Políticas de Privacidade e a vedação ao uso de câmeras nos imóveis do Airbnb

28 de maio de 2024

regulação das aplicações de inteligência artificial
câmera em airbnb

Em 2023, nos Estados Unidos, um homem foi preso após ter instalado uma câmera em um banheiro de um cruzeiro para gravar imagens íntimas[1]. Em janeiro de 2024, no Brasil, um casal noticiou ter encontrado uma câmera escondida em um resort em que estavam hospedados, instalada para a captação de cenas sexuais ou de nudez[2]. Nesse cenário, o art. 216-B do Código Penal brasileiro tipifica o delito de registro de intimidade sexual, incluindo fotografar ou filmar cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter privado sem autorização dos participantes, cominando pena de detenção de seis meses a um ano e multa.

A instalação de câmeras para registro de atividades íntimas ou cenas de nudez inequivocamente caracteriza um ilícito penal, sem prejuízo da reparação civil. A questão jurídica controversa que surge a partir desse cenário é: os locadores podem deixar câmeras ligadas em imóveis de sua propriedade, fora das áreas de intimidade, quando estiverem locados para terceiros?

O desenvolvimento da economia de compartilhamento transformou a forma como interagimos com os bens ao nosso redor, oferecendo acesso a uma ampla gama de serviços e recursos. Esse paradigma, contudo, também suscita questões cruciais sobre segurança e privacidade. No caso de plataformas como o Airbnb, essa questão é ainda mais relevante quando se constata que os proprietários abrem as portas de suas casas para o mercado.

Nesse contexto, enquanto os locatários desfrutam da economia de compartilhamento, também precisam ponderar os riscos que envolvem a sua privacidade. Afinal, a sensação de conforto em um ambiente temporário pode ser comprometida quando se introduzem câmeras de vigilância e, mais ainda, quando o locatário não é advertido sobre isso.

Esse modelo econômico nos desafia a encontrar um equilíbrio entre a oferta de serviços acessíveis e os direitos individuais, notadamente o de privacidade. E, nessa equação, é necessário considerar não meramente a eficiência econômica, mas também as implicações éticas e legais das decisões tomadas.Parte superior do formulário

Sobre a temática, à luz do princípio da proporcionalidade e considerando o embate entre a privacidade, a segurança e a propriedade, Luís Felipe Salomão e Caroline Somesom Tauk delinearam parâmetros para a instalação das câmeras nessas hipóteses, requisitos sem os quais haveria a caracterização do ilícito civil: 1) instalação de dispositivos visíveis; 2) com consentimento prévio dos ocupantes; 3) e fora das áreas de intimidade de acomodação[3].

O Airbnb, contudo, vedou o uso de câmeras nos espaços internos das propriedades locadas em suas plataformas, ainda que previamente advertido, sob pena de remoção do locador da plataforma:

Não permitimos que os anfitriões tenham câmeras de segurança ou dispositivos de gravação que monitoram espaços internos, mesmo que esses dispositivos estejam desligados. As câmeras ocultas sempre foram proibidas e continuarão sendo. Os anfitriões podem ter câmeras de segurança na parte externa, monitores de ruído e dispositivos inteligentes, desde que cumpram as diretrizes a seguir e as leis aplicáveis. Essas regras entram em vigor em 30 de abril de 2024[4].

Inicialmente, a proibição se restringia para quartos e banheiros, sendo permitida a instalação em outros ambientes de circulação, desde que previamente avisado no anúncio. No entanto, a proibição agora se estende para todos os cômodos, independentemente de visibilidade, e vale para todo o mundo a partir de 30 de abril de 2024. A inovação não é irrelevante, especialmente considerando que a instalação de câmeras vinha se caracterizando como uma prática entre diversos locadores, potencializada, inclusive, pelo aquecimento da locação por temporada e da economia de compartilhamento.

Não à toa, o Saturday Night Live, um dos programas humorísticos mais antigos da TV norte-americana, trouxe um esquete satirizando a decoração e o design de apartamentos locados no Airbnb, incluindo a menção às câmeras ocultas[5]. É certo que os proprietários têm preocupações atinentes à segurança do imóvel e a instalação de câmeras, em tese, pode tranquilizá-los no que tange aos eventuais danos ou comportamentos inapropriados. A decisão do Airbnb, nesse ponto, privilegia o direito de privacidade dos hóspedes, reconhecendo que a sensação de vigilância pode ser incômoda para os interessados na locação.

Ainda em 2021, o caso “Verônica X Felipe” viralizou na internet. O meme surgiu a partir de áudios divulgados entre a proprietária Verônica e o locatário Felipe, ocasião em que ela afirmou ter visto, por meio das câmeras instaladas, o locatário e seus amigos fazendo uma orgia pela casa, o que teria violado as regras do local[6].

A reflexão sobre casos como esses pontua o embate entre os direitos de privacidade e de propriedade, tendo o Airbnb, na ponderação entre os interesses, privilegiado o dos hóspedes. Não se trata de decisão simples, máxime se tratando de plataformas que precisam equilibrar os interesses de grupos interdependentes para obter eficiência. Também impende ressaltar que as relações em plataformas como o Airbnb produzem bons resultados quando lastreadas na confiança[7].

Desse modo, as políticas internasrefletem não apenas uma questão de privacidade e segurança, mas também os valores e interesses comerciais da plataforma. Essa medida busca atribuir mais credibilidade reputacional e manter a confiança dos locatários na plataforma, demonstrando um compromisso com a privacidade e o bem-estar dos hóspedes. É nesse sentido, inclusive, que a classificação feita pelos usuários nas plataformas digitais desempenha um papel importante nas transações online[8]. Nesse ponto, o chefe de política comunitária do Airbnb, Juniper Downs,informou que essas mudanças foram feitas em consulta com os hóspedes, anfitriões e especialistas em privacidade[9].

A instalação de câmeras em imóveis de locação por temporada levanta questões complexas sobre a privacidade dos hóspedes e a segurança da propriedade. A transparência e o consentimento dos locatários devem ser priorizados, sendo fundamental a adesão a padrões éticos e responsáveis no uso de câmeras. Apesar do fortalecimento do diálogo global sobre a privacidade, ainda há muito a ser discutido. Especialmente porque hoje convivemos com câmeras e dispositivos de reconhecimento facial a cada esquina, nem que seja no nosso próprio celular. A vigilância disseminada em espaços públicos e privados tem aparecido como uma forma de controle social, mas é sempre necessário avaliar e ponderar o seu uso em face dos riscos que apresentam à privacidade.


[1] NOSSA. Homem é preso acusado de instalar câmera em banheiro de cruzeiro. Uol. Disponível em: https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2023/05/09/homem-e-preso-acusado-de-instalar-camera-em-banheiro-de-cruzeiro-entenda.htm#:~:text=A%20culpa%20de%20Jeremy%20Froias,antes%20de%20deixar%20o%20banheiro. Acesso em: 18 abr. 2024

[2] G1. Turista descobre câmera escondida em banheiro de cruzeiro de luxo, e polícia acha vídeos de pessoas nuas com suspeito. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/03/07/turista-descobre-camera-escondida-em-banheiro-de-cruzeiro-de-luxo-e-policia-acha-videos-de-pessoas-nuas-com-suspeito.ghtml. Acesso em: 18 abr. 2024.

[3] SALOMÃO, Luis Felipe. TAUK, Caroline Somesom. Aspectos civis e criminais das câmeras nos imóveis em plataformas virtuais. Conjur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jul-30/opiniao-uso-cameras-imoveis-plataformas-virtuais/. Acesso em: 18 abr. 2024.

[4] AIRBNB. Políticas da Comunidade. Disponível em: https://www.airbnb.com.br/help/article/3061. Acesso em: 18 abr. 2024.

[5] YOUTUBE. Airbnb Design Commercial. Saturday Night Live. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=H5E5DkBXyfw&t=20s. Acesso em: 18 abr. 2024.

[6] O GLOBO. Polêmica envolvendo suposta orgia em casa do Airbnb viraliza nas redes sociais. Disponível em: https://oglobo.globo.com/boa-viagem/polemica-envolvendo-suposta-orgia-em-casa-do-airbnb-viraliza-nas-redes-sociais-24970572. Acesso em: 18 abr. 2024.

[7] SALOMÃO, Luis Felipe. TAUK, Caroline Somesom. Aspectos civis e criminais das câmeras nos imóveis em plataformas virtuais. Conjur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jul-30/opiniao-uso-cameras-imoveis-plataformas-virtuais/. Acesso em: 18 abr. 2024.

[8] SALOMÃO, Luis Felipe. TAUK, Caroline Somesom. Aspectos civis e criminais das câmeras nos imóveis em plataformas virtuais. Conjur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jul-30/opiniao-uso-cameras-imoveis-plataformas-virtuais/. Acesso em: 18 abr. 2024.

[9] GIBSON, Kate. Airbnb bans indoor security cameras for all listings on the platform. CBS News. Disponível em: https://www.cbsnews.com/amp/news/airbnb-security-cameras-privacy/. Acesso em: 18 abr. 2024.


REFERÊNCIAS

AIRBNB. Políticas da Comunidade. Disponível em: https://www.airbnb.com.br/help/article/3061.

SOUZA, Carlos Affonso de. Privacidade ou segurança? Airbnb proíbe câmeras e se mete em encruzilhada. UOL. Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/carlos-affonso-de-souza/2024/03/15/privacidade-ou-seguranca-airbnb-proibe-cameras-e-se-mete-em-encruzilhada.htm

NOSSA. Homem é preso acusado de instalar câmera em banheiro de cruzeiro. UOL.Disponível em: https://www.uol.com.br/nossa/noticias/redacao/2023/05/09/homem-e-preso-acusado-de-instalar-camera-em-banheiro-de-cruzeiro-entenda.htm#:~:text=A%20culpa%20de%20Jeremy%20Froias,antes%20de%20deixar%20o%20banheiro.

G1. Turista descobre câmera escondida em banheiro de cruzeiro de luxo, e polícia acha vídeos de pessoas nuas com suspeito. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/03/07/turista-descobre-camera-escondida-em-banheiro-de-cruzeiro-de-luxo-e-policia-acha-videos-de-pessoas-nuas-com-suspeito.ghtml.

YOUTUBE. Airbnb Design Commercial. Saturday Night Live. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=H5E5DkBXyfw&t=20s.

GIBSON, Kate. Airbnb bans indoor security cameras for all listings on the platform. CBS News. Disponível em: https://www.cbsnews.com/amp/news/airbnb-security-cameras-privacy/

SALOMÃO, Luis Felipe. TAUK, Caroline Somesom. Aspectos civis e criminais das câmeras nos imóveis em plataformas virtuais. Conjur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jul-30/opiniao-uso-cameras-imoveis-plataformas-virtuais/


Gabriela Buarque

Advogada. Mestra em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Coordenadora no GT de Inteligência Artificial e Novas Tecnologias no Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN). Secretária-Geral da Comissão de Inovação, Tecnologia e Proteção de Dados da OAB/AL. E-mail: gabrielabuarqueps@gmail.com.


Aprofunde seus conhecimentos:

Conheça a obra “Privacidade e sua Compreensão no Direito Brasileiro“, coordenada por Marcos Ehrhardt Jr. e Fabíola Albuquerque Lobo.

O livro, através da perspectiva de pesquisadores e advogados, contextualiza a aplicação do direito à privacidade a problemas contemporâneos, analisando criticamente doutrina e jurisprudência, propiciando uma reflexão sobre utilização no cenário nacional. Confira o sumário.

Veja a obra aqui.

Deixar uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *