A tutela jurídica da população LGBT+ no campo do direito das famílias, com ênfase na proteção e garantia do livre exercício no planejamento familiar de uniões homoafetivas e transafetivas é o foco da obra de autoria de Manuel Camelo Ferreira da Silva Netto. No livro “Planejamento familiar nas famílias LGBT”, o tema é abordado especialmente sobre a escolha pela reprodução humana assistida (RHA) .
O autor justifica a abordagem sobre a parentalidade nas famílias LGBT devido aos recorrentes questionamentos preconceituosos referentes à formação familiar e à RHA. “Ao se falar em procriação assistida, os questionamentos também são grandes, notadamente diante da tendência de considerar-se a adoção uma forma ‘mais nobre’ de estabelecer-se uma filiação, algo que não pode ser considerado condizente com o ordenamento jurídico pátrio”, ressalta.
Segundo Manuel Camelo, o livro propõe a superação de obstáculos jurídicos e sociais para proteger com efetividade os contextos familiares homoparentais e transparentais. “Afinal, se o planejamento familiar pressupõe uma liberdade de escolha, de querer ter filhos ou não, de quantos filhos ter, de quando os ter e de que forma tê-los e, se a Constituição e o Código Civil estabelecem uma igualdade entre os filhos de qualquer origem, essa autonomia deve ser garantida a toda e qualquer entidade familiar e deve poder ser exercida livre de imposições estatais”, defende.
Relevância do estudo para os profissionais do Direito
Para Manuel, no âmbito jurídico, o campo da reprodução humana assistida é ainda bastante árido, tendo em vista a vasta quantidade de controvérsias que o tema carrega consigo, especialmente quando considerada a escassez legislativa na temática. “Diante disso, é preciso que os profissionais da área tenham conhecimento não somente dos seus aspectos jurídicos, mas também que se apropriem de uma linguagem interdisciplinar própria da Bioética e do Biodireito, responsáveis por regulamentar os avanços biotecnológicos a partir de diretrizes éticas que respeitem os direitos fundamentais dos pacientes”, explica.
Outro ponto trazido pela obra é a questão da tutela jurídica da população LGBT+ que, na opinião do autor, apesar dos avanços na jurisprudência (como o reconhecimento das uniões homoafetivas, da possibilidade de retificação de registro de pessoas trans independentemente de cirurgia, da equiparação da homo-transfobia ao crime de racismo, etc.), não encontra muito espaço para debate no Congresso Nacional, o que ocasiona um quase vazio legislativo no tema. “Ademais, o preconceito social relativo a esse grupo, fruto de estigmas históricos, acaba corroborando para proporcionar uma violação dos seus direitos fundamentais, a qual não pode ser tolerada pelo Direito e para a qual os juristas devem estar preparados para combater e repelir.”
Camelo explica que a obra conecta os dois âmbitos (da procriação assistida e dos direitos da diversidade sexual e de gênero), marcados pela quase ausência legislativa, e, utiliza uma metodologia civil-constitucional, para propor reflexões em torno da superação de entraves jurídicos que possam obstar a consecução do planejamento familiar nos contextos familiares LGBT, primando pela garantia de efetividade dos seus direitos fundamentais na esfera privada.
Estudos interdisciplinares
Pioneiro com relação à temática no contexto jurídico brasileiro, a publicação “Planejamento familiar nas famílias LGBT” traz também uma perspectiva interdisciplinar, não se resumindo apenas ao campo jurídico, para compreender e resolver a problemática central.
O autor conta que foi necessária a utilização de bibliografias de campos de estudos multidisciplinares. Estudos de filosofia, em especial estudos foucaultianos e de teoria queer, foram usados para compreensão da dominação relativa aos grupos LGBTs e a construção das suas expressões de sexualidade e identidades de gênero enquanto não hegemônicas. Já a sociologia e a antropologia, auxiliaram na investigação das repercussões que o preconceito social e a discriminação contra LGBTs acarreta na consecução dos direitos dessa parcela populacional. Os campos da bioética e do biodireito foram utilizados para compreender os balizamentos éticos que comportam a aplicação das técnicas de reprodução humana assistida e suas consequentes repercussões jurídicas, levando em especial consideração os contextos familiares LGBT. Por fim, os estudos no campos da medicina tiveram a intenção de compreender os processos médicos que envolvem não apenas a aplicação das técnicas reprodutivas, como os diagnósticos de infertilidade, as repercussões que o procedimento de transgenitalização podem acarretar nas capacidades reprodutivas das pessoas trans e como as técnicas de reprodução humana podem beneficiar a população LGBT diante das circunstâncias próprias de suas modalidades familiares.
“A obra propõe-se a esgotar a temática, trazendo uma análise desde o reconhecimento das famílias LGBT no contexto pátrio, críticas a esse reconhecimento e análises de questões que ainda precisam ser melhor discutidas, até a investigação propriamente dita do recurso à procriação medicamente assistida: o papel da bioética e do biodireito na sua regulamentação, questões controversas no assunto, a importância do respeito ao planejamento familiar e como tal instituto pode e deve ser aplicado aos contextos familiares LGBT.”
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