Os objetivos regulatórios não são graciosos. Afinal de contas, não se pode fugir de uma perspectiva que permeia a modelagem dos pactos concessórios: os serviços públicos custam. Assim é que, embora legitimamente se espere que os serviços públicos atendam a diversas finalidades de interesse público, há um custo na disponibilização dessas utilidades à sociedade – razão pela qual, na modelagem econômica dos pactos concessórios, deverá ser instituído um regime remuneratório pela prestação do serviço delegado, albergado por uma política tarifária (art. 175, III, da CRFB).
Nesse sentido, o ente delegante poderá instituir uma política tarifária, por meio da qual serão estabelecidos mecanismos, endógenos e exógenos, de financiamento da concessão. O principal mecanismo endógeno é a fixação de uma tarifa sujeita à regulação estatal[1] , mediante a qual serão previstos os custos da prestação do serviço (o que resultará na tarifa módica) e a rentabilidade do projeto concessionário (v.g. por meio das metodologias de price cap, cost plus, rate of return, yardstick competion). De outro bordo, os principais mecanismos exógenos de financiamento da concessão podem resultar: (i) da instituição de fundos, especialmente criados para esse fim (v.g. o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST, instituído pela Lei nº 9.998/2000); (ii) de subsídios providos, diretamente, pelo poder público; e (iii) das receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, previstas nos artigos 11 e 18, inciso VI, da Lei nº 8.987/1995.
Acontece que, embora o pacto concessório sirva como um móvel para o financiamento da exploração de utilidades públicas, fato é que existe uma assimetria de informações entre o poder concedente (ou regulador) e o concessionário. Tal assimetria de informações tem lugar, na medida em que as concessionárias detêm maiores informações a propósito dos próprios negócios (no que toca ao volume demanda, custos fixos e variáveis, dentre outros). Razão pela qual o Regulador não consegue prever, com segurança, como a contraparte se portará, durante a execução dos contratos de concessão. É dizer, ainda que a parte revele determinadas informações (no âmbito do procedimento competitivo, por exemplo), isso não importa dizer que todas essas informações serão absorvidas e compreendidas pela contraparte[2]. Diante disso, em situações concretas, se apresenta um trade off para o regulador em, de um lado, incrementar as “obrigações de investimento” e as “obrigações desempenho” do módulo concessório e, de outro, comprometer a modicidade tarifária.
Daí a necessidade de a regulação induzir à revelação de informações, pelos concessionários, durante a execução contratual. Para tanto, é de se cogitar da adoção da estratégia da Regulação por Menus, na qualidade de um instrumento redutor da assimetria de informações da relação concessória[3]. De acordo com a doutrina especializada, o menu é construído de forma que, ao assumir uma meta mais desafiadora, o prestador assumirá maior risco de não alcançar o resultado proposto e de ser penalizado. Nessas hipóteses, estará sujeito a recompensas maiores por bons resultados, de forma que o incentivo seja efetivo. É dizer, o regulador oferece um menu de contratos, de modo que a firma mais eficiente selecionaria um com incentivos mais fortes (em que uma menor parcela dos custos é reembolsada), enquanto a firma menos eficiente escolheria um contrato com incentivos fracos (que reembolse a maior parcela dos custos)[4]. Nesse quadrante, tal menu observaria o seguinte racional: (i) quanto melhor o resultado alcançado, maior o prêmio (ou menor a penalidade); (ii) quanto maior a distância entre a meta proposta e resultado alcançado, menor o prêmio (ou maior a penalidade); e (iii) a penalidade aplicada devido ao distanciamento entre meta e resultado é menor quando a diferença for consequência de uma meta muito ambiciosa do que quando for por uma meta muito frouxa[5].
O manejo de deflatores tarifários específicos poderia servir a tal desiderato. A novidade é que um sistema de incentivos lastreado na escolha do concessionário, a partir de certos standards fixados pelo regulador, tornaria as obrigações contratuais mais exequíveis. Metas previstas em lei mais realistas. Pode reduzir os efeitos da maldição do vencedor (Winner’s Curse) e da seleção adversa. Evitar devoluções de concessões em massa. É um caminho.
Rafael Véras é Professor Responsável do LLM de Infraestrutura e Regulação da FGV Direito Rio. Doutorando e Mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio.
Notas
[1] CÃMARA, Jacintho Silveira Dias de Arruda. O Regime Tarifário como Instrumento de Políticas Públicas. Revista de Direito Público da Economia – RDPE. Belo Horizonte, ano 3, n. 12, out./dez. 2005.
[2]AKERLOF, George. The Market for Lemons: quality uncertainty and the Market Mechanism. Quarterly Journal of Economics, n. 84, p. 488-500, 1970. BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin. Understanding Regulation: Theory, Strategy, and Practice. New York: Oxford University Press, 2013, p. 18.
[3] LAFFONT, J. J.; TIROLE, J. A theory of incentives in procurement and regulation. Cambridge, MA: MIT Press, 1993
[4] CRUZ, Camila Elena Muza; OLIVEIRA, Itamar Aparecido de. A regulação por menus – teoria e prática. In: OLIVEIRA, Carlos Roberto de; VILARINHO, Cintia Maria Ribeiro (coord.). A regulação de infraestruturas no Brasil. Santana de Parnaíba: Associação Brasileira de Agências de Regulação: KPMG, 256-278, 2021.
[5] ARSAE-MG – Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais. Nota Técnica CRE nº 15/2021: Metodologia de reajustes tarifários da COPASA MG, 2021. Disponível em: <http://www.arsae.mg.gov.br/wp-content/uploads/2021/06/NT_CRE_15_2021_Metodologia_Reajuste_PosCP23.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2022.