A Lei da Alienação Parental (Lei nº 12.318/10) e sua (in)constitucionalidade | Coluna Direito Civil

29 de junho de 2021

A partir da Constituição Federal de 1988, o legislador se preocupou com o aspecto da vulnerabilidade das crianças e adolescentes, recebendo proteção integral e prioridade absoluta.

Nas relações parentais, os filhos menores de idade são vulneráveis e dois princípios devem nortear estas relações: o do melhor interesse da criança e adolescente e o da paternidade responsável, que estão interligados com o exercício da autoridade parental.

Quando há o rompimento do vínculo conjugal ou convivencial entre os pais, geralmente o tema que vem à tona é a prática da alienação parental.

Para tanto, é preciso reafirmar que alienação parental é um fenômeno social antigo, embora tenha sido identificada academicamente em 1985 pelo Professor de Psiquiatria Richard Gardner, nos EUA, que definiu com um processo que consiste em programar uma criança para odiar um dos pais sem justificativa.

Alienação parental é uma forma de abuso moral que, além de ferir direitos, põe em risco a saúde psicológica da criança e do adolescente. Configurada a alienação, o Estado tem o dever de intervir valendo-se de medidas cabíveis para tutelar os direitos da criança e do adolescente.

Neste sentido, em 2010, a Lei nº 12.318 é publicada com o escopo de coibir a violação do direito de convivência entre pais e filhos, consubstanciando-se em um mecanismo apto a estimular o exercício da autoridade parental e combater os abusos no exercício da guarda mediante a prática de atos que configuram alienação parental.

A lei, no seu art. 2º, conceitua alienação parental como “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.

Sem dúvidas, a lei é uma importante e recente conquista do Direito das Famílias, porque nomeou e demarcou um conceito para um velho problema.

Desta forma, há uma década, a lei busca garantir equilíbrio entre pais e filhos no exercício da autoridade parental e no convívio familiar, afastando conflitos que venham repercutir na formação dos filhos menores de idade. Entretanto, sua aplicação vem sendo questionada.

Há um movimento formado por “coletivos” que pede modificações na norma ou até mesmo sua revogação, dentre eles: Proteção à infância; Voz materna; Mães na Luta; Vozes de Anjo; CLADEM Brasil, em 29 de novembro de 2019, foi ajuizada no STF a ADI 6273 pela Associação de Advogadas pela Igualdade de Gênero – AAIG, objetivando impugnar, como questão de mérito, a integralidade da LAP sob o argumento de incompatibilidade sistêmica com os seguintes dispositivos constitucionais, postulando sua retirada do ordenamento jurídico: arts. 3º, IV; 5º, I; 226, §8º e 227, caput[1].

Sustenta-se que o conceito de alienação parental tem servido como estratégia de defesa de agressores de mulheres e abusadores sexuais de crianças como uma explicação plausível para a rejeição das crianças em relação a um dos genitores ou para desqualificar ou desacreditar alegações de violências ou abuso sexual, deslocando a culpa para o genitor guardião, geralmente mães que agem com o escopo de proteger os filhos.

Entende que a lei não opera no melhor interesse das crianças e adolescentes; pelo contrário, intensifica o sentimento de disputa, de conflito e polarização entre os pais.

Assim, a situação delineada pela Associação é que as mães registram a violência sexual sofrida pelos filhos são etiquetadas como alienadoras.

Está-se diante de alegações recíprocas: acusação feita pelas mães de abuso sexual praticado pelo pai em detrimento da alegação de alienação parental praticada pela mãe como argumento de defesa dos supostos abusadores (pais).

Dois julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul podem ilustrar esta situação:

  1. “Não havendo bom relacionamento entre os genitores e havendo acusações recíprocas de abuso sexual do pai em relação à filha e de alienação parental pela mãe, e havendo mera suspeita ainda não confirmada de tais fatos, mostra-se drástica demais a abrupta suspensão do direito de visitas. Os fatos, porém, reclamam cautela e, mais do que o direito dos genitores, há que se preservar o direito e o interesse da criança. Fica mantida a visitação, que deverá ser assistida pela avó paterna em período mais reduzido, devendo tanto a criança como ambos os genitores serem submetidos a cuidadosa avaliação psiquiátrica e psicológica.[2]
  2. “A criança está vitimizada, no centro de um conflito insano, onde a mãe acusa o pai de abuso sexual e este acusa a mãe de promover alienação parental. As visitas estão estabelecidas e ficam mantidas pelo prazo e 90 dias, mas sem a necessidade de supervisão, pois a acusação de abuso sexual não encontra respaldo na prova coligida[3]”.

No STJ, para decisão de qualquer situação que implique supressão dos direitos fundamentais, é importante que haja robusta prova. Neste sentido, o Poder Judiciário não tem suspendido as visitas – como era prática costumeira – mas determinado que a convivência seja supervisionada por algum familiar: “Não havendo bom relacionamento entre os genitores e havendo acusações recíprocas de abuso sexual do pai em relação à filha e de alienação parental e implantação de falsas memórias pela mãe, e havendo mera suspeita ainda não confirmada de tais fatos, mostra-se drástica demais a abrupta suspensão do direito de visitas”[4].

Logo, deve haver cautela por parte do magistrado, com o apoio da equipe multiprofissional, para proteger a criança e o adolescente da possível alienação parental e o rompimento da relação entre ela e o pai alienado, ou possibilita tomada de medidas legais para coibir abusos sexuais verdadeiros (situação em que o pai abusador visa ter seus atos acobertados por alegações falsas da ocorrência da alienação parental por parte da mãe).

Dias alerta que ante a gravidade da denúncia de abuso sexual e a alegação da ocorrência de alienação parental, é necessário que o juiz atue com prudência, devendo observar as peculiaridades do caso concreto e analisar se há vestígios de alienação parental ou não, distinguindo-se os intentos vingativos do suposto alienador de um sentimento de desespero do genitor, que visa à proteção da integridade física e psicológica da criança ou adolescente[5].

Retornando aos argumentos da associação autora, sustenta, ainda, que a tese da alienação parental se banalizou e vem sendo utilizada para enquadrar todo tipo de divergência em disputas judiciais de divórcio, guarda, regulamentação de convivência, investigações e processos que envolvem abuso sexual. E por fim, argui a discriminação de gênero contra as mulheres em descompasso com o art. 5º, I, CF/88, cuja LAP vem incrementando a desigualdade de gênero ao afetar a vida de mulheres-mães, impedindo-as de conviver com os próprios filhos, violando os direitos fundamentais de titularidade das mulheres.

O IBDFAM ingressou como Amicus curiae, e sustentou a compatibilidade sistêmica da LAP com a CF/88, haja vista a referida lei apresentar congruência com os valores constitucionais, sobretudo pelos princípios – do melhor interesse da criança e do adolescente, absoluta prioridade, convivência familiar, dignidade da pessoa humana e paternidade responsável.

O Procurador-geral da República suscitou duas questões de ordem formal: a ilegitimidade ativa da entidade decorrente da heterogeneidade da associação civil e a ausência de pertinência temática entre o objetivo institucional da autora, que se volta à promoção da igualdade de gênero, e as normas previstas na LAP, que veiculam conteúdo relativo à proteção da criança e do adolescente.

Atualmente, os autos se encontram conclusos para a Ministra relatora diante do pedido de Amicus curiae da ADFAS.

Neste cenário, questionamos se os parâmetros e diretrizes que envolvem os casos de alienação parental e as medidas previstas na legislação têm o condão de cessar as condutas do alienante e restabelecer a convivência familiar entre pais e filhos, ou se, por outro lado, essas intervenções judiciais somente promoveriam um acirramento ainda maior no conflito, já vivenciado entre os pais, em detrimento da garantia dos direitos fundamentais da criança e do adolescente.

A lei, sem sombra de dúvidas, dispõe sobre ferramentas concretas de defesa da integridade psicológica e da convivência familiar ampla dos filhos com os pais em um tratamento de isonomia, assegurando o melhor interesse, a dignidade das crianças e adolescentes, bem como a paternidade responsável, princípios elencados na CF/88, que são, efetivamente, os objetivos da lei.

Os fundamentos da referida ação, que questiona a aplicação da lei, dizem respeito ao conflito de gênero. Logo, entendemos pela sua constitucionalidade, que tem no seu escopo mecanismos de combate à grave violação ao direito fundamental da criança ou adolescente à convivência familiar e ao abuso no exercício da autoridade parental.

 

Karina Barbosa Franco
é mestre em Direito e especialista em Ciências Criminais
pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Advogada em Direito das Famílias. Professora universitária.
Coordenadora de cursos de pós-graduação. Membro do IBDFAM e do IBDCivil.
Pesquisadora dos Grupos de Pesquisa em
Direito Civil – Constitucionalização das Relações Privadas (Conrep/UFPE)
e em Direito Privado e Contemporaneidade/UFAL.
Autora de artigos científicos

 

Referências
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 12 ed. São Paulo: RT, 2017.
Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 70050448828, Sétima Câmara Cível, Relator Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 24/10/12.
Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 70053490074, Sétima Câmara Cível, Relator Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 24/04/13.
Supremo Tribunal Federal. ADI 6273. Min. Relatora Rosa Weber. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5823813>
Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 249.833, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 03/08/12.
Notas
[1] Supremo Tribunal Federal. ADI 6273. Min. Relatora Rosa Weber. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5823813>
[2] Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 70050448828, Sétima Câmara Cível, Relator Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 24/10/12.
[3] Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 70053490074, Sétima Câmara Cível, Relator Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 24/04/13.
[4]Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 249.833, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 03/08/12.
[5] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 12 ed. São Paulo: RT, 2017.

Leia o lançamento mais recente da autora sobre Direito da Família: Multiparentalidade

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