- 1 Na sua visão houve mudanças significativas nas estatais após a aplicação da Lei?
- 2 Quais são as principais dificuldades que as estatais encontram para implementação das exigências previstas na norma?
- 3 Quais são as orientações/dicas para os profissionais e gestores públicos das estatais para cumprirem as determinações da lei?
- 4 Livros sobre Lei das Estatais com descontos
Sancionada em 30 de junho de 2016, a Lei nº 13.303, Lei das Estatais, completa hoje 4 anos, sendo que os dois primeiros foram de adaptação à norma que passou a ser cobrada a partir de 2018. Entre as principais exigências estão a incorporação de regras de governança corporativa, normas para divulgação de informações, práticas de gestão de risco, códigos de conduta, formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade, constituição e funcionamento dos conselhos, assim como requisitos mínimos para nomeação de dirigentes. Outro ponto de atenção da nova legislação são as normas de licitações e contratos específicas para as empresas estatais.
Em entrevista para a FÓRUM, o secretário de Controle Externo do Sistema Financeiro Nacional do Tribunal de Contas da União, Rafael Jardim, autor de livros na casa, entre eles, “Empresas Estatais – Governança, Compliance, Integridade e Contratações”, analisa os principais impactos da lei nas empresas públicas nestes 4 anos, cita as dificuldades para implementação das normas e ainda orienta os administradores.
Confira a entrevista abaixo:
Na sua visão houve mudanças significativas nas estatais após a aplicação da Lei?
Não tenho dúvidas de que houve avanços significativos.
Com relação à governança, vejo os órgãos corporativos funcionando com muito mais altivez e independência. Cito, em exemplo, a atuação desenvolta dos comitês de elegibilidade, no resguardo da investidura de administradores com capacidade e idoneidade. Enumero, também, a criação e a profissionalização dos setores de compliance e riscos corporativos; isso é muito nítido. Também percebo, principalmente nas estatais maiores que tenho oportunidade de acompanhar, uma atuação mais presente dos conselhos de administração, atuando tanto com mais consciência no seu dever fiscalizador da diretoria, quanto (sem proselitismo) em verdadeiro resguardo estratégico e defesa do interesse social das empresas. Muito disso é fruto dos próprios critérios de investidura, muito mais profissionais.
Na seara licitatória, apesar do vagar na utilização das mil e uma possibilidades de inovação propiciadas pelo novo diploma, as companhias têm paulatinamente explorado novos institutos, como a contratação integrada, a contratação semi-integrada, a pré-qualificação e a contratação simultânea, somente para dar alguns exemplos.
Tenho observado, ainda, principalmente nas estatais do ramo financeiro, um uso mais frequente das possibilidades do art. 28, §3º, inciso II, na constituição de parcerias estratégicas e associações corporativas em conjunto com demais agentes de mercado. Interpreto que as empresas estão de fato procurando inovar e agregar valor ao negócio, explorando outros nichos da atividade econômica para o qual foram criadas.
Em resumo, avalio que a Lei das Estatais não se constituiu unicamente como um marco normativo burocrático, a estabelecer controles, regras e novos valores. Ela, sim, é isso tudo; mas vejo como o grande mérito do diploma seja ter trazido à tona uma rediscussão do papel das estatais; sobre a sua forma de organização; sobre o dever de eficiência em prestar serviços públicos ou explorar a atividade econômica. Considero que a “agora nem tão nova Lei das Estatais” tenha de fato iniciado uma reavaliação cultural de todo um setor.
Quais são as principais dificuldades que as estatais encontram para implementação das exigências previstas na norma?
A plena vivência corporativa de uma S.A., assumindo o governo não como dono – no sentido patrimonialista do termo – ainda é um desafio. Existe um dilema acerca do bom entendimento de a União (ou o Estado, ou o Município) não ter o poder hierárquico imediato nas companhias. Não obstante serem os titulares da maioria (ou totalidade) acionária, os administradores não devem lealdade aos governantes que os nomearam. A fidelidade desses administradores deve ser não ao “governo de plantão”, mas à finalidade social da empresa, definida em lei (e depois em estatuto), motivos determinantes de interesse público ou segurança nacional para a qual a companhia foi criada. Foi por isso aliás que a Lei das Estatais conferiu um mandato aos administradores. Para que tenham independência e desenvoltura em decisões no melhor interesse das empresas, não obstante os interesse políticos dos seus controladores. Tal relação, ao meu ver, ainda não se faz plenamente clara, nem para os administradores das estatais, nem para o próprio governo; e nem por nós cidadãos!
É precisamente por esse motivo, entendo, que a “Carta Anual de Governança” dessas estatais ainda seja por demais tímida. Tal documento deveria detalhar o cumprimento do interesse público para o qual as estatais foram criadas. Deveria ainda abrigar uma prestação de contas sobre à vontade republicana emanada pelo Congresso que autorizou a sua criação. Seria a apresentação à sociedade do custo exato desse interesse público. Tal seria o elo de prestação de contas entre as estatais e a sociedade. Existe uma nobreza valorativa incutida; mas não tenho visto nem essa interpretação, nem esse valor; seja pelas estatais, seja pelos contadores; seja – infelizmente, e mais uma vez – pela própria sociedade.
Ainda na seara de governança, entendo que ainda existem oportunidades com relação ao bom entendimento dos administradores com relação aos seus deveres decisórios, ainda que tomados de forma colegiada. Suas decisões – todas – devem ser pautadas nos chamados “atos regulares de gestão”. As decisões devem ser informadas, refletidas e desinteressadas. Existe um dever de diligência que, não raramente, é negligenciado. A colegialidade não é, portanto, um escudo; mas uma forma de controle; todos controlando todos. Acho que a profundidade desses valores ainda levará algum tempo.
Por fim (e são tantos aspectos), com relação à parte licitatória, entendo que ainda exista uma inércia no uso da Lei 8.666/93. Apesar de experimentarem alguns novos institutos, em maior liberdade, ainda existe muito a explorar. Talvez a cultura da motivação e da prestação de contas deva careça de estar mais incrustada para conferir mais segurança os gestores de licitações e contratos para encorajá-los a alçar ainda voos mais altos.
Quais são as orientações/dicas para os profissionais e gestores públicos das estatais para cumprirem as determinações da lei?
Obviamente que o primeiro conselho é: capacite-se; estude. Ser um bom administrador; ou um bom gerente, com pleno uso das liberdades conferidas pela Lei das Estatais exige maior conhecimento e responsabilidade. Bernard Shaw – famoso dramaturgo irlandês – costumava dizer: “A liberdade exige responsabilidade (…) E é por isso que todos têm medo dela”.
A altivez na tomada de decisões exige um respaldo de competência e conhecimento. Isso envolve tanto o mundo corporativo e empresarial; perpassando por aspectos de compliance e gestão de riscos; mercado de capitais e mercado financeiro; combate à corrupção e licitações. Não que os administradores devam ser “super-homens”; ou “super-mulheres”. Tais conhecimentos devem ser maturados na base, agregados à cultura do órgão, paulatinamente absorvidos pelo maior dos patrimônios corporativos, que é o capital humano.
As empresas devem investir em sua base. Formar gerentes, auditores, compliance officers, gestores de risco, gerentes de contrato, advogados… Essa será a matéria prima decisória para os bons administradores que hão de ser escolhidos.
Sem tal capital na base, “sem uma boa uva”, por melhor que seja a vinificação (ou melhores forem os administradores), não se fará um “bom vinho”.
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