Saneamento básico: recomeçar ou continuar? | Coluna Saneamento: Novo Marco Legal

5 de dezembro de 2022

 

Normalmente as mudanças de governantes e governos trazem esperanças, expectativas, preocupações e/ou apreensões. Atualmente e, talvez, como nunca – quem sabe movidas pela força das mídias sociais –, as histórias que misturam esperanças e apreensões numa mesma tênue linha a separar a prudência da precipitação, deixam sob riscos a possibilidade de se avançar em busca do melhor para a sociedade.

A Lei Federal nº 14.026/2020 – novo marco regulatório do saneamento – e seus decretos regulamentadores provocaram no setor de saneamento um abalo que não era visto desde a época do PLANASA. Mesmo no final da década de 90, quando se desejou incluir o setor nas privatizações, como se deu com os setores de telecomunicações e energia elétrica, ainda não foi então que o saneamento foi instado a, efetivamente, modificar o modelo das Companhias Estaduais de Saneamento, cuja vida útil já se encontrava visivelmente comprometida e carente de inovação.

Hoje, ouve-se com frequência histórias e comentários sobre o que o Governo Lula, recém-eleito, fará, faria o deveria fazer em relação ao setor. Salvo engano, nada foi oficialmente divulgado até o momento sobre a revogação de decretos, propostas de alterações radicais na lei ou a suspensão de estudos em andamento. Porém, nada mais natural que um novo Governo, seja qual for, estabelecer seu ritmo e modelo de gestão, notadamente ao se tratar de um processo cujo objetivo final pareceu ser extinguir as Companhias Estaduais, levando o setor privado a assumir o quase monopólio nacional daquelas Companhias.

Ora, desde 2020, nem tanto pelo novo marco mas também por ele, os municípios, as Companhias Estaduais e as empresas privadas – e acrescente-se a ANA a este grupo –, foram envolvidos num turbilhão de novas atividades, processos e mudanças institucionais que provocaram alterações de fato e abriram espaço para outras formas de inovação gerencial e cultura organizacional. Contratar e desenvolver estudos para encontrar novos caminhos à luz do novo marco, movimentou e movimenta a maioria desses atores envolvidos.

Um processo que provocou tantas discussões e reações, certamente mereceria – e, salvo melhor juízo, merece – ajustes fosse qual fosse o Presidente eleito. Até pode-se perguntar: Já? Tão cedo? Certamente que sim. Afinal, tudo que aconteceu até agora não pode se resumir a festejar outorgas como se essas representassem o sucesso do novo marco ou modelo de gestão. A nova lei colocou nos ombros e nas cabeças dos Governos Estaduais, a responsabilidade de fiscalizar, regular e gerenciar conselhos de municípios de modo bem diverso do simples “toma lá, dá cá”, transformando o Governo Federal em avalista e fiador dos modelos implantados.

Nesse sentido, por exemplo, é preciso acompanhar o que acontece em Alagoas onde em menos de 2 anos a Região Metropolitana de Maceió terá cerca de 25% de reajuste tarifário acumulado e no Rio de Janeiro, onde o Governo do Estado definiu um reajuste menor que o que seria resultante da fórmula contratual. Quais os reais impactos dessas medidas aos usuários, aos concessionários e contratos? Ademais, quais impactos esses novos modelos tiveram à qualidade da prestação dos serviços públicos de saneamento e atendimento da população?

Recomeçar a discussão e voltar a 2017, seria muito menos produtivo para a sociedade do que dar continuidade ao debate a partir de fatos concretos e dos modelos diversos que já pontuam o mercado, atentando para focos essenciais do novo marco como: regionalização, regulação, modicidade tarifária e sustentabilidade dos contratos/serviços.

Se o objetivo é universalizar, inclusive sob a melhor forma de atingir esta meta de acordo com as desigualdades e diferenças entre municípios, a hora é de evitar conjugar o verbo recomeçar e professar o continuar.

Seguir adiante visando colaborar, contribuir, integrar e fortalecer como formas de aperfeiçoar um modelo, que vem sendo ao longo do tempo corroído por certa autofagia administrativa que preferiu sustentar status quo a romper paradigmas deveria ser a meta de curto prazo. Como já ponderei em textos anteriores, vai longe o tempo em que o Brasil precisou conhecer e “copiar” exemplos de outros países. Já há bons e maus exemplos de sobra em nosso país, com aprendizados suficientes para que se estabeleçam modelos sustentáveis e justos.

Apesar de o Governo Federal não exercer o papel de poder concedente ou de titular, reconhece-se que a condução do novo marco legal foi fortemente influenciada pelo poder executivo federal. Agora é hora de lançar um novo olhar sobre o que já está iniciado, em andamento e planejado para se continua a buscar o melhor para toda a sociedade. O desafio é muito grande. O tempo, muito curto. Dar continuidade a algo pode ser uma forma de aperfeiçoamento, caso assim realmente se deseje e sejam envidados os esforços necessários.

 

Álvaro Menezes da Costa é Mestre em Recursos Hídricos e Saneamento,
Especialista em Aproveitamento de Recursos Hídricos (Universidade Federal de Alagoas – UFAL) e
Water supply enginnering II (Japan International Cooperation Agency – Tokyo)

 

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