Como é de conhecimento convencional, duas são as formas mais tradicionais de estruturação da regulação tarifária de projetos de infraestrutura: a regulação discricionária (discretionary regulation), predominante realizada pela entidade reguladora; e a regulação, por contrato (regulation by contract), estruturada a partir do contrato de concessão. A regulação discricionária (discretionary regulation) tem por desiderato estabelecer uma estrutura de custos para o agente regulado, a ser remunerada por determinada taxa de rentabilidade, ou preços que sejam compatíveis com os custos subjacentes em regime de incentivo à eficiência. Utilizando-se de tal metodologia, pode-se, por exemplo, estabelecer uma remuneração pelos investimentos realizados e/ou previstos (Capital Expenditure – CAPEX) e pelos custos operacionais incorridos e/ou previstos (Operational Expenditure – OPEX). Trata-se de uma modalidade de regulação que tem por objetivo primeiro interditar que o agente monopolista cobre preços supracompetitivos, entre outros comportamentos associados a falhas de mercado, por intermédio da emulação de um mercado competitivo (Competition in the Market)[1].
A regulação por contrato (Regulation by Contract)[2], por sua vez, tem lugar pelo estabelecimento, ex ante, após a realização do leilão, dos custos que serão incorridos pela firma. Em resumo, essa modalidade de regulação contratual estabelece, desde a modelagem inicial, uma variação do preço obtido no âmbito do procedimento licitatório: (i) pelo reajuste anual; (ii) pelo estabelecimento de uma adequada matriz de riscos contratuais; (iii) pelo estabelecimento de níveis qualitativos de serviços; (iv) pela previsão de obrigações de investimentos, dentre outros arranjos contratuais[3]. Por meio dessa modalidade, se estabelece que a formação do “preço” se dará pela exploração do monopólio natural, diante da competição pelo mercado (Competition for the Market)[4].
Tais modelos não se apresentam como modelos estanques e excludentes. De fato, na prática, os projetos de infraestrutura são modelados com características de cada qual, a depender das especificidades econômico-financeiras do ativo licitado. Assim, por exemplo, em setores nos quais há entidades reguladoras dotadas de destacada capacidade institucional, a incidência de um modelo de regulação discricionária poderá reduzir os custos de transação do projeto, considerando a redução da assimetria de informações entre o regulador e o projeto. De outro lado, em setores nos quais as entidades reguladoras são dotadas de baixa capacidade institucional, ou são capturadas pela indústria (ou pela própria burocracia estatal), a regulação contratual pode fazer com que o projeto experimente maiores níveis de eficiência alocativa. Em resumo, há um trade-off entre delinear os quadrantes da regulação tarifária no instrumento contratual (o que reduz sensivelmente a flexibilidade de um contrato incompleto) ou deixar a aferição das informações, que lastreiam o equilíbrio econômico-financeiro das concessões, nas mãos do regulador. Eis um primeiro ponto que tende a ser considerado.
Mas não é só. Sob o aspecto jurídico, a escolha de tal ou qual modelo regulatório é resultado de hibridismos de modelos importados de outros países. É que o regime jurídico do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de Concessão, no direito brasileiro, oscilou entre a concepção francesa de equilíbrio econômico-financeiro, e a norte-americana, que lastreou a regulação das public utilities. Diante de tal hibridismo, as modelagens licitadas são, por influência da Europa Continental, licitadas e contratualizas, mas, de outro lado, sofrem, durante a sua vigência, os influxos de uma regulação setorial.
Isso faz com que sejam muitas vezes previstas revisões ordinárias pro forma, na qual não são aferidos os custos despendidos pelo operador privado, como se passa no setor portuário. Ou que cause espécie a fixação de uma tarifa teto (price cap) no Leilão, com base na qual será formada a proposta comercial apresentada pela licitante, mas, na verdade, a Taxa de Desconto, por meio da qual será calculado o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato será fixada, a posteriori, pelo regulador setorial (como se passa no setor de aeroportos e ferrovias). Temos, por assim dizer, um modelo de regulação econômica tarifária à brasileira.
Diante de tais inconsistência econômicas e jurídicas, temos para nós que, no atual quadrante dos projetos de infraestrutura brasileiros, a afirmação segundo a qual um projeto de infraestrutura adota um modelo de regulação discricionária (discretionary regulation) ou de regulação por contrato (regulation by contract) é mais uma afirmação de pompa e circunstância do que uma consequência que possa ser extraída da regulação tarifária que foi endereçada no projeto. Ou que tenha fundamento, no direito brasileiro, já que a Lei n°8.987/1995 é absolutamente vaga sobre o tema.
Diante do que a presente reflexão caminha no sentido de que a regulação tarifária de cada projeto, ao invés de adotar preconcepções econômicas ou jurídicas, na verdade, deverá ser customizada considerando aspectos concretos, tais como um desenho de mecanismo[5], que considere, dentre outros aspectos: (i) a capacidade institucional e a neutralidade da agência regulatória setorial, tomadas prospectivamente em termos da robustez de seu desenho frente às pressões esperadas nos ciclos políticos do horizonte relevante, um tópico que, na prática, é capturado pela reputação do regulador; (ii) um modelo de remuneração para o concessionário que seja compatível com as expectativas e obrigações de investimento e de desempenho veiculadas no instrumento contratual, bem como com os percentuais esperados de recursos próprios e de terceiros, que serão aportados para financiar a exploração do ativo; (iii) um procedimento dialogado de reequilíbrio econômico-financeiro, em que o poder concedente e o concessionário tenham incentivos para cooperar, notadamente em situações de incerteza (não precificadas na estruturação do projeto); (iv) uma repartição de riscos não exaustiva, que preveja aberturas para flexibilidade; (v) um regime dotado de previsibilidade a propósito da taxa desconto, a ser aplicada, para fins de reequilíbrio, bem como parâmetros de revelação de informações e critério objetivos de interseção entre o Fluxo de Caixa Originário (e o Plano de Negócios) e o Fluxo de Caixa Marginal, quando utilizados; (vi) a caracterização detalhada do evento desequilibrante, dando pouca margem para disputas da “Hermenêutica do equilíbrio econômico-financeiro”.
Rafael Véras é doutorando e mestre
em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio.
Frederico Turolla doutor e mestre
em Economia de Empresas pela FGV – SP.
Notas:
[1]O principal risco da regulação discricionária é a captura dos reguladores e as condutas oportunistas dos agentes regulados. (GOMEZ-IBANEZ, Jose. Regulating infrastructure: monopoly, contracts and discretion. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2003.
[2] BAKOVIC, Tonci; TENENBAUM, Bernard e WOOLF, Fiona (2003). Regulation by Contract: a new way to privatize electricity distribution? Washington, DC: The World Bank (World Bank Working Paper, n. 14 – Energy and Mining Sector Board Discussion).
[3]GOMEZ-IBANEZ, Jose. Regulating infrastructure: monopoly, contracts and discretion. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2003.
[4]CAMACHO, Fernando Tavares; RODRIGUES, Bruno da Costa Lucas. Regulação econômica de infraestrutura: como escolher o modelo mais adequado? Revista do BNDES, n. 41, jun. 2014.
[5] Sobre o tema, V. Wilson, R. (1977) A Bidding Model of Perfect Competition. The Review of Economic Studies, 44(3), 511-518. Wilson, R. (1992) Strategic analysis of auctions. Handbook of Game Theory with Economic Applications, 1, 227-279.
Confira também alguns títulos sobre “Direito da Infraestrutura” na loja da Editora FÓRUM:
REVISTA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA – RBINF
REVISTA DE DIREITO PÚBLICO DA ECONOMIA – RDPE
DIREITO DA INFRAESTRUTURA: ESTUDOS DE TEMAS RELEVANTES