Indubitavelmente, a liberdade é um dos valores mais importantes para o direito. Significa a possibilidade de o indivíduo optar entre as alternativas possíveis e manifestar-se, fazendo ou deixando de fazer alguma coisa. Está consubstanciada no livre arbítrio, no agir conforme sua vontade. No campo jurídico, a liberdade representa o poder de produzir efeitos no campo do direito e no poder de praticar atos salvaguardados num conjunto de garantias que protegem a pessoa na sua atividade privada. A vontade dos contratantes adentra o mundo jurídico, irradiando os efeitos que lhe são próprios.
Essa liberdade abarca diversas facetas do desenvolvimento humano e, em particular, o aprimoramento tecnológico, em especial nas últimas décadas, forneceu um novo panorama para o desenrolar da liberdade contratual. O caráter global e quase onipresente da internet tem contribuído para o surgimento de uma nova forma de contratação que, realizada no meio virtual conduz a declarações de vontade que não se coadunam com as tradicionais condutas que se perfazem entre pessoas presentes. Nesse prisma, desponta o comércio eletrônico como uma das atividades de maior relevância econômica com o advento da internet. Hoje, inúmeros acordos são formalizados por meio de contratações à distância, conduzidas por meios eletrônicos e sem a presença física simultânea dos contratantes no mesmo local.
A disseminação, em escala mundial, de informações e de imagens mediante a utilização das mídias digitais e o exponencial desenvolvimento dos meios informáticos vêm fomentando o trabalho de pesquisadores para entender o alcance do fenômeno. O advento da internet, em especial, tem provocado mudanças no desenvolvimento das relações humanas e o direito, reflexo que é da sociedade, vem sofrendo o influxo dessas transformações, o que impõe enormes desafios aos juristas, legisladores e aplicadores. Sobre o processo de globalização e o surgimento da internet.
Na formação dessa nova cultura, a internet é um elemento imprescindível, pois permite a experimentação de um tipo de comunicação global, que vem se consolidando como uma estrutura básica mundial. Já há algum tempo, o espaço virtual não se limita às fronteiras do computador, já que dispositivos móveis utilizam tecnologia multimídia, trazem a nota distintiva da portabilidade e estão onipresentes, conectando pessoas nos mais diversos pontos do planeta. Novos aparelhos são lançados com uma periodicidade avassaladora, tornando os modelos anteriores rapidamente defasados e gerando a ânsia, nos consumidores, de apresentar, nos círculos sociais, o último exemplar de dispositivo móvel. É o apelo ao consumismo descomedido, traço indelével da sociedade da informação.
No mesmo passo, cresceram as extrapolações à liberdade de expressar-se na rede, a disseminação de perfis falsos, de notícias que não correspondem à realidade e de crimes cibernéticos. Com o surgimento de novas ferramentas de interação social, os indivíduos têm diante de si uma página em branco na qual podem emitir sua opinião acerca de qualquer assunto, sem levar em conta os aspectos atinentes à esfera individual dos outros. Plataformas como o Instagram, Facebook, Twitter, Reddit, LinkedIn, Tik Tok, Pinterest, Snapchat, por exemplo, dão voz àqueles que se encontram limitados no mundo real a expressar suas opiniões.
Se, por um lado, essa possibilidade de expressar opiniões confere um viés democrático às redes sociais, essa democratização deve estar indissoluvelmente atrelada à liberdade de expressão inscrita no inciso IX do art. 5º da Constituição Federal, que reza que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. A liberdade de expressão e de manifestação do pensamento não pode sofrer limitação prévia, não obstante a inviolabilidade prevista no inciso X (“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”) traçar as balizas tanto para a liberdade de expressão do pensamento como para o direito à informação, vedando-se a violação da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas.
O texto constitucional repele peremptoriamente a possibilidade de censura prévia, não significando, contudo, que a liberdade de expressão é absoluta e que não encontra restrições nos demais direitos fundamentais, uma vez que a responsabilização do autor pelas informações injuriosas, mentirosas ou difamatórias será cabível, inclusive com a possibilidade de condenação ao pagamento de danos materiais e/ou morais. A proibição de censura prévia conjuga, a um só tempo, a garantia à liberdade de expressão e a limitação ao controle estatal preventivo, não impedindo, contudo, a posterior responsabilização em virtude do abuso no exercício desse direito.
São inúmeros os desafios frente a uma economia globalizada que não tem mais fronteiras rígidas e que estimula a livre iniciativa e a livre concorrência, tornando-se imprescindível que as leis que protegem o internauta ganhem maior relevo em sua exegese, na incessante busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, mormente quando se tem em conta a complexidade, o imediatismo e a interatividade da sociedade atual. Alie-se a isso o fato de a vida econômica e social não poder desenvolver-se sem que haja o mínimo de segurança jurídica do contrato: sem ela, as garantias de tutela do ato jurídico perfeito e do direito adquirido tornar-se-iam meramente retóricas, despindo-se de sua finalidade estabilizadora e construtiva no relacionamento jurídico. Nesse contexto, surge a questão da responsabilidade civil na internet, foco de grandes debates na doutrina e na jurisprudência, em especial por tratar-se de fenômeno relativamente recente que requer uma novel forma de estudo do fenômeno. Sob essa ótica, a questão da responsabilidade civil na internet demanda uma visão prospectiva, sem que se olvidem suas raízes já bem sedimentadas no ordenamento jurídico nacional.
No caso de danos aos usuários causados por prática de atos ilícitos na rede de computadores, tem-se que o ponto fulcral desse tipo de conduta é a existência de um autor que veicula, por meio digital, informação de conteúdo lesivo. O primeiro problema a ser enfrentado diz respeito à determinação da licitude ou não dessa informação, averiguando-se se se trata de um exercício do direito de liberdade de expressão de um indivíduo. Tomando-se como ponto de partida o fato de que as mensagens informativas virtuais carregam em si a marca do exercício dessa liberdade, não há que se olvidar que o direito protege outros bens jurídicos e, por isso, aquela liberdade pode vir a ser restringida por meio de um juízo de ponderação, sopesando valores que com ela possam vir a colidir. É de se ressaltar que o bem jurídico protegido em uma sociedade imbuída dos valores democráticos é a livre circulação de ideias e de informações.
De fato, a liberdade de expressão, direito protegido constitucionalmente, encontra limite na proteção da privacidade do sujeito afetado e, por conseguinte, a qualificação da responsabilidade civil dependerá da ponderação de ambos os direitos à luz do caso concreto. A mensagem digital está, assim, inserida no contexto de duas normas que a albergam: a que protege a livre manifestação do pensamento, de um lado, e, de outro, a que tutela a vida privada de um indivíduo. Além disso, deve-se levar em conta que a informação, tomada em si mesma, é um bem público, consubstanciando a necessidade de sua proteção por constituir-se em interesse difuso de todos os cidadãos, o que faz exsurgir a premência da tutela da transparência da informação e da veiculação de ações visando à decretação de inconstitucionalidade dos atos que a restrinjam a ponto de perder o objetivo para o qual foi veiculada. Em todo caso, a lesão aos limites estabelecidos normativamente à livre expressão do pensamento constituirá ineludivelmente ato antijurídico a reclamar o instituto da responsabilidade civil, que proverá a tutela específica contra a divulgação de conteúdo ilícito na internet, seja ela a ação reparatória ou a inibitória.
A liberdade de expressão, prevista constitucionalmente, mostra-se fundamental para a evolução da sociedade, pois todo cidadão que tem voz é capaz de veicular suas ideias e pensamentos e atingir um número incontável de pessoas. Mas, nesse contexto, é possível colocar limites à liberdade de expressão? Tem-se observado com frequência, que muitos usuários das redes sociais a utilizam para promover ofensas, propagar notícias e acontecimentos falsos ou até mesmo praticar bullying. Assim, a liberdade de expressão que é inerente às redes sociais está limitada pelo princípio constitucional de proteção à honra e à imagem, cuja violação pode acarretar a possibilidade de reparação via danos morais e materiais. Assim, em síntese, é possível afirmar que as ofensas propagadas por meio das redes sociais podem dar ensejo a ações judiciais por meio das quais o ofendido buscará não somente a exclusão do conteúdo ofensivo, mas também a indenização por tais ofensas. Então, se, de um lado as redes sociais democratizaram a exposição de opiniões, de outro, permitiram que pessoas mal-intencionadas pudessem encontrar refúgio no pretenso anonimato por elas proporcionado para propagar suas ofensas.
Como pensar em um regime de responsabilização concernente a postagens ofensivas, agressivas ou desrespeitosas? Além do agente ofensor, caberia responsabilização dos provedores que fornecem serviços de intermediação no âmbito da internet? Há que se recordar que as plataformas digitais operam por meio de conteúdos gerados por terceiros e eventual responsabilização poderia via a afetar diretamente a liberdade de expressão, pois os mecanismos regulatórios podem ensejar a remoção de conteúdo veiculado na internet. Garante-se, de um lado, a liberdade de expressão dos usuários e, de outro, a não ofensa aos direitos da personalidade dos demais usuários.
Como a forma de apresentação dos dados de uma página na internet concretiza-se por meio de produtos fragmentados em módulos, há um fracionamento objetivo e subjetivo da responsabilidade. Há, portanto, uma multiplicidade de sujeitos, cada qual ancorado em atuações distintas que reclamam tratamento diferenciado. Existem aqueles que provêm acesso à rede, outros são os titulares das páginas e há os que fornecem os conteúdos a serem exibidos. É o caso da responsabilidade contratual matizada pelo fato de haver uma pluralidade de sujeitos unidos por contratos conexos e que atuam em rede, cabendo distinguir as várias hipóteses de modo a não imputar responsabilidade a uma parte por ato praticado pela outra.
No caso de um contrato formalizado por meio da internet no qual o contratado se obriga a realizar uma prestação executada por diversos intermediários, aquele responde pelos demais que o auxiliaram no cumprimento da obrigação. Se, em outra hipótese, acessa-se uma página para pactuar-se um serviço a ser realizado por vários contratados, há uma pluralidade de sujeitos passivamente obrigados, que respondem, paritariamente, por eventuais danos, seja individualmente, seja solidariamente.
No entanto, se o sujeito acessa uma página e celebra contratos com várias pessoas, dando causa a obrigações diversas, tem-se que, como a página representa um produto fragmentado, cada obrigado não responde solidariamente pelas obrigações contraídas pelos outros sujeitos nos outros contratos. Não há, no caso, pluralidade subjetiva passiva, mas uma plêiade de vínculos convencionais com causas e sujeitos diferentes, cada qual com sua responsabilidade própria, cabendo, apenas, analisar se cabe imputar a algum partícipe o descumprimento contratual de outro.
São questões candentes, cujo aprofundamento, permita-me, caro leitor, remeter ao meu artigo Liberdade de Expressão nas Redes Sociais e Responsabilização dos Provedores publicado no livro Liberdade de Expressão e Relações Privadas.
Geraldo Frazão de Aquino Júnior é doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Graduado e Mestre em Direito e em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Membro do Conrep e do IBDCIVIL.
Ivan Andrade Santana disse:
Excelente reflexão à cerca de um tema tão atual, importante e que, verdadeiramente, “impõe enormes desafios aos juristas, legisladores e aplicadores” do direito.