O Supremo Tribunal Federal deve julgar no próximo dia 18/12 (sexta-feira) a ação que discute se duas pessoas que mantinham relacionamento estável simultâneo com um mesmo homem, já falecido, devem dividir a pensão por morte paga pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Até o momento, o placar da votação entre os ministros está 5 a 4 a favor da divisão da pensão. Os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Marco Aurélio Mello e Luís Roberto Barroso votaram pelo provimento, enquanto Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli defendem que não seria possível reconhecer uma segunda união estável.
Segundo a autora do livro “As Famílias Simultâneas e o seu Regime Jurídico”, a advogada Luciana Brasileiro, apesar da autonomia do direito previdenciário, o STF poderá reparar julgado datado de 2008, quando indeferiu a partilha entre duas companheiras no RE397762/BA. “O julgado ficou conhecido através do voto divergente, à época, do ministro Ayres Britto, que já apontava para uma interpretação inclusiva do art. 226 da Constituição Federal, chamando atenção para o uso da metodologia civil constitucional, como importante instrumento de compreensão do Direito privado.”
Para Luciana, a família ocupa atualmente um lugar inversamente proporcional ao que ocupava. “Se antes ela era fundamental para que as pessoas pudessem se inserir num contexto social, hoje ela é instrumento de realização pessoal, que sai da esfera pública e valoriza muito mais do que o privado: valoriza o pessoal.”
Ela destaca ainda que, por outro lado, se antes a família era válvula motora para organização patrimonial, atualmente ela deixa de enxergar como fundamental esta função patrimonial e a valoriza como consequência da existência do contexto familiar. “A família, que antes era extremamente privatista neste âmbito, passa a sofrer a ingerência da função social. Esta adaptação à realidade contemporânea da família não pode ser seletiva e escolher manter dogmas como o da monogamia intactos. Seja porque o contexto social é outro, seja porque o casamento não é mais a única forma de constituição de família.”
A autora chama atenção para o voto do relator, o ministro Alexandre de Moraes. Ele aponta que reconhecer a divisão da pensão por morte entre dois companheiros seria, “por analogia”, a prática da bigamia. “Contudo, é preciso atentar ao fato de que não podemos jamais usar a bigamia por analogia, porque o nosso direito recebe o princípio da não extensão de regras proibitivas e não há que se falar em bigamia diante da configuração de duas uniões estáveis, porque não haveria qualquer crime praticado contra registro civil, uma vez que a união estável não gera alteração de estado civil dos companheiros”, salienta Luciana.
Luciana caracteriza a configuração de família conforme três elementos: afetividade, estabilidade e ostensibilidade. Ela aponta para a redação do art. 226, §8º da CF, que outorga ao Estado a proteção de cada um dos membros da família, livrando-os de tratamento discriminatório.
“É importante atentar também que a monogamia tem um importante traço cultural, de dominação masculina, pois seu sentido sempre foi assegurar a certeza da paternidade.
Fechar as portas do judiciário para uma realidade inegável no Brasil termina sendo uma maneira de ‘premiar’ as pessoas que quebram seus pactos de fidelidade e estabelecem laços simultâneos, na certeza de que não lhe recairão consequências jurídicas. Significa dizer que homens (esta realidade ainda é predominantemente masculina e não se pode descuidar deste dado – este é, efetivamente, um problema de gênero a ser enfrentado) podem continuar estabelecendo vínculos afetivos familiares, sabendo que só serão responsáveis judicialmente por um deles. É blindar patrimonial e existencialmente a única pessoa que, muito provavelmente, infringiu a norma cultural da fidelidade.”
Sobre o livro ‘As Famílias Simultâneas e o seu Regime Jurídico’
Recém-lançada, a obra “As Famílias Simultâneas e o seu Regime Jurídico” está disponível, no momento, somente no formato digital. O livro aborda a análise das famílias simultâneas a partir da interpretação inclusiva proporcionada pelo art. 226 da Constituição Federal de 1988, demonstrando que a construção histórica da monogamia se impôs a partir do violento período de colonização, quando a legislação e os costumes brasileiros incorporaram a cultura europeia de relações pautadas no casamento, patriarcal e patrimonializada.
A autora analisa o panorama das demandas que pleiteiam a atribuição de efeitos jurídicos positivos às famílias que se estabelecem de forma simultânea, preenchendo os requisitos objetivos de afetividade, ostensibilidade e estabilidade e as mudanças provocadas a partir da valorização das pessoas em detrimento do patrimônio, especialmente em razão da valorização da dignidade humana.
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