Sem mexer em temas polêmicas, uma comissão especial do Senado aprovou nesta terça-feira a proposta de reforma do Código Penal que prevê mais rigor para crimes contra a vida e eleva o tempo máximo na prisão. Conforme o texto, o limite de 30 anos continuaria em vigor no Brasil, mas com a ressalva de que, caso ocorra condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, o preso poderá ficar até 40 anos na cadeia.
O projeto dos senadores deixou de fora sugestões feitas por uma comissão de especialistas, que defendeu mudanças em pontos sensíveis da atual legislação, como a interrupção da gestação até a 12ª semana, quando a mãe “não tiver condições psicológicas ou físicas para a maternidade” e a autorização para plantio de drogas para uso próprio. Para evitar que a proposta não avançasse na Casa e temendo a resistência de grupos religiosos, os parlamentares decidiram não mudar radicalmente as legislações referentes ao aborto e a entorpecentes.
A proposta precisa ainda ser aprovada pelo plenário do Senado — antes disso, pode passar pela comissão de Constituição e Justiça, a depender de avaliação da Mesa Diretora. A previsão é de que a votação do projeto só ocorra em 2014. Se passar, a reforma do Código Penal, que está em vigor há 73 anos, vai para análise da Câmara dos Deputados.
O projeto prevê punições mais rigorosas para crimes como homicídio doloso (quando há intenção de matar) e culposo (quando não há), com aumento de pena e maior tempo para um condenado ter direito à progressão de regime.
— Você não pode entender que um crime contra a pessoa é um crime simples. Temos uma preocupação com o sistema carcerário brasileiro, mas não podemos deixar de fazer leis duras porque o sistema carcerário é ruim — afirmou o presidente da comissão especial, Eunício Oliveira (PMDB-CE).
O texto inclui novos crimes ao código, como caixa 2, enriquecimento ilícito de servidores públicos, terrorismo e maus-tratos a animais.
— O grande debate que deve ser feito, além desses pontos que causam polêmicas, são os avanços para a sociedade brasileira — afirmou o relator da comissão, Pedro Taques (PDT-MT).
Segundo o senador, dos 540 artigos do novo Código Penal, não passam de 10 aqueles que suscitam maiores debates.
— Não é o (projeto) ideal. Existem algumas modificações que ainda precisam e podem ser elaboradas no decorrer dos trabalhos e eu, como relator, não tenho verdade absoluta — destacou.
A comissão incluiu também a corrupção como crime hediondo. Isso significa que os condenados por esse delito vão demorar mais tempo para ter direito a progredir para um regime de cumprimento de pena menos rigoroso. Logo após o início das manifestações de rua de junho, o plenário do Senado aprovou uma proposta com esse teor, que, desde então, está na Câmara.
Confira os detalhes de alguns crimes:
HOMICÍDIOS
A pena mínima para homicídio doloso (quando há intenção de matar) subiu de seis para oito anos de prisão — a máxima permaneceu em 20 anos. A progressão de regime, para quem for condenado por esse tipo de crime, também ficou mais demorada: no caso de um réu primário, a pessoa terá de passar um quarto do período para poder progredir de regime e não mais um sexto, como atualmente vigora.
O homicídio culposo (sem intenção), que tem pena prevista de um a quatro anos de prisão, passaria a ser de dois a seis anos.
CAIXA 2
A comissão incluiu a tipificação do crime de doação eleitoral ilegal, prevista apenas em legislações específicas. A pena é de dois a cinco anos de prisão para quem fizer caixa 2.
ENRIQUECIMENTO ILÍCITO
O colegiado também aprovou a criação do crime de enriquecimento ilícito de servidores públicos, também com pena de dois a cinco anos de prisão mais a possibilidade de perda dos bens obtidos de maneira irregular.
ABORTO
A comissão manteve a previsão do aborto constante do Código Penal de 1940, isto é, que só pode ocorrer caso a gravidez ofereça risco à vida da mãe ou resultar de estupro. O relatório incorporou ao projeto à decisão do Supremo Tribunal Federal de liberar o aborto de fetos anencéfalos. A interrupção da gravidez, que também vale para bebês que tenham anomalia que inviabilize a sobrevivência após o parto, deve ser atestada por dois médicos.
DROGAS
Continua sendo crime fazer uso dessas substâncias, mas não haverá pena de privação de liberdade — mantando as regras atuais. Caberá ao juiz da causa definir se a pessoa que porta a droga é um usuário ou um traficante, como ocorre atualmente.
HOMOFOBIA
A proposta prevê a criminalização da homofobia para quem for condenado por praticar discriminação ou preconceito contra homossexuais. A pena varia de um ano a cinco anos de prisão. O projeto, contudo, colocou uma reserva para não enquadrar como crime a conduta: quem manifestar seu pensamento “de natureza crítica, especialmente a decorrente da liberdade de consciência e de crenças religiosas”. Isso só não vale se ficar demonstrado inequivocamente a intenção de discriminar ou de agir preconceituosamente.
O projeto que trata da homofobia está na Comissão de Direitos Humanos (CDH), mas teve sua votação suspensa na semana passada por um pedido de vista coletivo. A alteração vai retardar a tramitação do código e é tratada nos bastidores pela bancada ligada a temas religiosos na Casa como uma forma de tentar rejeitar, na CCJ, qualquer tentativa de se tornar crime quem discriminar outros por preconceito de “identidade ou orientação sexual”.
Fonte: Zero Hora