Saiba passo a passo como ocorrem os acordos de leniência na Lei Anticorrupção

21 de junho de 2017

Foi divulgado recentemente pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU), o  passo a passo para a celebração dos acordos de leniência previstos na Lei Anticorrupção (nº 12.846/2013). O texto explica como funciona a atuação das comissões de negociação no âmbito do Ministério da Transparência e apresenta os objetivos e competências legais dos acordos de leniência.

Leniência – Passo a Passo

A Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) inovou ao instituir dois novos instrumentos de combate à corrupção: os denominados Processos Administrativos de Responsabilização (PAR) e os Acordos de Leniência.

O PAR visa essencialmente punir as empresas envolvidas em ilícitos de corrupção, podendo gerar a imputação de elevadas multas ou mesmo a proibição de licitar ou contratar com a Administração Pública, no caso de fraudes a licitações ou contratos.

O acordo de leniência fundamenta-se minimamente em quatro pilares.

1. O acordo de leniência tem o objetivo de trazer novos elementos de prova sobre ilícitos (a chamada “alavancagem investigativa”). Por ele se amplia a possibilidade [a] de sanção sobre outros sujeitos (agentes públicos, privados e outras empresas) cujas condutas ou respectivos elementos de prova não eram de conhecimento do órgão de controle, e [b] de recuperação de valores procedentes da corrupção junto a esses outros atores.

2. Os acordos de leniência buscam permitir a reparação dos danos causados pelo ilícito. Em realidade, mediante acordo, essa reparação se dará de forma mais célere e eficaz em comparação com os indicadores de recuperação de valores obtidos através das ações de improbidade ou das execuções dos julgados do TCU. Deve-se atentar que os acordos a serem celebrados pela Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU) não darão quitação integral quanto aos danos, ou seja, caso o TCU apure outros danos nos casos objeto do acordo, poderá ele condenar a empresa a ressarci-los independentemente do acordo (artigo 16, § 3º, da Lei Anticorrupção).

3. O acordo de leniência demanda que as empresas passem a atuar dentro de padrões de integridade e compliance. Isso significa que a assinatura do acordo de leniência depende [a] da aprovação prévia pela CGU de um programa de integridade e [b] da sujeição, por parte da empresa, ao acompanhamento da implementação deste respectivo programa pela CGU. Assim, o que se tem, na verdade, é um contrato de conduta controlada que a lei impõe à empresa por tempo predeterminado.

4. Haverá a perda de todos os benefícios caso a empresa descumpra o acordo. Neste caso, reabre-se ou instaura-se o PAR, podendo a empresa vir a ser declarada inidônea, e executam-se os valores devidos, bem como ficará impedida de realizar novo acordo pelo prazo de três anos (artigo 16, § 8º, da Lei Anticorrupção) e será incluída no Cadastro Nacional de Empresas Punidas.

Como se vê, o Acordo de Leniência é muito mais amplo e eficaz para fins de prevenção da corrupção do que a sanção de inidoneidade no âmbito do PAR. Isto porque, ao mesmo tempo em que o Acordo amplia a investigação, permite a reparação mais eficaz de valores e obriga a empresa a atuar de forma ética, não a exime das sanções do PAR em caso de descumprimento do Acordo. É desta perspectiva que a CGU atua e cumpre a Lei Anticorrupção.

Os parceiros constitucionais

Apesar de o legislador atribuir a responsabilidade pela realização dos acordos de leniência somente à CGU, esta tem atuado em conjunto e de forma coordenada com outras instituições. Nesse sentido, em primeiro lugar, a CGU viabilizou o acesso integral do processo de negociação às equipes de auditoria do TCU. Assim, para cada caso de negociação, a equipe técnica do TCU, credenciada e comprometida com confidencialidade, tem acesso on line a todos os documentos relacionados à negociação, o que permite um acompanhamento contínuo de cada etapa do processo.

Em segundo lugar, considerando especialmente a atribuição da AGU para a propositura de ações de improbidade em relação aos ilícitos objeto dos possíveis acordos, ambas as instituições firmaram portaria conjunta para regular os trâmites procedimentais do acordo e para permitir a participação da AGU nas comissões de negociação, o que garante maior segurança jurídica a todo o processo.

Há que ressaltar que a CGU se encontra à disposição do MPF e do TCU para formalizar mecanismos para o mesmo fim, inclusive para ensejar a participação de seus integrantes nas comissões de negociação.

As comissões de negociação do acordo de leniência

Feitas essas considerações, importante dizer que as comissões de negociação dos acordos de leniência são compostas por Auditores Federais de Finanças e Controle, todos servidores estáveis da CGU, e por membros da Advocacia-Geral da União.

Cada comissão é composta por cinco membros, os quais têm independência técnica para realizar as tratativas com as empresas e, ao final, propor uma de duas hipóteses:

(i) a não realização do acordo, sempre que se verificar que as empresas:

[a] não estão, de fato, dispostas a colaborar,

[b] embora dispostas a colaborar, não há elementos indicativos de ilícitos nas informações apresentadas ou estas não contribuem para as investigações a cargo da CGU,

[c] não assumam programa de integridade eficaz e validado pelo monitoramento da CGU, ou,

[d] não estejam dispostas a ressarcir os valores “com base em critérios de eficiência, preservando-se a obrigação da pessoa jurídica de reparar integralmente o dano causado” (conforme previsto no artigo 5º, V, da Portaria CGU/AGU nº 2278/2016); ou,

(ii) a realização do acordo, quando as empresas cumprirem os requisitos legais para a sua celebração.

Nesse contexto, o norte condutor de toda a atuação da CGU é a preservação do interesse público no caso concreto. A Constituição impõe sua atuação com impessoalidade, sem o viés de beneficiar ou prejudicar quem quer que seja. Sem violar a confidencialidade, é razoável registrar o seguinte dado estatístico: que a CGU (i) já declarou seis empresas inidôneas no âmbito da Operação “Lava Jato”; (ii) já encerrou as negociações com duas outras empresas, remetendo os respectivos casos para apuração em PAR, o que pode gerar, em tese, a declaração de inidoneidade da empresa; (iii) mantém dez PARs em fase de instrução; e (iv) mantém onze PARs em aberto aguardando o encerramento da negociação de eventual acordo de leniência. (números de 1º de março de 2017).

De outro lado, a CGU mantém negociações com empresas que manifestaram efetivo interesse em colaborar com as investigações. Atualmente há quinze comissões de negociação, relacionadas ou não à Operação Lava Jato. Duas dessas comissões estão na fase final do processo, devendo encerrar-se ainda no mês de março. Outras três haviam suspendido as tratativas a pedido da Força Tarefa do MPF na Operação Lava Jato, para não prejudicar o trabalho desenvolvido pelos procuradores da República em Curitiba. Ainda, até o mês de maio, espera-se encerrar outros dois casos. Portanto, a atuação da CGU, além de primar pelo respeito às normas aplicáveis, também demonstra a preocupação com uma atuação articulada entre todos os órgãos envolvidos no combate à corrupção.

Da celeridade e do devido processo legal

Atente-se que a CGU tem atuado intensamente para que tais processos tenham a menor duração possível, respeitando-se, em conjunto, os princípios do devido processo legal, da legalidade, da eficiência e da duração razoável do processo. Esse trabalho se intensificou nos últimos meses, considerando que havia processos cuja duração estava longe da ideal. Para tanto, foram redimensionadas as equipes, constituiu-se comissão de apoio técnico para auxiliar as comissões (com contadores, engenheiros e especialistas em programas de integridade), e estabeleceu-se um cronograma de acompanhamento dos trabalhos das comissões. Ainda, a fim de melhor capacitar as comissões, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, realizou-se Curso Avançado em Negociação de Acordos de Leniência, com duração de 40h/a, que contou com a participação dos Membros das Comissões, além de Advogados da União e Auditores do TCU envolvidos na análise dos acordos de leniência.

Sem dúvida que as tratativas dos acordos de leniência são complexas. Há diversos aspectos fáticos e questões jurídicas que devem ser considerados e a CGU, em conjunto com a AGU, tem se debruçado sobre tais assuntos com extrema responsabilidade. Por exemplo, uma questão que se discute é se se deve abrir ou dar andamento a PAR em relação a uma empresa que mantém Memorando de Entendimentos para fins de celebração de eventual acordo de leniência. A CGU respeita as opiniões em contrário e pretende tratar do assunto na via própria, segundo critérios técnicos. No entanto, a princípio, não vê justificativa para que uma empresa, ao mesmo tempo, [a] no âmbito da negociação de um acordo de leniência, reconheça o ilícito e colabore com a investigação, e [b] no âmbito do PAR, preste depoimento no qual negue o ilícito e atue em contraditório para evitar uma punição.

Da competência da CGU no âmbito do Executivo federal

Mesmo nesse ambiente de colaboração institucional, a competência da CGU é concorrente para instaurar e julgar PAR, e exclusiva para avocar processos instaurados para exame de sua regularidade, ou para corrigir-lhes o andamento, incluindo a aplicação de penalidade administrativa, a qualquer tempo, nas hipóteses do artigo 13, caput e § 1º, do Decreto 8420/2015, que estabelece:

“§ 1o A Controladoria-Geral da União poderá exercer, a qualquer tempo, a competência prevista no caput, se presentes quaisquer das seguintes circunstâncias:

I – caracterização de omissão da autoridade originariamente competente;

II – inexistência de condições objetivas para sua realização no órgão ou entidade de origem;

III – complexidade, repercussão e relevância da matéria;

IV – valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade atingida; ou

V – apuração que envolva atos e fatos relacionados a mais de um órgão ou entidade da administração pública federal. ”

Do sigilo legal

Por fim, em respeito ao interesse das investigações e à necessidade de sigilo na condução dos acordos de leniência, a CGU não comentará nomes de empresas e não discutirá a realidade ou não de valores eventualmente referidos fora das mesas de negociação, a fim de manter-se fiel à confidencialidade legal no trato de tais assuntos. A CGU espera, destarte, que eventuais vazamentos de dados e informações relativos aos acordos de leniência sejam apurados de forma célere nas esferas administrativa, cível e penal.

 

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