Repercussões do exercício da liberdade de expressão e da disseminação de Fake News no contexto da sociedade da informação

A temática das Fake News assumiu grande notoriedade, sobretudo, nos últimos anos, sendo inclusive essa terminologia eleita como a palavra do ano de 2017 pelo Dicionário Collins[1]. Cumpre destacar, todavia, que as Fake News sempre estiveram presentes em sociedade, mas, assumiram em decorrência do advento da sociedade de informação uma maior proeminência e assiduidade.

A sociedade contemporânea se apresenta intensamente marcada pelo alto grau de tecnologias informacionais presentes na vida dos indivíduos, a ponto dessas tecnologias promoverem uma alteração em nível econômico, ocupacional, espacial e cultural, e por esse motivo se convencionou classificá-la como sociedade da informação.

Informação é poder, por esse motivo nem sempre se quer informar fidedignamente, sendo que nessa perspectiva se apresenta o fenômeno das Fake News, que evidencia disseminação de notícias sabidamente inverídicas com objetivo de desinformar ou obter vantagem política ou econômica[2].

Segundo a teoria do Marketplace das Ideias, as ideias verídicas deviam prevalecer sobre as falsas[3], entretanto, essa teoria reputa-se falha diante do fenômeno da pós-verdade, que se perfectibiliza pela tendência de fatos objetivos terem menor influência para moldar a opinião pública do que aqueles que apelam para emoções. Esse fenômeno tornou-se tão relevante que o termo post-truth, em português pós-verdade, foi eleito a palavra do ano de 2016 pelo Dicionário Oxford da Língua Inglesa[4].

O comportamento aparentemente irracional de valorizar fatos que apelam para emoções em detrimento de fatos objetivos pode ser explicado pela teoria do viés da informação, que preceitua que esse é um comportamento normal do ser humano, decorrente do funcionamento do cérebro humano, que por ter uma perspectiva de que como a maioria das crenças pretéritas do indivíduo são verdadeiras, busca confirmar suas crenças e resistir a informações contrárias, ainda que verdadeiras. Nesse contexto, se tem ainda o aspecto social, pelo qual a adesão social tem mais influência em ser um validador de uma informação do que mecanismos críticos[5].

Desse modo depreende-se que a busca da verdade por meio de mecanismos críticos é um processo mais complexo para o cérebro, mas é possível, e necessário em uma sociedade de informação.

A necessidade de se buscar a verdade por meio da criticidade decorre, sobretudo, das Fake News representarem um risco, na medida em que são desinformativas aos indivíduos e, consequentemente, podem gerar danos tanto à esfera pessoal quanto à esfera social, ocasionando o que se denomina de desordem informacional[6].

Um evidente exemplo dos potenciais dados causados pelas Fake News se apresenta nas hipóteses relacionadas à saúde, pois, podem ser devastadoras ao indivíduo e até mesmo a uma geração inteira[7]. Em tempos de pandemia ocasionada pela propagação do vírus Coronavírus, qualquer desinformação acerca de como evitar a contaminação, ou mesmo de tratamentos sem comprovação científica podem implicar em mortes.

Uma vez evidenciado os potenciais danos decorrentes da disseminação de Fake News, se constata a dificultosa tarefa de sopesar o direito à liberdade de expressão e a disseminação indevida das Fake News.

O direito a liberdade de expressão ou direito a manifestação do pensamento, consagrado por meio do art. 5º, IV, V e IX, CF e do art. 220 da CF, assegura a possibilidade jurídica, dentro de determinado ordenamento jurídico, de falar, escrever e exprimir ideias, de interesse público ou não, de importância e de valor ou não, sem a necessidade de uma verificação prévia acerca de seu conteúdo. No entanto, tal direito não é irrestrito, encontrando limites na hipótese da colisão com outros direitos fundamentais e com outros valores constitucionalmente estabelecidos.

As Fake News, enquanto notícias deliberadamente falsas, não estão contempladas pelo direito de liberdade de expressão estabelecido no ordenamento jurídico brasileiro. Logo, o exercício da liberdade de expressão encontra limites, somente sendo admitido para divulgação de informações verdadeiras, e em consonância com a proteção dos direitos da personalidade.

Os direitos da personalidade, consagrados por meio dos art. 1º, III e art. 5º, X, CF, e arts. 11 a 21, CC, decorrem do princípio da dignidade da pessoa humana, na medida que representam direitos aos atributos fundamentais do homem como honra, privacidade, intimidade, imagem, dentre outros. Cumpre destacar que embora o Código Civil tenha buscado sintetizar e colmatar a proteção aos direitos da personalidade, estabelecendo um rol de direitos, o referido diploma legal não visou a ser exaustivo, na medida em que os direitos da personalidade não se limitam ao rol exemplificativo previsto em lei, e, portanto, podem ser caracterizados como ilimitados.

O direito a honra, isto é, a própria integridade e identidade moral da pessoa, especialmente, encontra-se atrelado à temática das Fake News, isso porque, por vezes, as notícias falsas surgem com o intuito de alterar a impressão que o corpo social possui sobre determinada pessoa.

Na hipótese de ocorrência de violação aos direitos da personalidade poder-se-á pleitear a cessação da violação bem como outras formas de reparação previstas no ordenamento jurídico, especialmente, por meio modelo jurídico da responsabilidade civil, inclusive, as violações deflagradas em ambiente virtual, que são as mais corriqueiras na atualidade.

Importante destacar que no âmbito das redes sociais, supera-se a noção de que o emissor é essencialmente o único causador dos danos, sendo também causadores do evento danoso os replicadores e o provedor de internet. Entretanto, os danos somente podem ser aferíveis diante das circunstâncias delineadas no caso concreto, sendo necessário a ponderação entre o exercício da liberdade de expressão em contraposição com a proteção da intimidade e da honra.

A Responsabilidade Civil, por meio de suas funções, poderá perfectibilizar-se em uma reparação de caráter econômico, bem como de caráter preventivo buscando-se a minimização dos danos, por meio da retirada da notícia falsa em circulação, do direito de resposta e do direito a retratação.

Acerca da retirada de notícias falsas de circulação e o direito de resposta merecem ainda um aprofundamento tendo em vista as recentes legislações que fazem referências as mesmas, quais sejam, a Lei 13.188/2015 (Lei do Direito de Resposta) e a Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet).

A Lei 13.188/2015 estabeleceu o método do Direito de Resposta, o qual visa a permitir o retorno ao status quo ante em matéria de violação ao Direito à Honra, merecendo destacar que a resposta deve ter a mesma publicidade, dimensão, periodicidade e alcance da notícia original.

Enquanto, a Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), notadamente em seu artigo 19, prevê a possibilidade de retirada do conteúdo falso da internet. Cumpre ressaltar que é necessária a interpelação judicial do provedor de aplicação de internet para a retirada do conteúdo e responsabilização do mesmo, bem como que se indique pormenorizadamente em quais sítios eletrônicos encontra-se o conteúdo a ser retirado. Constata-se, todavia, que a discriminação exigida pela lei é reprovável na medida em que é extremamente dificultosa para as vítimas de Fake News.

Para os leitores interessados em se aprofundarem na temática de Fake News recomenda-se a leitura do capítulo “Repercussões do Exercício da Liberdade de Expressão e da Disseminação de Fake News no Contexto da Sociedade da Informação”, de autoria de Clayton Douglas Pereira Guimarães e Michael César Silva, no Livro “Liberdade de Expressão e Relações Privadas”, organizado por Marcos Ehrhardt Júnior, Fabíola Albuquerque Lobo, e Gustavo Andrade, disponível na Loja Virtual FÓRUM.

 



Clayton Douglas Pereira Guimarães
Especialista em Ciências Jurídicas
com ênfase em Direito Civil e Processo Civil
pela Faculdade Arnaldo Janssen. Advogado.

 

Michael César Silva
Doutor e Mestre em Direito Privado
pela PUC Minas. Especialista em Direito de Empresa
pela PUC Minas. Professor da Escola Superior Dom Helder Câmara.
Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC).
Advogado. Mediador Judicial credenciado pelo
Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

 

Referências
[1] COLLINS, Dictionary. Word of the Year 2017. 2017
[2] BRAGA, Renê Morais da Costa. A indústria das fake news e o discurso de ódio. In: PEREIRA, Rodolfo Viana (Org.). Direitos políticos, liberdade de expressão e discurso de ódio: volume I. Belo Horizonte: Instituto para o Desenvolvimento Democrático, p.203-220, 2018, p.205. Disponível em: http://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/bitstream/handle/bdtse/4813/2018_braga_industria_fake_news.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 02 dez. 2020
[3] QUINELATO, João. Liberdade, verdade e fake news: mecanismos para o ressarcimento de danos. In: EHRHARDT JÚNIOR, Marcos; CATALAN, Marcos; MALHEIROS, Pablo (Coords.). Direito Civil e tecnologia. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 473.
[4] OXFORD, Dictionary. Word of the Year 2016. 2016. Disponível em: https://www.oxforddictionari es.com/press/news/2016/12/11/WOTY-16. Acesso em: 02 dez. 2020
[5] O GLOBO. Neurocientista explica porque as pessoas nunca mudam de opinião nas redes sociais. 2018. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/neurocientista-explica-por-que-as-pessoas-nunca-mudam-de-opiniao-nas-redes-sociais-23071786. Acesso em: 27 dez. 2020
[6] GUIMARÃES, Glayder Daywerth Pereira; SILVA, Michael César. Implicações das Fake News na Responsabilidade Civil Digital: a eclosão de um novo dano social. In: Ferri, Carlos Alberto; Almeida, José Luiz Gavião de; Lellis, Lélio Maximo (Orgs.). Direito, ética e cidadania: estudos em homenagem ao professor Jorge Luiz de Almeida: volume 1. Curitiba: CRV, 2020, p.185-204.
[7] BERTI, Orlando Maurício de Carvalho. Quem cuida de quem cuida? As redes sociais em tempos de combate à pandemia da COVID-19 contra as fake news. Revista Rizoma, Santa Cruz do Sul, v. 8, n. 1, p.65-184, 2020.

 

Aprofunde-se mais sobre o tema:

Livro traz análise minuciosa de todos os artigos da nova Lei de Licitações

A nova Lei de Licitações trouxe uma série de inovações que, sem o prévio e minucioso estudo, causarão grandes dificuldades a todos aqueles que, na Administração Pública, atuam na área de licitações e contratos. Com a proposta de apresentar minuciosamente a  Lei nº 14.133/2021, o professor Sidney Bittencourt lançou a obra “Nova Lei de Licitação Passo a Passo” pela FÓRUM. 

O livro segue a trilha do conhecido trabalho do autor “Licitação Passo a Passo” (11ª edição) e aprecia todos os dispositivos (artigos, incisos, alíneas e parágrafos) da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. “A referida nova Lei, tão esperada por todos que lidam com a matéria, foi editada para substituir a vetusta e já considerada superada Lei nº 8.666/1993 (antiga Lei de Licitações e Contratos Administrativos); a Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão), bem como as disposições relativas ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) – artigos 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011 –, dentre outras e complexas medidas”, explica Sidney.

Bittencourt destaca como diferencial a metodologia utilizada para a produção da obra. “Como diz Modesto Carvalhosa, o livro mantém a marca do autor: a tradição na análise sistemática e objetiva dos dispositivos legais de regência dos institutos apreciados. Tal forma, como acentua o jurista, apesar de tortuosa para quem escreve, tem como trunfo a facilitação para os leitores. A aplicação desse método de forma cuidadosa, cruzando, quando necessário, informações de outros artigos do mesmo diploma e de outras normas, é a maior característica da obra.”

Sobre o conteúdo do livro, o autor afirma que o leitor terá nas mãos um completo compêndio sobre a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. “Um verdadeiro ‘Google’ no qual poderá entender todas as nuances da nova legislação”, compara.

Segundo Sidney, a publicação servirá como guia seguro para consulta diária dos profissionais sobre o novo marco legal das contratações públicas no Brasil. “Assim como utilizavam o antigo Licitação Passo a Passo, ao qual recorriam todas as vezes que necessitavam aplicar a lei anterior, os profissionais que atuam na área de licitações, seja na aplicação cotidiana, como agentes públicos, seja na necessidade de conhecer suas minúcias, no caso daqueles que pretendem “vender” para a Administração Pública, ou ainda para os que, profissionalmente, necessitam conhecer suas filigranas jurídicas, como os advogados, procuradores etc., terão no livro ‘A Nova Lei de Licitações Passo a Passo’ um porto seguro para a solução de questões que certamente originarão na aplicação diuturna da Lei n° 14.133/2021.”

O livro “Nova Lei de Licitação Passo a Passo” está disponível em pré-venda na loja virtual FÓRUM. Acesse o link e adquira agora o seu exemplar.

7 dicas de livros jurídicos para aproveitar no Esquenta do Mês do Advogado

A FÓRUM promove até o final de julho, na loja virtual, o “Esquenta do Mês do Advogado”. A campanha é uma prévia das ações que ocorrerão em agosto nas celebrações do dia do advogado, comemorado no dia 11. 

No “esquenta” foram selecionadas obras renomadas com descontos de até 65%. Com tantas boas opções para você investir em mais conhecimento, selecionamos 7 dicas de publicações assinadas por doutrinadores reconhecidos.  Uma excelente oportunidade para enriquecer o seu acervo com novos livros

Na lista estão presentes obras de direito constitucional, administrativo, civil e tributário. Entre os autores, nomes como o constitucionalista português, José Canotilho, os ministros do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, atual presidente da corte, e Edson Fachin, além de Cláudio Sarian e Eroulths Cortiano Junior.

Confira as nossas dicas:

 

A responsabilidade do Estado por actos lícitos

 

Autor: José Joaquim Gomes Canotilho

 

O livro tem como tema central a responsabilidade do Estado por actos lícitos. Ao texto original, acrescentou-se o enquadramento geral da problemática da responsabilidade na doutrina contemporânea.

 

Conheça a obra 

 

Como Combater a Corrupção em Licitações

 

Autores: Franklin Brasil Santos e Kleberson Roberto de Souza

 

Como detectar as fraudes ou como evitar que elas aconteçam. É disso que trata este livro. Técnicas para detecção, ensinando a combater as fraudes mais comuns. E técnicas para prevenção, ensinando a reduzir os riscos mais críticos. Com isso, esperamos ampliar o debate sobre o tema, procurando alcançar a compreensão do problema e as possibilidades de solução. Nesta terceira edição, os autores dobraram o conteúdo dos exemplos e ampliaram a abordagem de detecção de ilícitos, chegando a números impressionantes, que ilustram a grandeza da obra: 750 acórdãos do TCU compilados; 300 casos reais descritos; 20 riscos de fraudes em licitação mapeados e 25 controles sugeridos para mitigá-los, descrevendo em detalhes um modelo de Programa de Integridade para prevenção de fraudes em licitações.

 

Conheça a obra

 

Curso de Direito Financeiro e Tributário

 

Autores: Werther Botelho Spagnol , Luciano Ferraz , Marciano Seabra de Godoi

 

A obra trata dos temas fundamentais do direito financeiro e do direito tributário, com destaque para a harmonização da teoria e da prática, da doutrina e da jurisprudência, da academia e da militância profissional. A união de esforços dos autores – professores de importantes universidades do cenário nacional, além de profissionais de destaque nas áreas de referência – possibilitou que o livro alcançasse o equilíbrio entre o didatismo e o aprofundamento teórico-pragmático. Trata-se, portanto, de manual de obrigatória leitura para as escolas de direito e para os diversos segmentos profissionais que lidam com finanças públicas e relações tributárias. O livro é direcionado a estudantes de direito, advogados, magistrados e servidores do Poder Judiciário, membros e servidores do Ministério Público, dos Tribunais de Contas e dos órgãos de Controle Interno e Finanças da Administração Pública.

 

Conheça a obra

 

Diário de um Empreendedor Público – Cultura, poder e a presença distante das estrelas

 

Autor: Renato Fenili

 

Este diário se afasta de todo esse mainstream. É transgressor, em certa medida. Não traz fórmulas prontas, não traz alegorias demagógicas. Busca a verdade por trás da aparência, uma janela para um óbvio antes encoberto. Insatisfeito com o lugar-comum, vai às suas entranhas, faz a sua releitura e emerge com um senso mais maduro da realidade. O resultado é um marco sólido, dialogado, fluido. Passa a ser insumo mandatório aos que se debruçam sobre a temática e, seguramente, influenciará muito do pensamento sobre inovação no setor público brasileiro.

 

Conheça a obra

 

Gestão e Governança Pública para Resultados: Uma Visão Prática

 

Autores: Cláudio Sarian Altounian, Daniel Luiz de Souza e Leonard Renne Guimarães Lapa

 

O objetivo deste livro é contribuir com a sugestão de alguns caminhos para auxiliar todos os agentes públicos a agir, definindo, acompanhando e aprimorando a atuação dos órgãos ou entidades em que trabalham, de modo a facilitar o alcance de resultados efetivos para a sociedade.

 

Porém de uma forma diferente: abordando essencialmente aspectos práticos vivenciados na área da gestão pública e sugerindo alternativas para contornar as habituais resistências encontradas na elaboração e execução de uma estratégia consistente. Leitura essencial para todos aqueles que têm interesse no aperfeiçoamento das ações da Administração Pública em benefício da sociedade.

 

Conheça a obra

 

Jurisdição Constitucional III – República e Direitos Fundamentais

 

Autor: Luiz Fux

 

O leitor está diante do terceiro volume da obra Jurisdição Constitucional que apresenta, à semelhança das edições anteriores, votos de elevado impacto e profunda densidade teórica proferidos pelo Ministro Luiz Fux nos últimos anos no Supremo Tribunal Federal. Cada um dos votos proferidos é analisado com detalhes e rigor científico por magistrados, professores, pesquisadores e assessores no STF. Esta obra permitirá ao leitor não apenas conhecer o perfil decisório do Ministro Luiz Fux, como, também, descortinar o que há de mais contemporâneo e inovador no discurso teórico do direito brasileiro.

 

Conheça a obra

 

Jurisprudência Civil Brasileira – Métodos e Problemas

 

Autores: Carlos Eduardo Pianovski Ruzik , Luiz Edson Fachin e Eroulths Cortiano Junior

 

O livro traz artigos, construídos conforme eixos temáticos (“Família e Sucessões”; “Titularidades”; “Contratos e Responsabilidade Civil”; e “Pessoa e Mercado”), que têm como principal fio condutor a pesquisa jurisprudencial do Direito Civil brasileiro. O trabalho faz um balanço da aplicação judicial do direito civil (em seus temas mais candentes), depois de passados mais de 20 anos da Constituição e mais de 10 anos do novo Código Civil.

 

Conheça a obra

Aplicação do princípio da liberdade de expressão nas relações privadas será debatida em seminário gratuito

A FÓRUM promove no dia 28 de julho, às 15 horas, o Seminário Liberdade de Expressão e Relações Privadas. Com a coordenação do autor da casa, o professor Marcos Ehrhardt, o evento tem inscrições gratuitas, além de certificação para os participantes. 

O seminário é voltado para operadores jurídicos: magistrados, advogados, defensores e promotores que em seu cotidiano lidam com demandas que envolvem temas relacionados ao exercício da liberdade de expressão nos seus mais diversos matizes: discurso de ódio, fake news, manifestações de humoristas, dentre tantos outros aspectos relacionados ao âmbito das relações entre particulares. Estudantes de cursos de pós-graduação também podem se interessar pelo evento, que apresentará diferentes aplicações deste assunto.

De acordo com Marcos, a maioria dos eventos e obras que abordam o tema da liberdade de expressão utilizam uma perspectiva baseada no direito público, com ênfase no direito constitucional e no papel do Estado na garantia da livre manifestação do pensamento. Já no seminário, a proposta é tratar especificamente do assunto no âmbito das relações privadas, entre elas, a compreensão dos tribunais pátrios sobre o exercício da liberdade de expressão nas relações familiares e sucessórias e como os magistrados decidem questões que envolvem conflitos em redes sociais. A preocupação em analisar os impactos da tecnologia nos mais diversos campos do relacionamento humano também estará presente nas discussões, em especial, as fake news e os debates que envolvem formas de responsabilização dos provedores, após o advento do Marco Civil da Internet. 

Importância do tema

Segundo o coordenador, a compreensão sobre os limites e possibilidades de aplicação do princípio da liberdade de expressão nas relações privadas já vem há muito tempo na pauta de discussão da doutrina e dos tribunais, porém assumiu importância nos últimos anos, dada a expansão do uso de ferramentas tecnológicas de interação social. 

“Não é necessário destacar a importância do tema na atualidade, quando vivenciamos a era da informação, marcada pelo tráfego de um número quase infinito de dados (big data) e de forte exposição das pessoas nas redes sociais. Não faltam ocorrências envolvendo conflitos relacionados à tensão entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade, e até outros direitos fundamentais de ordem econômica e política. Desde a criação da internet na década de 1990 até os dias atuais, a rede mundial de computadores passou por diversas fases e evoluiu em gerações, encontrando-se hoje em uma etapa em que o próprio usuário produz, publica e difunde suas ideias, de modo que se torna cada vez mais desafiador o tratamento jurídico da questão.”

Ensinamentos

Ehrhardt destaca as principais reflexões que o seminário pretende provocar nos participantes. “Quais os limites e as possibilidades que surgem ao lidar com temas como discurso de ódio e notícias falsas? Quando o Poder Judiciário pode interferir no discurso humorístico, responsabilizando pessoas pelo que escrevem nas redes sociais? O atual estágio do desenvolvimento da nossa legislação, criada para um mundo analógico, é suficiente e adequado para enfrentar a complexidade, interatividade e velocidade da comunicação digital? Acredito que o evento será muito importante para quem se interessa por um dos temas mais controvertidos em nosso tempo.”

Confira a programação completa do evento e faça a sua inscrição neste link.

Diversidade é tema de encontros e debates com especialistas na FÓRUM

Em junho, o tema diversidade foi abordado em comunicações, treinamentos e discussões com especialistas em ações internas promovidas pela FÓRUM. “Discutimos sobre porque é tão importante acolher o diferente e entendemos que respeitar e integrar os diversos olhares, crenças e existências possibilita ao outro expressar-se e existir em sua essência”, explica a empresa em nota interna. 

Presente em todos os valores da empresa, a temática foi aprofundada em dois encontros com as participações de convidados especiais, além do treinamento de compliance.

No primeiro, Joel Dias e Beatriz Ribeiro, do Centro de Referência LGBT da prefeitura de Belo Horizonte, apresentaram conceitos como papel, identidade e expressão de gênero, bem como, orientação sexual e heteronormatividade.

O racismo foi a pauta da segunda reunião, que contou com a presença do sociólogo, especialista em Administração Pública e Gestão Urbana, Neemias Souza Rodrigues. Na oportunidade, ele abordou aspectos teóricos e históricos do racismo.

Também participou do encontro o psicólogo, escritor, músico e ativista pelos Direitos Humanos, Rubens Giaquinto. Ele introduziu o debate mostrando como o racismo se esconde em situações práticas e cotidianas e porque ele é estruturante, no Brasil. A contribuição de todos tornou o momento ainda mais rico mostrando diversos pontos de vista e ainda indicações de leituras interessantes para o aprofundamento dos estudos.

Para Aline Sobreira, produtora editorial, o debate acerca da diversidade é uma forma de a empresa fomentar, a partir de sua equipe, alguma melhoria na sociedade. “Achei relevante trazer discussões sobre diversidade para o espaço da Fórum porque, mesmo que a cultura da empresa favoreça a convivência harmoniosa entre todos e tenha instrumentos para coibir condutas preconceituosas, fazemos todos parte de uma sociedade que não só é falha no que tange à equidade, como também é marcada, ainda hoje, por violências motivadas por preconceitos diversos. Vale ressaltar que a Fórum se pauta por uma postura não discriminatória também na prática, em seus processos de seleção e promoção de funcionários, o que considero essencial. Penso que trazer esses assuntos à empresa também seja positivo do ponto de vista do posicionamento da Fórum no mercado editorial; isto é, ajuda a fortalecer e aprofundar a missão de difundir o conhecimento jurídico também com o objetivo de mitigar as injustiças e violências sofridas pelos grupos vítimas de discriminações e preconceitos no país.”

Diversidade nos produtos FÓRUM

Com o propósito de contribuir para educação e justiça na transformação do Brasil, a FÓRUM também aborda em seus conteúdos temas que tratam da diversidade. Confira abaixo algumas publicações do nosso acervo:

  • Lançado recentemente, o livro “Liberdade de expressão e relações privadas“, coordenado por  Marcos Ehrhardt Jr., Fabíola Albuquerque Lobo e Gustavo Andrade, possui o capítulo “Limites à liberdade de expressão e o (des)respeito à diversidade: a demarcação discursiva do discurso de ódio contra grupos socialmente estigmatizados no brasil”.
  • Destacamos também o livro “Planejamento Familiar nas Famílias LGBT
  • Por fim, o Ministro Luís Roberto Barroso em seu livro “Outro País”, escreve o capítulo “Sabe com quem está falando?” Notas sobre o princípio da igualdade no Brasil contemporâneo.

 

A Lei da Alienação Parental (Lei nº 12.318/10) e sua (in)constitucionalidade | Coluna Direito Civil

A partir da Constituição Federal de 1988, o legislador se preocupou com o aspecto da vulnerabilidade das crianças e adolescentes, recebendo proteção integral e prioridade absoluta.

Nas relações parentais, os filhos menores de idade são vulneráveis e dois princípios devem nortear estas relações: o do melhor interesse da criança e adolescente e o da paternidade responsável, que estão interligados com o exercício da autoridade parental.

Quando há o rompimento do vínculo conjugal ou convivencial entre os pais, geralmente o tema que vem à tona é a prática da alienação parental.

Para tanto, é preciso reafirmar que alienação parental é um fenômeno social antigo, embora tenha sido identificada academicamente em 1985 pelo Professor de Psiquiatria Richard Gardner, nos EUA, que definiu com um processo que consiste em programar uma criança para odiar um dos pais sem justificativa.

Alienação parental é uma forma de abuso moral que, além de ferir direitos, põe em risco a saúde psicológica da criança e do adolescente. Configurada a alienação, o Estado tem o dever de intervir valendo-se de medidas cabíveis para tutelar os direitos da criança e do adolescente.

Neste sentido, em 2010, a Lei nº 12.318 é publicada com o escopo de coibir a violação do direito de convivência entre pais e filhos, consubstanciando-se em um mecanismo apto a estimular o exercício da autoridade parental e combater os abusos no exercício da guarda mediante a prática de atos que configuram alienação parental.

A lei, no seu art. 2º, conceitua alienação parental como “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.

Sem dúvidas, a lei é uma importante e recente conquista do Direito das Famílias, porque nomeou e demarcou um conceito para um velho problema.

Desta forma, há uma década, a lei busca garantir equilíbrio entre pais e filhos no exercício da autoridade parental e no convívio familiar, afastando conflitos que venham repercutir na formação dos filhos menores de idade. Entretanto, sua aplicação vem sendo questionada.

Há um movimento formado por “coletivos” que pede modificações na norma ou até mesmo sua revogação, dentre eles: Proteção à infância; Voz materna; Mães na Luta; Vozes de Anjo; CLADEM Brasil, em 29 de novembro de 2019, foi ajuizada no STF a ADI 6273 pela Associação de Advogadas pela Igualdade de Gênero – AAIG, objetivando impugnar, como questão de mérito, a integralidade da LAP sob o argumento de incompatibilidade sistêmica com os seguintes dispositivos constitucionais, postulando sua retirada do ordenamento jurídico: arts. 3º, IV; 5º, I; 226, §8º e 227, caput[1].

Sustenta-se que o conceito de alienação parental tem servido como estratégia de defesa de agressores de mulheres e abusadores sexuais de crianças como uma explicação plausível para a rejeição das crianças em relação a um dos genitores ou para desqualificar ou desacreditar alegações de violências ou abuso sexual, deslocando a culpa para o genitor guardião, geralmente mães que agem com o escopo de proteger os filhos.

Entende que a lei não opera no melhor interesse das crianças e adolescentes; pelo contrário, intensifica o sentimento de disputa, de conflito e polarização entre os pais.

Assim, a situação delineada pela Associação é que as mães registram a violência sexual sofrida pelos filhos são etiquetadas como alienadoras.

Está-se diante de alegações recíprocas: acusação feita pelas mães de abuso sexual praticado pelo pai em detrimento da alegação de alienação parental praticada pela mãe como argumento de defesa dos supostos abusadores (pais).

Dois julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul podem ilustrar esta situação:

  1. “Não havendo bom relacionamento entre os genitores e havendo acusações recíprocas de abuso sexual do pai em relação à filha e de alienação parental pela mãe, e havendo mera suspeita ainda não confirmada de tais fatos, mostra-se drástica demais a abrupta suspensão do direito de visitas. Os fatos, porém, reclamam cautela e, mais do que o direito dos genitores, há que se preservar o direito e o interesse da criança. Fica mantida a visitação, que deverá ser assistida pela avó paterna em período mais reduzido, devendo tanto a criança como ambos os genitores serem submetidos a cuidadosa avaliação psiquiátrica e psicológica.[2]
  2. “A criança está vitimizada, no centro de um conflito insano, onde a mãe acusa o pai de abuso sexual e este acusa a mãe de promover alienação parental. As visitas estão estabelecidas e ficam mantidas pelo prazo e 90 dias, mas sem a necessidade de supervisão, pois a acusação de abuso sexual não encontra respaldo na prova coligida[3]”.

No STJ, para decisão de qualquer situação que implique supressão dos direitos fundamentais, é importante que haja robusta prova. Neste sentido, o Poder Judiciário não tem suspendido as visitas – como era prática costumeira – mas determinado que a convivência seja supervisionada por algum familiar: “Não havendo bom relacionamento entre os genitores e havendo acusações recíprocas de abuso sexual do pai em relação à filha e de alienação parental e implantação de falsas memórias pela mãe, e havendo mera suspeita ainda não confirmada de tais fatos, mostra-se drástica demais a abrupta suspensão do direito de visitas”[4].

Logo, deve haver cautela por parte do magistrado, com o apoio da equipe multiprofissional, para proteger a criança e o adolescente da possível alienação parental e o rompimento da relação entre ela e o pai alienado, ou possibilita tomada de medidas legais para coibir abusos sexuais verdadeiros (situação em que o pai abusador visa ter seus atos acobertados por alegações falsas da ocorrência da alienação parental por parte da mãe).

Dias alerta que ante a gravidade da denúncia de abuso sexual e a alegação da ocorrência de alienação parental, é necessário que o juiz atue com prudência, devendo observar as peculiaridades do caso concreto e analisar se há vestígios de alienação parental ou não, distinguindo-se os intentos vingativos do suposto alienador de um sentimento de desespero do genitor, que visa à proteção da integridade física e psicológica da criança ou adolescente[5].

Retornando aos argumentos da associação autora, sustenta, ainda, que a tese da alienação parental se banalizou e vem sendo utilizada para enquadrar todo tipo de divergência em disputas judiciais de divórcio, guarda, regulamentação de convivência, investigações e processos que envolvem abuso sexual. E por fim, argui a discriminação de gênero contra as mulheres em descompasso com o art. 5º, I, CF/88, cuja LAP vem incrementando a desigualdade de gênero ao afetar a vida de mulheres-mães, impedindo-as de conviver com os próprios filhos, violando os direitos fundamentais de titularidade das mulheres.

O IBDFAM ingressou como Amicus curiae, e sustentou a compatibilidade sistêmica da LAP com a CF/88, haja vista a referida lei apresentar congruência com os valores constitucionais, sobretudo pelos princípios – do melhor interesse da criança e do adolescente, absoluta prioridade, convivência familiar, dignidade da pessoa humana e paternidade responsável.

O Procurador-geral da República suscitou duas questões de ordem formal: a ilegitimidade ativa da entidade decorrente da heterogeneidade da associação civil e a ausência de pertinência temática entre o objetivo institucional da autora, que se volta à promoção da igualdade de gênero, e as normas previstas na LAP, que veiculam conteúdo relativo à proteção da criança e do adolescente.

Atualmente, os autos se encontram conclusos para a Ministra relatora diante do pedido de Amicus curiae da ADFAS.

Neste cenário, questionamos se os parâmetros e diretrizes que envolvem os casos de alienação parental e as medidas previstas na legislação têm o condão de cessar as condutas do alienante e restabelecer a convivência familiar entre pais e filhos, ou se, por outro lado, essas intervenções judiciais somente promoveriam um acirramento ainda maior no conflito, já vivenciado entre os pais, em detrimento da garantia dos direitos fundamentais da criança e do adolescente.

A lei, sem sombra de dúvidas, dispõe sobre ferramentas concretas de defesa da integridade psicológica e da convivência familiar ampla dos filhos com os pais em um tratamento de isonomia, assegurando o melhor interesse, a dignidade das crianças e adolescentes, bem como a paternidade responsável, princípios elencados na CF/88, que são, efetivamente, os objetivos da lei.

Os fundamentos da referida ação, que questiona a aplicação da lei, dizem respeito ao conflito de gênero. Logo, entendemos pela sua constitucionalidade, que tem no seu escopo mecanismos de combate à grave violação ao direito fundamental da criança ou adolescente à convivência familiar e ao abuso no exercício da autoridade parental.

 

Karina Barbosa Franco
é mestre em Direito e especialista em Ciências Criminais
pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Advogada em Direito das Famílias. Professora universitária.
Coordenadora de cursos de pós-graduação. Membro do IBDFAM e do IBDCivil.
Pesquisadora dos Grupos de Pesquisa em
Direito Civil – Constitucionalização das Relações Privadas (Conrep/UFPE)
e em Direito Privado e Contemporaneidade/UFAL.
Autora de artigos científicos

 

Referências
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 12 ed. São Paulo: RT, 2017.
Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 70050448828, Sétima Câmara Cível, Relator Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 24/10/12.
Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 70053490074, Sétima Câmara Cível, Relator Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 24/04/13.
Supremo Tribunal Federal. ADI 6273. Min. Relatora Rosa Weber. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5823813>
Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 249.833, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 03/08/12.
Notas
[1] Supremo Tribunal Federal. ADI 6273. Min. Relatora Rosa Weber. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5823813>
[2] Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 70050448828, Sétima Câmara Cível, Relator Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 24/10/12.
[3] Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 70053490074, Sétima Câmara Cível, Relator Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 24/04/13.
[4]Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 249.833, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 03/08/12.
[5] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 12 ed. São Paulo: RT, 2017.

Leia o lançamento mais recente da autora sobre Direito da Família: Multiparentalidade

Direito ao silêncio em CPIs é abordado em livro recém-publicado 

Foto: Marcos Oliveira – 23.jun.2021/Agência Senado

Em decisão do ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal concedeu ao assessor internacional do presidente Jair Bolsonaro, Filipe Martins, o direito de poder ficar em silêncio em seu depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid, no Senado. Filipe tem a garantia de não se autoincriminar se for instado a responder perguntas cujas respostas possam resultar em seu prejuízo.

“O privilégio contra a autoincriminação em momento algum consagra o direito de recusa de um indivíduo a participar de atos procedimentais, processuais ou previsões legais estabelecidas licitamente. Dessa maneira, desde que com absoluto respeito aos direitos e garantias fundamentais do investigado, os órgãos estatais não podem ser frustrados ou impedidos de exercerem seus poderes investigatórios e persecutórios previstos na legislação”, destaca o ministro Alexandre em seu voto.

Recentemente o também ministro do STF Ricardo Lewandowski atendeu, em parte, o Habeas Corpus impetrado pelo ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, determinando que ele, mesmo na qualidade de testemunha, não fosse obrigado a responder a possíveis questionamentos que pudessem incriminá-lo.

Ainda sobre a CPI, na condição de investigados, os depoentes têm direito ao silêncio. Eles não precisam se comprometer a dizer a verdade e podem, até mesmo, não comparecer à oitiva. Tais prerrogativas se baseiam no direito do indivíduo de não produzir provas contra si mesmo e não se autoincriminar, garantido pelo inciso 63 do artigo 5 da Constituição. Os artigos 186 e 198 do Código de Processo Penal estabelecem que qualquer forma de silêncio de um investigado não pode ser interpretada ou considerada como uma confissão dos atos.

O promotor de Justiça e autor do livro “O Direito ao Silêncio no Processo Penal”, Marcus Renan Palácio, explica que se consolidou orientação no Supremo Tribunal Federal de que o direito ao silêncio em relação a fatos que possam constituir autoincriminação tem aplicação à situação dos depoentes nas CPIs. “Entendendo-se que a sua invocação não pode dar ensejo a ameaça ou a decretação de prisão por parte da autoridade do Estado”, ressalta.

“É jurisprudência pacífica desta Corte assegurar-se ao convocado para depor perante CPI o privilégio contra a autoincriminação, o direito ao silêncio e a se comunicar com o seu advogado”.

Livro  “O Direito ao Silêncio no Processo Penal”

A garantia contra a autoincriminação no caso das CPIs faz parte de alguns dos exemplos das lições abordadas na 3ª edição do livro “O Direito ao Silêncio no Processo Penal: uma abordagem sobre o princípio ‘nemo tenetur se detegere’”.

Com novas lições doutrinárias e jurisprudenciais e outras decisões das Cortes Superiores nacionais, além do destaque  às redações do parágrafo único do art. 186 e da parte final do art. 198, ambos do Código de Processo Penal,  o livro traz conteúdo atualizado sobre os paradigmas dialéticos que permeiam este interessante e instigante princípio, sua invocada incidência ou a sua alegada não violação em sede de produção de prova.

Conheça mais sobre a obra

 

Por que se atualizar por meio de revistas jurídicas digitais?

As revistas jurídicas digitais são uma das principais fontes de pesquisa e de consulta rápida para os profissionais do Direito. Em um setor em que a única certeza é mudança, um dos grandes diferenciais das publicações é justamente a periodicidade de atualização do conteúdo. A cada edição são publicados materiais recentes e de relevância para o profissional que busca por novidades em seu campo de atuação.

Com conselhos editoriais compostos por juristas, professores e estudiosos, as revistas científicas entregam aos leitores os temas importantes da sua área de atuação, acompanhados de tendências jurisprudenciais, seleção de julgados, comentários sobre legislações, acórdãos, pareceres e doutrinas assinadas por renomados doutrinadores. 

Assinar uma revista jurídica digital é como ter um grupo técnico de grandes pesquisadores à sua disposição. Isso se traduz em qualidade e segurança para a fundamentação jurídica, e em produtividade e economia de tempo durante a pesquisa, já que as informações mais relevantes do momento são selecionadas pelos principais conhecedores do tema.

As praticidades do ambiente digital para a pesquisa são outros atrativos das revistas jurídicas online. A procura é mais ágil e o acesso é facilitado, pois conta com recursos como busca integrada, acesso 24 horas por diferentes dispositivos eletrônicos, possibilidade de acesso simultâneo a uma mesma revista por profissionais do mesmo escritório, por exemplo, geração automática de arquivos PDF e EPUs para leitura off-line em tablets, computadores e celulares. Ainda é possível fazer anotações e marcações nos textos, além de buscar por palavras e expressões presentes no artigo que está lendo. 

Como assinar as revistas jurídicas online

A FÓRUM conta com dezenas de periódicos digitais de diversas áreas do Direito, destaque para o administrativo, tributário, constitucional, trabalhista, ambiental e processual civil. São revistas tradicionais, reconhecidas e com alto grau de avaliação no Qualis da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). 

O formato de assinatura é anual. Cada revista possui periodicidade própria de publicação, podendo ser de semestral a mensal. Ao assinar qualquer periódico por 12 meses, o cliente ganha acesso perpétuo a todo o acervo anterior da publicação contratada, mesmo após o término da assinatura.

As revistas FÓRUM são fontes de doutrina de juristas renomados, jurisprudência selecionada e comentários sobre mudanças na Legislação. O acervo da editora possui mais de 1.500 edições e 40.000 artigos publicados de vários campos das ciências jurídicas.

Entre os principais benefícios dos periódicos jurídicos digitais FÓRUM estão: fim das perdas das publicações com empréstimos e rasuras, mais facilidade no tombamento e na gestão do acervo, acesso a todas as edições da revista contratada, entre outros. 

Para conhecer mais sobre as Revistas Jurídicas Fórum basta acessar a página da Plataforma FÓRUM de Conhecimento Jurídico®. No site, também é possível conhecer outros tipos de conteúdos presentes na plataforma, como livros digitais, vídeos e informativos.

Confira no vídeo abaixo as funcionalidades presentes nas revistas digitais FÓRUM: 

Assimetria de informações, justiça tarifária e a implementação de sistemas de livre passagem (free flow) nas concessões de rodovias | Coluna Direito da Infraestrutura

Em 01 de junho de 2021, foi editada a Lei n°14.157, por intermédio da qual se estabeleceram condições para a implementação da cobrança pelo uso de rodovias, a partir da implementação de sistemas de livre passagem (free flow). Mais do que a incorporação de uma nova tecnologia, que atende ao dever de “atualidade” dos serviços públicos de que trata o art. 6°, §2°, da Lei n°8.987/1995, o novo diploma desafia tradicionais concepções do regime jurídico publicístico, ampliando, ainda mais, a flexibilidade da intensidade regulatória aplicada ao regime tarifário (como já se passa, nos setores de transporte aéreo de passageiros, no setor portuário e, em algumas bandas dos serviços de telecomunicações). Ademais disso, temos para nós que a nova lei, para além de implementar uma política tarifária (nos termos do art. 175, parágrafo único, III, da CRFB), tem por desiderato reduzir a assimetria de informações entre os usuários da infraestrutura rodoviária e o valor por eles despendidos para fruir do serviço concessionado.

Mas não é só. Especificamente para o trecho da Região Metropolitana de São Paulo pertencente ao Projeto da BR 116/SP/RJ (Nova Dutra), pretende-se endereçar um sistema de incentivos, que vise a corrigir a distribuição do tráfego veicular, na infraestrutura rodoviária existente. É que, no âmbito da gestão dos ativos rodoviários, as vias marginais se apresentam congestionadas, sobretudo nos horários de pico, em contrataste com as pistas expressas, que, muitas vezes, restam ociosas. Mais do que uma inegável insuficiência de infraestrutura disponível, o problema reside na gestão ineficiente dos recursos escassos. Daí a legitimidade da intervenção regulatória para endereçar essa falha de mercado.

Nesse quadrante, o sistema de free flow se apresenta como uma ferramenta, dentre outras disponíveis no arsenal contratual-regulatório[1], que visa a alcançar uma política tarifária, mais justa e transparente, aos usuários, por meio da modernização de contratos de concessão, atualmente já sendo possível alcançar tal objetivo por meio da tecnologia OCR (optical character recognition, ou reconhecimento óptico de caracteres)[2]. De fato, é que, a despeito dos clássicos arranjos contratuais de subsídios cruzados entre usuários (consubstanciados, por exemplo, no estabelecimento tarifas básicas e sociais, como se passa nos, usualmente, setores de saneamento, energia elétrica e telecomunicações), fato é que os sistemas de cobrança tradicionais de regulação da cobrança de pedágios não consegue transmitir ao usuário as informações necessárias a propósito da sua comutatividade (o que sugere a criação de incentivos para evasões e impedâncias) [3].

Explica-se. A tarifa básica de pedágio decorre do produto da tarifa quilométrica[4] (já fixada no edital ou tomada como variável, nas licitações em que o critério de escolha da melhor proposta econômica é a menor tarifa ofertada pelos licitantes), que é calculada a partir dos trechos de cobertura da praça de pedágio (TCP) [5]. Cuida-se de um sistema econômico-financeiro de subsídios cruzados entre usuários de curta, média e longa distância; entre usuários recorrentes e usuários episódicos.

A despeito da sustentabilidade econômico-financeira dos projetos, não se pode olvidar a incidência da isonomia material nos serviços públicos. Tratar, igualmente, desiguais é uma conduta antijurídica. Não é por outra razão que o art. 13 da Lei n°8.987/1995 dispõe que “As tarifas poderão ser diferenciadas em função das características técnicas e dos custos específicos provenientes do atendimento aos distintos segmentos de usuários”. Assim é que, de acordo com a nova redação dada ao art. 26, §2°, da Lei n°10.233/2001, “Na elaboração dos editais de licitação”, “a ANTT promoverá a compatibilização da tarifa do pedágio com as vantagens econômicas e o conforto de viagem proporcionados aos usuários em decorrência da aplicação dos recursos de sua arrecadação no aperfeiçoamento da via em que é cobrado, bem como a utilização de sistema tarifário que guarde maior proporcionalidade com o trecho da via efetivamente utilizado”.

Andou bem, ainda, o novel diploma ao deslegalizar a função sancionatória pela evasão do sistema eletrônico ao Contran. Em primeiro lugar, porquanto a experiência internacional dá conta (notadamente no Reino Unido e no Chile, como demonstra os estudos apresentados, pelo IFC-International Finance Corporation, capitaneados por Fernando Camacho) de que a implementação deste sistema de flexibilização tarifária predica o estabelecimento de um correspondente enforcement regulatório inibidor da evasão dos usuários. Em segundo lugar, porque se partiu da concepção de acordo com a qual o Contran tem uma capacidade institucional superior à ANTT para disciplinar a higidez e as infrações de trânsito. E, em terceiro lugar, na medida em que tal prescrição mitiga o risco jurídico de se ventilar o entendimento de que o poder de polícia não poderia ser exercido por particulares – como sói ocorrer, alicerçado em concepções do direito administrativo de outrora e à revelia da jurisprudência dos tribunais superiores.

Por fim, é de se destacar a previsão do §3°, do art. 1°, do novel diploma de acordo com o qual será possível implementar sistemas de livre passagem (free flow), em contratos de concessão de rodovias em vigor. Esse dispositivo veicula o importante tema da repartição dos riscos econômico-financeiros do advento de novas tecnologias, em contratos de concessão. Em tais situações, não se poderia defender o entendimento segundo o qual o dever de “atualidade” dos serviços públicos lastrearia uma “obrigação de investimento”, genérica e ilimitada, para os concessionários de rodovias descolada do equilíbrio econômico-financeiro de seus contratos. A uma, na medida em que a natureza relacional dos pactos concessórios seria antípoda a tal ilação. A duas, porquanto, a despeito de o risco de demanda ter sido alocado ao concessionário, isso não importa dizer que as posturas comissivas do poder público sobre as suas variações devem ser integralmente por ele suportadas. Deve-se, pois, diferenciar os regimes de equilíbrio econômico-financeiro entre as modelagens nos quais essa obrigação já estava provisionada, pelo Concessionário, daquelas em que a implementação de tal sistemática importará numa alteração unilateral dos contratos, as quais impõe o seu reequilíbrio, nos termos do art. 9°, §4°, da Lei n°8.987/1995.

Em resumo, a justiça tarifária é um conceito em evolução nas modelagens concessórias. Mas a regulamentação deverá equilibrar, de um lado, a necessidade de atualização dos serviços públicos, e, de outro, a estabilidade e a garantia ao equilíbrio econômico-financeiro, que são característicos dos contratos de concessão.

 

Rafael Véras
é doutorando e mestre
em Direito da Regulação
pela FGV Direito Rio.
Rafael Randerson
é advogado do BNDES.
LLM em Direito do Estado e Regulação pela FGV
e MBA em Finanças pelo IBMEC.

 

[1] Há ainda outras ferramentas regulatórias e de política pública adequadas para mitigar essas distorções. Uma delas é o desconto de usuário frequente (DUF) já pensado para algumas concessões rodoviárias. Em linhas gerais, essa ferramenta concede aos usuários que realizam, com frequência, o mesmo percurso desconto progressivo na tarifa cobrada na praça de pedágio. Com tal medida é possível reduzir as distorções tarifárias a que estão sujeitos os usuários que realizam pequenos deslocamentos diários em movimentos pendulares.
[2] Alternativas tecnológicas são possíveis, a exemplo do uso de tags, que se comunicariam com portais instalados ao longo do trecho rodoviário (sistema de radiofrequência). Essa solução, entretanto, inviabiliza-se se o uso de tais dispositivos veiculares não for obrigatório pela legislação. Sem essa compulsoriedade, há um incentivo natural de o usuário fazer uso da infraestrutura sem pagar por ela pagar.
[3] Alguns autores como Herbert Simon destacam que a racionalidade é inerentemente limitada, o que quer dizer que existe uma carência de capacidade cognitiva óbvia para a resolução de problemas complexos. Thaler, Richard H.. Misbehaving (p. 38). Intrínseca. Edição do Kindle.
[4] Ainda há outros fatores que influenciam na tarifa final paga pelo usuário em determina praça. Um exemplo disso são os chamados multiplicadores tarifários. Essa variável está relacionada ao número de eixos do veículo que faz uso da infraestrutura, já que há uma correlação direta entre a quantidade de eixos e o desgaste do pavimento asfáltico.
[5] Essa quilometragem pode variar entre as praças de pedágio de uma mesma concessão rodoviária. Em geral, observa-se que aquelas costumam abarcar trechos não superiores a 100 km. Entretanto, há exceções, a exemplo das praças previstas para o projeto de concessão da BR 163/230/MT/PA.

 

Confira também alguns títulos sobre “Direito da Infraestrutura” na loja da Editora FÓRUM:

REVISTA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA – RBINF
REVISTA DE CONTRATOS PÚBLICOS – RCP
DESESTATATIZAÇÕES
DIREITO DA INFRAESTRUTURA – TEMAS DE ORGANIZAÇÃO DO ESTADO, SERVIÇOS PÚBLICOS E INTERVENÇÃO ADMINISTRATIVA

LEIA OUTROS TEXTOS DESTA COLUNA

A universalização dos serviços de água e esgoto até 2033 depende da preservação de critérios técnicos para definição da tarifa | Coluna Saneamento: Novo Marco Legal

 

A tarifa dos serviços de água e esgoto é definida pelo Poder Público, uma vez que a inexistência de competição torna impossível a aplicação das regras econômicas básicas de formação de preços. Como a competência é municipal,[1] seria natural que se concluísse que tal definição deveria caber ao Chefe do Executivo ou, ao menos, ao Legislativo Municipal, uma vez que esses são os principais órgãos decisórios dessa esfera política. Com efeito, é comum que Vereadores e Prefeitos assumam que têm o poder de estabelecer as tarifas dos serviços públicos de titularidade do ente político que representam.

O problema é que o exercício desse poder que eles assumem ter derrota o arranjo institucional básico do setor, prejudicando a viabilidade econômico-financeira do cumprimento meta de universalização dos serviços até 2033 estabelecida pela Lei 14.026/2020. Sendo assim, a meta só será atingida se esse arranjo institucional for defendido, garantindo-se a competência da agência reguladora indicada em cada contrato de fixar a tarifa, livre de interesses políticos ou eleitorais.

O reconhecimento da competência exclusiva da agência reguladora poderia inspirar críticas relativas à ausência de legitimidade democrática na definição de um tema de enorme impacto na vida das pessoas. Todavia tais críticas são inconsistentes porque existe um espaço e momento próprio para participação democrática na política municipal de saneamento básico e as decisões tomadas nesse momento fixam as bases que serão usadas para o cálculo da tarifa. Contudo, permitir interferências políticas diretas sobre o valor das tarifas é uma receita certa para o fracasso. Exatamente por isso que a definição das tarifas tem que ser uma atividade técnica e a única forma de garantir isso é por meio de uma legislação geral, afastada da realidade política local da prestação dos serviços.

A criação dessa legislação geral é possível porque, apesar de a competência para prestação dos serviços ser municipal, a União Federal pode instituir diretrizes gerais sobre saneamento básico (art. 21, XX, da Constituição). Diretrizes gerais dessa natureza não podem ser ignoradas pelos Municípios, conforme já definiu o Supremo Tribunal Federal em várias oportunidades (por exemplo, na ADI 3.365/PE).

Dessa forma, os Municípios não são livres para a definição do regime jurídico que será aplicado à prestação dos serviços de água e esgoto. Vale dizer, eles não estão vinculados apenas aos princípios e regras gerais estabelecidos na própria Constituição, mas a um regime jurídico específico que é definido pela União Federal.

Assim, a Constituição, tal como interpretada pelo Supremo Tribunal Federal, criou uma estrutura jurídica para prestação dos serviços de água e esgoto que é composta por diretrizes centrais e execução local. Ou seja, compete à União estabelecer o regime jurídico de prestação dos serviços e aos Municípios definir como tal regime jurídico vai se aplicar às suas realidades particulares, definindo se os serviços serão prestados diretamente ou por meio de concessão e, nesse último caso, licitando o contrato relevante e fiscalizando a sua execução.

Nesse contexto, a União Federal promulgou o marco nacional de saneamento em 2007 (Lei 11.445/2007), marco esse que recentemente sofreu várias alterações relevantes (Lei 14.026/2020). Não obstante tais alterações, a estrutura jurídica básica da prestação dos serviços definida no marco nacional se manteve. Essa estrutura é baseada na ideia de que o Município define politicamente o planejamento para prestação e universalização dos serviços e, a partir de tal planejamento, os serviços são regulados, fiscalizados e prestados tecnicamente.

Dessa forma, os órgãos políticos do Município definem quais investimentos devem ser feitos e o cronograma de execução dos investimentos no momento do planejamento. Essas decisões são essencialmente políticas, porque fazem parte da atividade de planejamento, e impactarão diretamente na tarifa que será cobrada pela prestação dos serviços. Logo, quanto mais ambiciosos forem os investimentos e quanto menor for o prazo para que eles sejam feitos tanto maior será tarifa a ser cobrada dos usuários.

Assim, o planejamento é o momento no qual os órgãos de representação da comunidade, agindo em nome desta e após as relevantes consultas e audiências públicas, definem a maneira como os serviços serão prestados e as metas de universalização futura. Uma vez que tal decisão é tomada, a execução de tal planejamento passa a ser uma questão exclusivamente técnica. Ou seja, após a definição do planejamento, resta apenas calcular qual o custo de execução e assentar a tarifa que tem que ser paga pelos usuários para viabilizar o financiamento dos custos operacionais e não operacionais dos serviços, assim como a amortização dos investimentos a serem feitos e, no caso de decisão pelo regime de concessão, da remuneração da contratada.

Portanto, a estrutura jurídica estabelecida pelo marco nacional cria um momento de participação democrática na prestação dos serviços, quando do planejamento. Com isso, o processo parte de uma decisão política acerca de como os serviços devem ser prestados, mas a execução de tal política passa a ser uma questão técnica. Nesse cenário, os órgãos políticos não têm competência para definição direta das tarifas, mas sim das bases que devem ser usadas para a definição da tarifa.

Por sua vez, a definição em si da tarifa é feita tecnicamente. Nesse sentido, o art. 21 da Lei 11.445/07 determina que a regulação do contrato deverá ser “desempenhada por entidade de natureza autárquica” e o art. 22, IV, estabelece que a regulação engloba “definir tarifas”. Por sua vez, o art. 11, III, dispõe que o contrato deve designar “entidade de regulação e fiscalização”. Portanto, a competência para definição da tarifa é da entidade de natureza autárquica indicada no contrato para exercício das funções de regulação e fiscalização, que o faz de maneira técnica como base no planejamento assentado politicamente.

O objetivo de estabelecer essa estrutura jurídica, em que o planejamento é político e a execução é técnica, é evitar que ocorra uma incongruência entre as aspirações políticas da comunidade e a disposição e possibilidades dessa mesma comunidade de pagar o custo da concretização de tais aspirações. Isso porque, historicamente, a tendência sempre foi no sentido de se aspirar à universalização dos serviços, mas, ao mesmo tempo, definir tarifas que, muitas vezes, não geravam recursos suficientes sequer para financiar os custos operacionais e não operacionais da prestação dos serviços.

Essa distinção entre uma fase política de planejamento e técnica de execução é o arranjo institucional básico instituído pelo marco nacional para tentar mudar um histórico de interferências políticas na prestação dos serviços. A questão é que, para o cidadão médio, o pagamento de uma tarifa é indistinguível do pagamento de um tributo. Em ambos os casos, o cidadão está realizando um pagamento compulsório por bens e serviços que ele não tem liberdade para rejeitar e que, em grande parte das vezes, será revertido em benefício direto de outras pessoas.

Da mesma forma que qualquer corte da carga tributária é popular, a redução de tarifas também o é, independentemente dos projetos públicos que são financiados pelos pagamentos correspondentes. Sendo assim, existe enorme incentivo para que Prefeitos e Vereadores reduzam as tarifas dos serviços de água e esgoto como plataforma eleitoral.

O problema é que quando se permite uma redução da tarifa sem uma alteração relevante do planejamento cria-se a mencionada incongruência entre aspirações e capacidade de concretização. Inclusive, essa incongruência tem seus benefícios políticos, uma vez que não é percebida pela maior parte do eleitorado que aplaude a redução da tarifa ao mesmo tempo em que continua ouvindo promessas de que os serviços serão universalizados.

A questão é que quando os serviços são concedidos à iniciativa privada ou a empresas públicas com estrutura administrativa-gerencial profissional tal incongruência cria problemas sérios. Isso porque o planejamento serve tanto para definir as tarifas quanto as obrigações contratuais da contratada. Dessa forma, a alteração da tarifa por decisão política, sem alteração concomitante do planejamento, cria um desequilíbrio no contrato. Ou seja, a concessão deixa de gerar as receitas necessárias para cobrir os custos que a contratada tem que incorrer para cumprir suas obrigações contratuais.

Muitas vezes, o cumprimento de tais obrigações continua a ser exigido pelo mesmo Poder Público que reduziu a tarifa, imputando-se a responsabilidade pelo inadimplemento à concessionária, não obstante a alteração da sua remuneração. Ocorre que a questão não é puramente contratual, mas acaba tendo implicações políticas e econômicas que extrapolam em muito os interesses subjetivos da prestadora de serviços contratada.

Com efeito, um ato político que modifica diretamente as tarifas dos serviços, sem alteração do planejamento, cria enorme incerteza jurídica e econômica. Um ato político dessa natureza interfere diretamente na remuneração da concessionária, aumentando o risco envolvido no empreendimento e, portanto, o custo de capital. Assim, alguns investidores em potencial são afugentados e os que ficam acabam exigindo prêmios maiores para assumirem os riscos de um contrato de longa duração e sujeito a flutuações políticas que podem afetar diretamente o retorno esperado do investimento realizado.

Ocorre que, no estágio atual, não é possível universalizar os serviços sem a realização de investimentos muito significativos. A última estimativa feita pela Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON) é de que seriam necessários 753 bilhões de reais para atingir tal fim.[2] O Poder Público não tem condições de realizar tais investimentos sozinho.[3]

Nesse contexto, na trilha da atualização do marco nacional de saneamento,[4] nos últimos meses já foram feitas licitações relevantes no setor no Rio de Janeiro (CEDAE), Alagoas (CASAL), Mato Grosso do Sul (SANESUL) e o BNDES já contratou a realização de estudos e modelagem para desestatização de várias empresas estatais do setor.[5] O futuro da universalização dos serviços depende da continuidade do sucesso das licitações que serão feitas em decorrência desses estudos.

Sendo assim, é necessário atrair investimento privado e é essencial que o investidor privado tenha conforto para investir cobrando o menor custo de capital possível. Isso só é possível com o fortalecimento do papel técnico das agências reguladoras na definição da tarifa e com a adoção de medidas assertivas do Judiciário para coibir qualquer tentativa dos órgãos políticos de interferir sobre a política tarifária.

Então, se vamos levar a sério a meta de universalização dos serviços até 2033, como exigiu a Lei 14.026/2020, não existe hoje outro caminho que uma defesa robusta do arranjo institucional que garante uma definição técnica da tarifa pela agência reguladora competente, sem interferência dos órgãos políticos municipais.

 

Breno Vaz de Mello Ribeiro
é mestre em Direito pela UFMG, LL.M
pela New York University School of Law.
Advogado especialista em contencioso
de questões de infraestrutura
no Fialho Salles Advogados.

 

[1] O STF decidiu que na ADI 1.842/RJ que a titularidade pode ser transferida ao órgão metropolitano no caso de região metropolitana. Nos demais casos, a competência permanece sendo do Município, mesmo nos casos de prestação regionalizada, uma vez que cabe à adesão a essa forma de execução dos serviços é voluntária.
[2] https://www.abconsindcon.com.br/noticias/para-universalizar-saneamento-brasil-precisa-de-r-750-bi-segundo-kpmg/
[3] https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/01/29/contas-do-setor-publico-tem-rombo-recorde-de-r-7029-bilhoes-em-2020.ghtml
[4] https://www.editoraforum.com.br/noticias/novo-marco-legal-do-saneamento-vez-da-iniciativa-privada-coluna-saneamento-novo-marco-legal/
[5] https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/desestatizacao/processos-em-andamento