jurisdicional.
A presente obra, em sua 6ª edição, trata do licenciamento ambiental, com diversos pontos polêmicos pouco explorados pela doutrina, para facilitar a sua compreensão e adequado manejo desse instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente. Sem se descuidar do aspecto teórico, incluindo a experiência do Direito Comparado, a obra procura oferecer soluções para problemas práticos que envolvem o licenciamento ambiental, adicionando opinativos da advocacia pública sobre o tema, especialmente aqueles oriundos da Advocacia-Geral da União, trazendo temas ou abordagens inéditas ao tema decorrentes da experiência do autor ao presidir o Ibama e assessorar juridicamente.
Nesta 7ª edição, a obra trata da Lei nº 14.133/2021, a Nova Lei de Licitações, de forma sistemática e completa, abordando as novas normativas federais publicadas desde a sua sanção. A linguagem é clara e a abordagem é prática, com análise crítica da jurisprudência dos órgãos de controle. O livro é indispensável para os que militam na área, agentes administrativos, advogados públicos e privados, magistrados, membros do Ministério Público e estudantes.
Na obra, o autor indica os desafios que precisam ser superados na realização dos deveres constitucionais dos advogados públicos e perpassa o histórico dessa função, a autonomia sob diversos vieses, os entendimentos jurisprudenciais, falando-se sobre a teoria dos poderes implícitos. Conclui-se com a necessidade de maior autonomia para a instituição para que se possa exercer a função na defesa do Estado democrático de direito.
Esta obra tem o objetivo de proporcionar aos candidatos e candidatas a Vereador (a) a preparação para a corrida eleitoral. Aborda o assunto de maneira abrangente, com linguagem simples e objetiva, veiculando noções importantes para os candidatos em três pontos: a legislação eleitoral, o marketing político numa eleição local e as funções de um membro do legislativo municipal, sob o olhar da experiência do autor em campanhas eleitorais e gestão municipal. Os conhecimentos veiculados no livro são úteis também para dirigentes partidários, apoiadores e qualquer pessoa que tenha interesse em saber como funciona o processo eleitoral para a escolha dos membros do Poder Legislativo no âmbito municipal.
Este livro busca debater os aspectos multidisciplinares desse novo sistema de cobrança, seus desafios, perspectivas e resultados já colhidos nas atuais experiências. A obra apresenta os elementos principais a partir de diferentes visões de atores do setor público e privado, como estruturadores, agentes públicos, concessionárias, empresas de tecnologia, entre outros. Portanto, esta obra busca lançar luz sobre essas complexidades, oferecendo insights sobre como as barreiras burocráticas foram enfrentadas e superadas no caminho para a adoção do free flow no Brasil.
O trabalho propõe uma visão sobre a dimensão atual do papel do Poder Judiciário na construção hermenêutica da decisão judicial, onde a tarefa interpretativa, além das disposições legais previstas no ordenamento, deverá observar os enunciados oriundos de entendimentos jurisprudenciais detentores de efeitos vinculantes. Apresenta-se como a doutrina se posiciona em relação à postura do Poder Judiciário, que se envolve cada vez mais em assuntos reservados, em tese, aos Poderes Legislativo e Executivo e as consequentes transformações processuais decorrentes da imposição dos enunciados vinculantes.
Por muito tempo, a ideia de acordo e composição na esfera da improbidade administrativa não seria sequer objeto de consideração. A bem da verdade, seria tida como contrária à legislação e, para alguns, ofensiva à noção de indisponibilidade do interesse público. O Direito brasileiro, no entanto, evoluiu nesse aspecto. A ordem jurídica não só previu instrumento próprio para ajustar sanções e obrigações com acusados pela prática de atos ímprobos, como reconheceu que essa ferramenta pode ser a melhor maneira de preservar o interesse público no caso concreto. No livro, o autor aponta quais os limites e o alcance do acordo de não persecução civil, representando um guia prático no exame de propostas e na elaboração de tais acordos
A presente obra analisa algumas dessas decisões paradigmáticas da Corte proferidas durante a pandemia, tendo como recorte da abordagem as ações ajuizadas pelo estado do Maranhão com o objetivo de garantir a efetividade de suas políticas de saúde pública em diversos conflitos federativos em face da União Federal. Desse modo, a obra se encontra ancorada fundamentalmente na ideia de que a preservação da autonomia federativa é condição de eficácia dos direitos fundamentais, revelando-se central o papel do STF no contexto de organização do Estado Federal brasileiro.
Realizada por meio da Escola do Parlamento (EPFOR), com organização da Editora FÓRUM e promovida pela Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor), a iniciativa aconteceu hoje (24) e abordou temas cruciais para as eleições municipais e fortalecimento da democracia. O evento teve como proposta preparar e aperfeiçoar vereadores e profissionais que atuam em equipes técnicas compostas por assessores e profissionais de instituições legislativas, além de atender às necessidades de qualquer cidadão interessado em se qualificar acerca do processo democrático das eleições.
A ocasião contou com participação de autores da FÓRUM e de importantes autoridades atuantes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como o Ministro André Ramos Tavares, que abriu as palestras do dia destacando como enfrentar e combater a desinformação, protegendo o eleitor e fortalecendo a democracia. Ele enfatizou que as eleições deste ano serão as primeiras com a democratização da inteligência artificial, cujo uso foi regulamentado pelo TSE, e destaca que “o eleitor só tem liberdade em um ambiente de informação”, ressaltando que a imprensa profissional é extremamente importante, um pilar da democracia. A Ministra Edilene Lôbo, também atuante no TSE, abordou a atuação estratégica do TSE nos bastidores da democracia.
O evento também teve a presença de outros palestrantes renomados na área, como Luna van Brussel Barroso, doutoranda em Direito Constitucional, que ressaltou a legitimidade do regime democrático e os desafios da liberdade de expressão na era digital; Caio Silva Guimarães, servidor público efetivo do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, que falou sobre as ferramentas tradicionais e digitais das propagandas eleitorais; e Marcos Ehrhardt Jr., doutor em Direito, que apresentou como a inteligência artificial está transformando o cenário eleitoral e afirmou que “a Justiça Eleitoral, então, tem o papel constitucional direcionado à proteção dos direitos fundamentais, dirigido, portanto, à cidadania, às pessoas”.
O presidente da FÓRUM, Luís Cláudio Rodrigues Ferreira, parabenizou os envolvidos e destacou a importância de ter um evento como este em um momento oportuno do calendário eleitoral, ressaltando que “a arte mais nobre que existe é exercer a Política e esta eleição pode ser a consagração da democracia e da expressão da liberdade do direito de voto”. Ticiana Mota, coordenadora da Escola do Parlamento, também abordou a relevância do encontro e de temas como inteligência artificial, marketing eleitoral e legislação, sobretudo em um ano de eleições municipais.
O Fórum teve inscrições gratuitas e abertas ao público e proporcionou uma experiência profícua para o conhecimento e aperfeiçoamento de profissionais e cidadãos, reforçando o compromisso com o processo democrático das eleições.
Na última sexta-feira (17), o 1º encontro FÓRUM do ano reuniu funcionários da empresa para um dia marcado pela emoção e gratidão. O encontro teve início com uma meditação conduzida pelo professor de yoga, Renato Moura, que convidou a todos a se conectarem com o seu interior, com atenção à respiração e reações do corpo a diferentes estímulos, como o sonoro, o olfativo e o visual.
Na abertura da reunião, a diretora-executiva Maria Amélia Corrêa de Mello apresentou um trecho da roda de conversa sobre a vida em todas as brechas, da jornalista e escritora Eliane Brum, levando a equipe a uma análise e reflexão sobre a vida em comunidade e aquilo que realmente é relevante nos dias atuais. Trazendo o debate para a rotina da empresa, os funcionários se dividiram em grupos para pensarem sobre a aplicação e a contribuição de cada um para os valores da FÓRUM.
Homenagem por tempo de casa ao funcionário Leonardo Araújo. Foto: Divulgação FÓRUM.
Homenagem por tempo de casa ao funcionário Fernando Andrade. Foto: Divulgação FÓRUM.
O momento também foi marcado pela homenagem ao tempo de casa do supervisor editorial, Leonardo Araújo, e do designer gráfico, Fernando Andrade, que acumulam 15 e 5 anos de FÓRUM, respectivamente. Além disso, como forma de celebrar aquela que cuida, todas as mulheres foram presenteadas em comemoração ao dia das mães.
Maria Amélia Corrêa de Mello, diretora-executiva. Foto: Divulgação FÓRUM.
Após o almoço, a diretora-executiva Maria Amélia dividiu sua trajetória e destacou momentos marcantes nos últimos anos que inspiraram a chegada dos valores “delicadeza”, “zelo” e “vida” na Editora. Na ocasião, ela ressaltou a importância de semear estes e os demais valores para além da FÓRUM, norteando a forma de atuar e impactando positivamente todo o ecossistema no qual a empresa está inserida.
Ao final, os diretores de cada área, Adriela Costa (Operações), Débora Watanabe (Marketing), Marina Boense (Relações Institucionais) e Phellipp Henrique (Tecnologia da Informação) dividiram suas impressões sobre o encontro e realçaram a importância de solidificar e disseminar os valores da FÓRUM, destacando como eles estão presentes no dia a dia de cada um.
O encerramento do evento foi realizado pelo presidente Luís Cláudio Rodrigues Ferreira, que conduziu um momento de espiritualidade, expressando sua gratidão pelo que veio e entusiasmo pelo que está por vir na FÓRUM.
1º encontro presencial de 2024. Foto: Divulgação FÓRUM.
A União concedeu, mediante processo licitatório, à Concessionária Y a exploração das atividades aeroportuárias no aeroporto da cidade brasileira X, sendo que no contrato entre a União e a Concessionária Y é expressa a possibilidade de a referida concessionária realizar contratos com outros particulares para o fornecimento de bens e de serviços para quem trabalha ou transita no aeroporto.
Nessa linha, a Concessionária Y firmou contrato de cessão de espaço aeroportuário para que o lojista A, na Loja nº 10 do Terminal de Passageiros e da Sala nº 11 do Terminal de Cargas do Aeroporto da Cidade X, possa realizar a venda dos produtos para aqueles(as) que transitam e trabalham no referido aeroporto.
Destaca-se que a Concessionária do mencionado aeroporto escreveu, unilateralmente, o conteúdo do mencionado contrato, que ela denomina de cessão de uso de espaço aeroportuário, a configurar um contrato por adesão às condições gerais contratuais.[1]
Logo, se o lojista inadimplir com o valor mensal pactuado com a Concessionária, esta manejará demanda de reintegração de posse e não demanda de despejo, na forma da Lei n.º 8.245/91 – Lei de Locações. Nessa linha, o presente texto visa discutir se a postura da Concessionária é juridicamente adequada ou se, ao caso, se aplica a Lei de Locações.
Os argumentos da Concessionária aeroportuária para afastar a Lei de Locações são:
a) cessão onerosa de uso de bem público;
b) inaplicabilidade da lei de Locações com base no art. 1º, parágrafo único, alínea “a”, item 1, da Lei 8.245/1991,[2] pois a União é titular proprietária do aeroporto concedido à iniciativa privada na qual o lojista vende seus produtos;
c) bens públicos estão submetidos ao regime jurídico especial, com o intuito de atender às necessidades do interesse público;
d) a faculdade de purgar a mora e manter o contrato é instituto próprio das locações regidas pela Lei de Locações;
e) por isso, o inadimplemento da prestação mensal contratual pelo lojista, concretizar-se-á a posse injusta e precária configuradora do esbulho, a ensejar a possibilidade de ajuizamento de demanda possessória pela Concessionária contra o lojista inadimplente.
A outra corrente sustenta os seguintes fundamentos:
i) o contrato firmado entre as partes é de locação, tendo em vista que “a locação do imóvel urbano é o contrato pelo qual alguém, a quem chamamos de locador, se obriga a ceder a outrem, a quem denominamos locatário ou inquilino, o uso ou gozo de imóvel urbano, por certo tempo determinado, ou não, mediante remuneração”;[3]
ii) aquele que detém a posse dominical (ius possidendi) de um bem móvel ou imóvel oferece sua posse direta (posse pura – ius possessionis) para outra parte mediante certa remuneração;
iii) a Concessionária Y é locadora e o lojista A é locatário, sendo o contrato bilateral, com direitos e deveres para ambas as partes, comutativo, devendo haver equilíbrio entre as prestações, consensual, de trato sucessivo, por prazo determinado de 60 (sessenta) meses, e oneroso;
iv) no contrato firmado entre as partes, o lojista A deve pagar aluguel mensalmente calculado “entre o Valor Mensal de R$ 10.000,00 (dez mil reais), e o Valor Variável de 10% (dez por cento) sobre o faturamenlo bruto mensal apurado nos termos desde CONTRATO. Pelo estoque remoto, a CESSIONÁRIA pagará à CEDENTE, o Valor Mensal de R$ 1.500 00 (mil e quinhentos reais)”;
v) o imóvel é urbano, pois o imóvel locado, para fins da Lei de Locações, é utilizado para fins de atividade empresarial, “independentemente de sua localização, em relação ao perímetro da cidade”;[4]
vi) a União, titular proprietária do imóvel, não é a locadora. Quem loca o imóvel é a Concessionária de serviço público, cuja locação se encontra permitida pelo art. 25, § 2º, da Lei de Concessões (Lei n.º 8.987/95):
Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade. § 1o Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados.(Vide ADC 57) § 2oOs contratos celebrados entre a concessionária e os terceiros a que se refere o parágrafo anterior reger-se-ão pelo direito privado, não se estabelecendo qualquer relação jurídica entre os terceiros e o poder concedente. (grifo nosso)
vii) Explica Sylvio Capanema:
O objetivo de afastar dos imóveis da União e das demais pessoas jurídicas de direito público a incidência da Lei do Inquilinato é o de livrar o contrato das peias e restrições ali inseridas. É interessante observar que sendo locatária a pessoa jurídica de direito público, aplicar-se-á o regime da Lei do Inquilinato, o que, constitui, no mínimo, mais um odioso privilégio concedido ao Estado, em detrimento do particular. Como se vê, o poder público invoca, de acordo com a posição que ocupa no contrato de locação, o regime que mais o protege, em censurável opção ética.
Nestes contratos de “concessão de uso” é comum autorizar as empresas concessionárias a explorar, economicamente, os espaços existentes, podendo cedê-los a terceiros, mediante remuneração. Esta autorização é necessária para equilibrar a equação econômica do contrato de concessão, influindo na formulação das propostas dos licitantes. Quando assim ocorre, tem entendido a doutrina que os contratos celebrados entre as concessionárias de serviços públicos e terceiros, visando a exploração econômica das áreas existentes, se regerão pela legislação comum, não constituindo contratos administrativos, no que estamos de acordo. (…)
Uma vertente doutrinária sustenta que traduzem eles uma locação urbana, subsumindo-se, portanto, ao regime da Lei do Inquilinato.
Outra, entretanto, entende que a concessão não transfere ao concessionário a propriedade do bem, mas tão somente a posse e sua utilização. O imóvel mantém a sua natureza pública e, como tal, sua locação está excluída da incidência da Lei nº 8.245/91, em decorrência do que dispõe o artigo 1º, parágrafo único, ora em comento. Assim, a locação se abrigará sob o pálio do Código Civil (artigos 565 a 578). Os ocupantes destes espaços, especialmente nos aeroportos, terminais ferroviários ou rodoviários, ou qualquer outro imóvel pertencente ao poder público, e cedidos sob concessão a pessoas jurídicas de direito privado, com a autorização para sublocá-los, ficam extremamente prejudicados, não se lhes reconhecendo o direito de ajuizar a ação renovatória, caso não logrem obter, amigavelmente, a renovação do contrato, o que coloca em sério risco o seu fundo empresarial. Uma vez findo o prazo do contrato, passando ele a viger por tempo indeterminado, poderá ser o usuário despedido da posse, sem direito à indenização, a não ser que se submeta às exigências do concessionário. Esta situação, evidentemente contrária à função social do direito, tem levado muitos juízes a deslocar para o campo da Lei do Inquilinato estes contratos, admitindo o manejo da ação renovatória.[5] (grifos nossos)
viii) deve-se enfrentar o fundamento da função social do contrato, da colocação em risco do fundo empresarial do lojista A pela inaplicabilidade da Lei de Locações, assim como não enfrentou o fundamento da aplicação do art. 25, § 2º, da Lei de Concessões;
ix) inexiste relação jurídica entre o lojista e a União, titular proprietária do imóvel. A relação jurídica se restringe à Concessionária Y e o lojista A, em uma relação estritamente privada;
x) a literatura jurídica do Direito Administrativo ao comentar o art. 25, § 2º, da Lei de Concessões aponta:
A concessionária é a responsável pela prestação do serviço público concedido, “cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade” (art. 25 da Lei 8.987/1995). Admite-se, contudo, a contratação (ou subcontratação) com terceiros de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados ao serviço público, hipóteses em que a concessionária mantém a responsabilidade exclusiva pela correta prestação do serviço público (art. 25, § 1.º, da Lei 8.987/1995). Nessas hipóteses, as relações jurídicas travadas entre as concessionárias de serviços públicos e os terceiros, subcontratados, são de direito privado, inexistindo vínculo jurídico entre os terceiros e o poder concedente (arts. 25, § 2.º, e 31, parágrafo único, da Lei 8.987/1995).[6]
xi) Ilan Goldberg[7] sustenta que “o modelo de concessões adotado a partir da promulgação da Constituição da República de 1988 estabeleceu relações jurídicas eminentemente de direito privado entre os concessionários e os lojistas, de modo a viabilizar o ajuizamento das ações renovatórias. Explica-se, com sólida fundamentação, que justamente em razão da inexistência da obrigação de licitar as concessionárias privadas não podem valer-se de prerrogativas que tocam, exclusivamente, à Administração Pública”;[8]
xii) analogamente, a discussão que se trava, relembra o início da discussão da aplicação da Lei de Locações aos lojistas de Shopping Centers, sob o argumento de que a relação não era de locação e sim, baseada em um contrato atípico de cessão e uso mediante pagamento de uma contribuição mensal para “fugir à aplicação da lei de locações e da respectiva ação renovatória”;[9]
xiii) a relação entre o lojista e o Shopping Center é regida pela Lei de Locações, “da que respeitando eventuais cláusulas peculiares contratadas pelas partes, como exemplo, o aluguel percentual, o 13º aluguel em dezembro, além do tenant mix”;[10]
xiv) como ocorria com os Shopping Centers, “as concessionárias privadas instaladas nos aeroportos brasileiros resistem à aplicação da lei de locações, ao argumento de que os contratos firmados com os lojistas são atípicos”, bem como pelo “fato de o imóvel ser de propriedade da União obstaria a propositura da ação renovatória, ainda que, na espécie, o contrato não tenha relação alguma com a Administração Pública”;[11]
xv) nos aeroportos brasileiros concedidos à iniciativa privada existe uma variedade grande de atividades empresárias do ramo alimentício, vestuário, etc., a fim de que “a experiência do passageiro/consumidor seja a melhor possível, isto é, que sejam consumidos mais produtos e serviços”. Por isso, são chamados de aeroshoppings[12]:
A concessão de aeroportos para a iniciativa privada nesta década tem modificado o modo como o comércio nesses locais é administrado. Sem a obrigação de fazer licitações nem de seguir regras específicas para a seleção das marcas, as concessionárias vêm baseando decisões de mix de lojas e organizações de espaços em pesquisas com consumidores e estratégias próprias para cada cidade.[13]
O Aeroshopping é um conceito de varejo com o qual buscamos atrair negócios para sustentação das receitas […] A meta do Aeroshopping é atrair investimentos na infraestrutura aeroportuária e uma estrutura comercial atraente para os usuários dos nossos Terminais, com variedade de serviços e ofertas, trazendo conforto e variedade comparável à dos shopping centers’, explicou o superintendente de Negócios Comerciais da Infraero, Claiton Resende Faria”.[14]
xvi) o aeroshopping faz parte dos compromissos assumidos pela apelada com a União para a prestação do serviço aeroportuário, que tem a obrigação licitar o serviço para realizar a concessão (CF/88, art. 37, XXI; Lei de Licitações e Lei de Concessões);[15]
xvii) comparando-se os dois negócios jurídicos – o referido contrato “atípico de cessão de área” e o de locação –, não há qualquer diferença. As cláusulas, o conteúdo, a causa 10 são, invariavelmente, os mesmos”.[16]
xviii) o Código Brasileiro de Aeronáutica é anterior à Constituição Federal de 1988 e à Lei de Concessões, cujos arts. 170, IV, e 173 da CF/88 apontam para o ente privado com papel primário no desenvolvimento das atividades econômicas, como se vê nos serviços aeroportuários;[17]
xix) o art. 42 do Código Brasileiro de Aeronáutica foi posto no sistema jurídico ao tempo que era necessária a licitação prévia feita pela União para o funcionamento de estabelecimentos empresariais nas áreas aeroportuárias, como prescrevia o art. 41 do Código Brasileiro de Aeronáutica, revogado pela Lei n.º 14.368/2022;
xx) a União, por força de lei tinha o dever de licitar “quaisquer áreas cujo uso fosse destinado a particulares. Essa era a regra antes da promulgação da Constituição de 1988”.[18]
xxi) como a concessionária, por força do art. 25, § 2º, da Lei de Concessões, “não licitam nada a quem quer que seja – o fato objetivo que impedia a aplicação da lei locatícia deixou de existir. (…) As concessionárias, como se sabe, não integram a Administração Pública direta e/ou indireta. São privadas e exploram uma atividade nitidamente econômica nos saguões dos aeroportos, alugando os espaços que lhes foram cedidos pela União como bem entendem, cobrando o quanto desejam. Em suma, não se pode empregar ao particular as mesmas benesses ostentadas pelo Poder Público”.[19]
xxii) a época de início de vigor do Código Aeronáutico Brasileiro, nem lei de concessão existia no Brasil. O art. 25, § 2º, da Lei de Concessões trouxe indiscutível diferença na regulação dos contratos da concessionária com os entes privados na prestação de serviço no aeroshopping:
É notável a diferença de tratamento entre a norma mais atual e as anteriores. A análise contextualizada e que não lança mão de artigos de leis esparsas e isoladas permite observar com facilidade que a restrição à aplicação da Lei de Locações vale, sim, para imóveis de propriedade da União, estados e municípios, desde que esses entes públicos integrem os contratos de locação. Do momento em que os concessionários privados assumem essa posição e, conforme explicitado, não mais se encontram obrigados a licitar, não faz o menor sentido permanecer afastando a Lei de Locações. (…) Assim como os administradores de shopping centers negavam, as concessionárias negam a aplicação da Lei de Locações por uma razão muito simples: a sujeição à ação renovatória lhes privaria do direito à cobrança de luvas valiosíssimas por ocasião da renovação dos contratos. Pretendem, conforme observado, o mundo ideal, no qual possam, como particulares, ostentar prerrogativas que tocam exclusivamente ao Poder Público, o que se afigura insustentável.[20]
xxiii) o modelo adotado na CF/88 e na Lei de Concessões é de a iniciativa privada realizar o desenvolvimento da atividade econômica, sem lhes “atribuir tratamento que é exclusivo à Administração Pública”;[21]
xxiv) o STF, no RE 601.720, entendeu que “incide o IPTU, considerado imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado, devedora do tributo”, tanto que a agravada paga IPTU ao DF, mesmo o imóvel sendo de titularidade proprietária da União, pois não usufrui da imunidade tributária ao utilizar um bem público que é o aeroporto concedido pela União;
xxv) nos aeroshoppings, há a exploração de atividade econômica que faz parte da concessão com o único e exclusivo objetivo de lucro, sendo que os “conflitos existentes são de natureza exclusivamente patrimonial, sendo de rigor a aplicação do regime jurídico de direito privado, mais precisamente, o da Lei de Locações”;[22]
xxvi) fere a igualdade (CF/88, art. 5º, caput) conferir à Concessionária privada de serviço público aeroportuário as prerrogativas da União no que concerne à inaplicabilidade da Lei de Locações, sendo que qualquer outra concessionária de serviço público, também submetida ao art. 25, § 2º, da Lei de Concessões, não possui tal prerrogativa.
xxvii) o TJSP e o TJRN entendem que o contrato entre a concessionária de serviço aeroportuário e o(a) lojista no espaço do aeroporto é de contrato de locação de imóvel não residencial ou empresarial;[23]
xxviii) a própria Concessionária Y, ao cobrar o lojista inadimplente, nomina de aluguel o valor devido.
Conclui-se, portanto, que o contrato entre as partes é de locação não residencial, a ensejar a aplicação da Lei n.º 8.245/91 na citada relação contratual.
[1] Sobre o tema das condições gerais contratuais veja: LÔBO, Paulo. Direito Civil – contratos. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2024, capítulo V.
[2] Lei de Locações, art. 1º, parágrafo único, alínea “a”, item 1: “Art. 1º A locação de imóvel urbano regula – se pelo disposto nesta lei: Parágrafo único. Continuam regulados pelo Código Civil e pelas leis especiais: a) as locações: 1. de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas; (…)”.
[3] SOUZA, Sylvio Capanema de. A lei do inquilinato comentada: artigo por artigo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 46.
[6] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e Contratos Administrativos – Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 955-956.
[7] GOLDBERG, Ilan. O cabimento da ação renovatória contra concessionária de atividade econômica em imóveis de propriedade da União. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, v. 19, p. 97-115, jan./mar. 2019, p. 97.
Pós Doutorando em Direito pela UNISINOS. Doutor em Direito pela UFPR. Professor da UFG. Advogado. Membro do CONREP-UFPE. Diretor do IBDCONT. Presidente do IBDCONT-DF. Diretor do IBDFAM-DF. Membro do Grupo Virada de Copérnico-UFPR. e-mail: pablomalheiros07@gmail.com.