O outplacement pode ser resumido como um programa pelo qual a empresa apoia o empregado dispensado na recolocação profissional, com o objetivo reduzir ou até mesmo eliminar o tempo em que essa mão de obra fica fora do mercado de trabalho. O tema é de enorme importância em matéria de concessão de saneamento básico, uma vez que, com o advento do Novo Marco do Saneamento Básico, o mercado tem passado por uma abertura à iniciativa privada, no qual surge a legítima preocupação com o futuro dos empregados da empresa pública que está abrindo espaço no mercado. Diferentemente do modelo tradicional, aqui o programa é construído de maneira conjunta entre a antiga empresa e a nova concessionária, com vistas ao aproveitamento dessa mão de obra. Do ponto de vista jurídico, a cláusula possui diversos fundamentos[1], no entanto, busca-se, nesta breve exposição, abordar seis incentivos extrajurídicos que podem contribuir para o seu sucesso.
De início, é importante destacar que grande parte dessa mão de obra incluída no programa é qualificada e tecnicamente experiente. As empresas públicas têm, via de regra, o concurso público como pressuposto de investidura no cargo de empregado público, assim há seleção impessoal por meio da aferição do desempenho meritocrático de candidatos. Além disso, destaca-se que parcela significativa desse quadro está há muitos anos na empresa, pois há certos estímulos à permanência de médio-longo prazo, como a mencionada forma primária de ingresso no cargo ou o fato de que os acordos trabalhistas coletivos costumam conter uma cláusula de estabilidade temporária.
Essa longa permanência de parte do quadro se relaciona com o segundo estímulo ao sucesso do outplacement: o profundo conhecimento de sistemas complexos. Infraestruturas de grande porte e mais antigas carregam desafios operacionais específicos que são muito bem conhecidos por esses operadores mais experientes. Ainda que a concessionária que esteja assumindo a operação possua mão de obra qualificada e com experiência em outros sistemas, contar com funcionários que conhecem o sistema que está em assunção traz ganhos exponenciais em termos de expertise operacional.
Em terceiro, pode-se destacar o relacionamento pré-estabelecido que alguns quadros possuem com comunidades locais. Em territórios politicamente instáveis e sensíveis, ter funcionários habilitados para lidar com esse contexto é, sem dúvidas, condição de sucesso, sobretudo considerando que a população dessas regiões costuma ser a que mais precisa dos serviços.
Na mesma linha, o quarto estímulo é o conhecimento do terreno e locais de difícil acesso. Como boa parte dessas áreas mencionadas acima cresceu de maneira desordenada é proveitoso que a mão de obra de campo que detenha esse conhecimento prévio permaneça na operação. Do contrário, o atendimento pode se tornar mais lento e ter implicações nos Índices de Satisfação dos Usuários (ISU) e de Reparo e Desobstrução na Rede ou Ramais de Água (RDR), comumente estabelecidos como índices de desempenho em contratos de concessão de saneamento.
O quinto é relacionado à frequente maior necessidade de mão de obra da concessionária frente ao quadro de funcionários da antiga operadora. Uma das principais razões para o movimento de desestatização é a incapacidade de boa parte das empresas estaduais de realização de investimentos para a universalização dos serviços, razão pela qual os contratos são construídos com metas anuais de desempenho. Para tanto, no ápice de dispêndio das despesas de capital, no geral, há maior demanda por mão de obra, razão pela qual um outplacement pode recolocar a mão de obra com mais facilidade, também considerando a possibilidade de mudança de função.
Por fim, é importante destacar que a imagem empresarial é fundamental para uma concessionária, sobretudo, em razão do longo prazo desses contratos. Como a possibilidade de desemprego é, de maneira legítima, um dos principais pontos de preocupação em um cenário de desestatização, quanto mais bem sucedido for o programa de outplacement, melhor será a imagem da nova companhia perante a sociedade como um todo.
Em suma, a cláusula de outplacement nas concessões de saneamento básico possui fundamento jurídico sólido por conta da sua superlativa relevância social, de modo que é pressuposto que a empregabilidade e o desenvolvimento econômico são tão importantes quanto à universalização dos serviços de saneamento básico. O outplacement se relaciona com questões que extrapolam a abordagem jurídica e o seu sucesso tem externalidade positivas econômicas e sociais. Questões ideológicas e político-partidárias devem dar espaço ao aprimoramento de mecanismos que, de fato, possam fazer avançar a agenda da universalização do saneamento, com o máximo de responsabilidade social. Sem dúvidas, a cláusula de outplacement é um deles.
Notas
[1] O texto é o resumo de parte de uma palestra que proferi no dia 14 de março de 2023, no Plenário Evandro Lins e Silva, da OAB/RJ, que pode ser consultada aqui.
[2] Disclaimer: As críticas e os posicionamentos expostos neste trabalho representam exclusivamente manifestações pessoais e acadêmicas do autor, de modo que não devem ser interpretadas como posição institucional de quaisquer órgãos, público ou privados, que o mesmo integre ou tenha integrado.
[3] O direito ao trabalho como fundamento da república (art. 1º, IV da CRFB/88); a natureza social do direito ao trabalho (art. 6º da CRFB/88); os valores sociais do trabalho (art. 170 da CRFB/88); a busca do pleno emprego (art. 170, VIII da CRFB/88); a função social da sociedade empresária (art. 170, III, CRFB/88); o princípio da continuidade da prestação dos serviços públicos e as práticas de ESG.
Autor: Vinícius dos Santos Silva
Advogado. Pós-Graduado em MBA em Infraestrutura, Concessões e Parcerias Público-Privadas (PUC/MG). Membro do Instituto de Direito Administrativo Sancionador (IDASAN). Membro da Comissão Especial de Saneamento, Recursos Hídricos e Gás Encanado (CSHG) da OAB/RJ.
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