1 Introdução
Como é sabido, um dos entraves ao desenvolvimento do País está nos gargalos da infraestrutura brasileira. De acordo com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP):1 (i) a infraestrutura brasileira não atende às necessidades atuais do País, tampouco fornece as condições necessárias para crescimento; (ii) os investimentos nos últimos anos foram modestos (de apenas 2,2% do PIB) vis-à-vis referências históricas do País e mesmo de outras economias emergentes, como Índia (4,7%) e China (8,5%); (iii) o Brasil deve expandir e acelerar seu programa de investimentos em infraestrutura. Estima-se que, para fechar essas lacunas, exijam-se investimentos de mais de 5% do produto interno bruto (PIB) ou R$240 bilhões ao ano, nos próximos anos; (iv) os desafios para executar um programa de investimentos dessa magnitude são relevantes e estão presentes em todas as fases dos projetos. Para tanto, (i) predica-se a criação de um ambiente regulatório favorável para desenvolvimento de projetos de qualidade; (ii) deve-se promover investimentos privados, incluindo a instituição de marcos regulatórios alinhados com o contexto e a necessidade dos setores; e (iii) necessita-se de um plano integrado e políticas nacionais para desenvolvimento de infraestrutura que, consequentemente, originariam grandes projetos prioritários para fechar as lacunas.
Com vistas a dar conta de tais necessidades, em 15 de agosto de 2012, o governo federal lançou a primeira fase do Programa de Investimentos em Logística (PIL). Por meio do referido programa, pretendia-se contribuir para o desenvolvimento de um sistema de transportes moderno e eficiente, que seria levado a efeito pela celebração de parcerias estratégicas com o setor privado, promovendo-se sinergias entre os modais rodoviário, ferroviário, hidroviário, portuário e aeroportuário. Para o atendimento de tal desiderato, se previu a realização de investimentos na ordem R$133 bilhões, apenas nos modais rodoviário e ferroviário.
Passados cincos anos do lançamento do referido programa, é de se questionar: houve significativa redução dos gargalos da infraestrutura brasileira? A resposta a essa indagação só pode ser negativa. Os fatos retratam essa conclusão.
Vamos a eles: (i) das nove rodovias que seriam delegadas, apenas seis obtiveram sucesso na sua transferência para o setor privado – lembremos, por exemplo, da licitação deserta para a concessão da BR-262/MG/ES, na qual se previu que a obrigação da realização de parte das obras estaria a cargo do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) –; (ii) no setor portuário, o Programa de Arrendamentos Portuários (PAR), em que foram inicialmente mapeadas 159 áreas passíveis de serem arrendadas, ficou suspenso por dois anos, pelo Tribunal de Contas da União, em razão de diversas determinações exaradas pelo Acórdão nº 3.661/2013, relacionadas, em sua maioria, às imperfeições do estudo de viabilidade técnica e econômica (EVTE) e das respectivas modelagens tarifárias; (iii) o setor de ferrovias me parece um retrato do insucesso da primeira fase do PIL. Na ocasião, previu-se a delegação de 11 mil quilômetros de linhas férreas, sendo que, até agora, não foi levada a efeito nenhuma delegação, sobretudo em razão da tentativa de mudança do modelo regulatório da exploração das ferrovias, do vertical para o horizontal (open access).
No setor aeroportuário, a realidade foi um pouco diversa. Isso porque se considerou que as delegações de tais modais foram exitosas, na medida em que as concessões dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos, Brasília, Confins e Galeão importaram no percebimento, pela União, de R$24.535.132 – sendo 5 bilhões a título do pagamento de novas outorgas. Porém, isso não significou estabilidade e segurança jurídica, tanto que, em alguns desses contratos de concessão, o elevado valor de outorga não pôde ser honrado pelos concessionários, em razão da não efetivação da demanda projetada para a infraestrutura aeroportuária – seja em consequência de erros nas projeções dos estudos técnicos que subsidiaram os respectivos instrumentos convocatórios, seja da crise econômica que afetou (e ainda afeta) o País.
Nesse contexto foi editada, em 13 de setembro de 2016, a Lei nº 13.334, que cria o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). O novel diploma institui um novo regime jurídico para os contratos de longo prazo. Tem por desiderato aprimorar aspectos regulatórios exógenos (atinentes ao ambiente institucional) e endógenos (atrelados às modelagens de pactos concessórios) dos projetos de infraestrutura. Tudo com vistas a atrair investimentos privados para tais projetos público-privados.
Nada obstante, o referido normativo foi alvo de críticas e de questionamentos, entre aquelas a de que ele apenas estabeleceu diretrizes programáticas, que nada contribuiriam para a correção dos rumos da delegação de infraestruturas públicas. Assim não me parece. Tenho para mim que o novo regramento, que passa a incidir nos denominados “contratos de parceria”, representa muito mais do que mandamentos programáticos, vazios ou despiciendos. Trata-se de normativo que orientará a elaboração de modelagens contratuais mais adequadas aos contratos de longo prazo.
Nesse quadrante, o objetivo do presente ensaio é demonstrar como as “diretrizes” trazidas pela Lei nº 13.334/2016, na verdade, possuem conteúdo jurídico saliente, que já vem, inclusive, produzindo efeitos. Para esse fim, o artigo versará, preliminarmente, a propósito da incidência do regime jurídico dos contratos de parceria do PPI; posteriormente, serão abordadas as principais consequências da observância das diretrizes trazidas pelo novel diploma aos contratos de longo prazo; por fim, far-se-á comentários sobre o relevante instituto da liberação conjunta, que foi disciplinado, pela nova lei, na qualidade de um importante instrumento para que sejam abreviados os prazos para o início da exploração desses empreendimentos.
Baixe aqui o texto completo de autoria do professor Rafael Véras, da FGV Direito Rio, publicado na edição número 11 da Revista de Contratos Públicos – RCP.
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