O texto a seguir é um breve relato do artigo que escrevi para o livro “Liberdade de expressão e as relações privadas”, Editora Fórum/2021, coordenado pelos professores Marcos Ehrhardt Júnior, Gustavo Andrade e Fabiola Albuquerque Lôbo.
O meu artigo trata da liberdade de expressão dos servidores públicos e da responsabilidade civil por danos a terceiros e à Administração Pública, que considero um tema extremamente relevante para o momento atual, de crise sanitária e de sérias conturbações políticas, em que as manifestações dos servidores e das autoridades públicas podem induzir o comportamento dos particulares e, sobretudo, podem causar danos aos particulares e à própria Administração Pública.
Tanto quanto possível, procurei atribuir tratamento jurídico ao tema e tentei me manter afastado das minhas paixões e preferências político-partidárias. A preocupação primordial do estudo é identificar as consequências jurídicas das manifestações dos agentes públicos, a ver se configuram hipótese de responsabilidade civil por danos.
A primeira parte do estudo apresenta os contornos da liberdade de expressão, sua inerência à pessoa humana e aos direitos da personalidade, bem como sua relevância para a constituição e manutenção do Estado Democrático de Direito. Sem prejuízo para a proeminência desse direito, a liberdade de expressão deve ser exercida em consonância com igual liberdade concedida a todas as pessoas, razão pela qual encontra limite no respeito aos direitos da personalidade das outras pessoas e na observância aos princípios sociais, constitucionais e convencionais que regem a vida em sociedade. Concretamente, a liberdade de expressão encontra limite no direito de danos, uma vez que as pessoas, individual ou coletivamente consideradas, não estão obrigadas a suportar danos injustos decorrentes de condutas ou de atividades alheias, ainda que se trate de condutas ou atividades lícitas.
Em sua parte nuclear, o artigo trata da liberdade de expressão dos servidores públicos, os quais, como todas as demais pessoas, são titulares dos direitos e garantias individuais previstos na Constituição, que inclui a liberdade de expressão. No entanto, essa liberdade atende a limites mais estritos, impostos pela própria legislação, tendo em conta que as manifestações dos servidores públicos podem comprometer a idoneidade dos órgãos ou instituições a que estão vinculados. Essa circunstância é mais acentuada quando se trata de agentes políticos e ocupantes de cargos mais elevados da Administração Pública, cujas manifestações desfrutam de maior credibilidade, de autoridade e de representatividade.
Na última parte, o artigo trata dos danos e da responsabilidade que podem resultar das manifestações dos servidores públicos. Aqui sobressai um verdadeiro paradoxo que obriga o legislador ao exercício da ponderação entre a liberdade de expressão, que é uma garantia constitucional assegurada a todas as pessoas, e a necessidade de restringir essa garantia em relação aos detentores de cargos públicos.
De acordo com a legislação em vigor, os servidores públicos em geral não devem se manifestar sobre assuntos relacionados com as atribuições de seus cargos e com as atividades dos órgãos e instituições a que pertencem, mas podem se manifestar livremente sobre fatos da vida política e social, o que só pode ser entendido como posicionamentos pessoais. Quanto aos servidores que ocupam cargos mais elevados, é preciso guardar dever de reserva, pois suas manifestações, mesmo aquelas de caráter pessoal, podem ser entendidas como representativas dos órgãos e instituições a que pertencem, a depender da forma e das condições em que são prestadas.
O texto apresenta extenso rol de referências bibliográficas relacionadas aos fundamentos da liberdade de expressão e da responsabilidade civil do Estado, bem como é permeado por exemplos extraídos do noticiário a respeito de manifestações inoportunas e inadequadas de agentes públicos, principalmente no que diz respeito ao enfrentamento da pandemia da Covid-19.
Fato é que as manifestações dos agentes públicos, de um modo geral e não apenas no âmbito da pandemia, podem causar danos aos particulares e à própria Administração Pública, ensejando a incidência da responsabilidade civil, sem prejuízo da responsabilidade penal e administrativo-disciplinar, a depender do caso. No caso da responsabilidade civil, incide a regra do art. 37º, § 6º, da Constituição, modulada pelo Tema 940 de Repercussão Geral, cabendo ao poder público reparar o dano causado por seus agentes aos particulares e mover ação de regresso contra o agente causador direto do dano, mediante comprovação de culpa ou dolo.[1]
No artigo, foi apresentado um breve relato da evolução da responsabilidade civil do Estado no direito positivo brasileiro, bem como o seu conceito doutrinário e os seus pressupostos, destacando o dano como elemento que desencadeia os deveres de responsabilidade civil.
Além dessa parte dogmática, o artigo enfrenta outros aspectos interessantes da responsabilidade civil por danos decorrentes das manifestações dos servidores públicos. Um deles é a possibilidade de restrição legal à essas manifestações, tendo em vista a garantia constitucional da liberdade de expressão assegurada a todas as pessoas indistintamente. Outra questão importante é saber se a vítima pode mover ação de reparação de danos diretamente contra o servidor público, bem como se pode incluí-lo no polo passivo da ação em conjunto com a Administração Pública. Outra questão palpitante é se a pessoa jurídica de direito público pode ser vítima de danos extrapatrimoniais.
Todas essas questões podem ser melhor compreendidas e aprofundadas com a leitura do texto integral do artigo “Liberdade de expressão dos servidores públicos: responsabilidade civil por danos a terceiros e à administração pública”, que compõe o Capítulo VIII do livro “Liberdade de expressão e as relações privadas”, na parte que trata das intersecções da liberdade de expressão com o direito público.
Boa leitura!
Romualdo Baptista dos Santos
é mestre e doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo – USP,
especialista em Direito Contratual e Direito de Danos (Contratos y Daños)
pela Universidade de Salamanca – USAL, professor convidado em cursos de graduação e pós-graduação em Direito, autor e coautor de várias obras e artigos jurídicos.
Procurador do Estado de São Paulo aposentado. Advogado.
Nota
[1] Tese fixada: “A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
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