A trajetória das concessões em crise. Dos fatores endógenos e exógenos à mediação no Tribunal de Contas da União (TCU)

13 de maio de 2025

Homem apontando para o formulário de assinatura do acordo contratual

A crescente evolução das práticas administrativas no cenário atual tem impulsionado a Administração Pública a aprimorar sua gestão por meio de abordagens mais flexíveis e participativas, além de priorizar ações voltadas às boas práticas de governança, gestão de riscos e integridade[1]. Esse modelo de gestão foi sendo amplamente experimentado e reforçado a partir da última década, momento em que o país vivenciou eventos econômicos, financeiros e sociais que impactaram na execução de contratos de concessões dos setores rodoviário e aeroportuário, modificando a sua configuração original, especialmente a relação entre projeções de demanda e investimentos esperados.

Entre os anos de 2003 e 2012, o país vivia um ambiente favorável e promissor para o crescimento econômico[2]. No entanto, em 2013, os protestos conhecidos como as Jornadas de Junho marcaram o início de uma crise política sem precedentes, agravada, no ano seguinte, com os escândalos de corrupção investigados pela Operação Lava Jato. Os anos de 2015 e 2016 trouxeram os efeitos da maior recessão econômica brasileira, acompanhado do impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Recentemente, entre os anos de 2020 a 2022, a pandemia do coronavírus assolou a economia brasileira e mundial, sendo os efeitos dessa crise sentidos até os dias atuais. Na esteira da crise política, econômica e fiscal, a partir do ano de 2015, observou-se também um esgotamento na capacidade do setor público em manter o papel de prover recursos em larga escala para os investimentos em infraestrutura no país. Com efeito, os investimentos que eram frequentemente financiados por bancos estatais, como o BNDES, a Caixa Econômica Federal (CEF) e o Banco do Nordeste (BNB), os quais ofereciam linhas de financiamento de créditos a juros subsidiados, começaram a ser reduzidos em razão do não atendimento das condicionantes previstas nas suas políticas operacionais, da alteração nas condições de acesso pelo envolvimento de empresas investigadas na Operação Lava-Jato, e do próprio contexto nacional que influenciou o rearranjo do modelo de provimento da infraestrutura, fazendo com o que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), por exemplo, modificasse sua atuação no mercado, reduzindo sua presença e adotando uma postura de maior apoio na estruturação de melhores projetos concessionários[3].

Considerando o momento favorável entre os anos de 2003 a 2012, os estudos de viabilidade econômica, financeira e ambiental (EVTEA) de concessões rodoviárias e aeroportuárias[4], elaborados a partir dos anos de 2010 a 2012, projetaram para décadas as variáveis de ordem econômica, financeira e técnica dos projetos concessionários, a exemplo do Produto Interno Bruto (PIB), taxas de juros e demanda. Certamente, esses trabalhos trouxeram em seu conteúdo o estudo de demanda levando em consideração a projeção de receitas e de investimentos sob a perspectiva que indicava um ambiente promissor para o crescimento econômico no país e, por essa razão, não internalizaram, nem poderiam, uma década de crises econômicas e financeiras com geração de efeitos negativos sobre a economia[5]. Desta forma, metade de uma década de execução contratual dessas concessões foi transcorrida sob efeito de crises econômicas extemporâneas, imprevisíveis e de longa duração.

No setor de rodovias, desde o ano de 2016, as concessionárias da 3ª Etapa do Programa de Concessões de Rodovias Federais (Procofe) vêm enfrentando dificuldades com a frustração de tráfego decorrente da deterioração do Produto Interno Bruno (PIB) e das projeções de longo prazo[6][7]. Isso impactou as obrigações de investimentos previstas nos contratos, que estavam condicionadas a uma projeção de demanda inflada do processo licitatório que não se concretizou. Isto é, considerando as premissas econômicas do projeto, a receita projetada não se mostrou suficiente para assegurar o cumprimento das obrigações contratuais e do Plano de Exploração de Rodovia (PER), especialmente investimentos e o atendimento dos parâmetros de desempenho. A frustração de demanda foi ainda mais acentuada devido aos riscos que foram integralmente alocados ao concessionário nesses contratos, seguindo os exatos termos da expressão “por sua conta e risco” prevista no art. 2º, inciso II, da Lei n.º 8.987/1995[8].

Essa conjuntura fez com que as concessionárias atuantes no setor de rodovias praticamente interrompessem os investimentos na execução das obras de implantação e ampliação da capacidade das rodovias, cessando parcialmente ainda as obras de recuperação e manutenção de maior vulto, o que desencadeou uma série de processos administrativos pela ANTT, provocando o litígio administrativo entre as partes, com aplicação de sanções. Paralelamente a essa situação, ações judiciais foram movidas para anular as multas, requerimentos arbitrais pleiteavam reequilíbrios econômicos e processos de controle externo eram inaugurados para avaliar o desempenho e a governança desses contratos pela agência reguladora[9][10].

Desde então as concessionárias vêm acumulando prejuízos recorrentes, o que motivou diversos pedidos de relicitação visando a devolução de trechos rodoviários licitados face à insustentabilidade financeira e operacional das concessões.

Esse ambiente desfavorável não passou despercebido pelo legislador brasileiro que, na tentativa de dar uma resposta célere às questões que afetaram as concessões leiloadas no início da década passada, tem procurado introduzir novos instrumentos legais para incorporar conceitos destinados a lidar com os desafios decorrentes da necessidade de alteração, prorrogação, renegociação ou até mesmo de rescisão desses contratos de concessão. Exemplos dessas iniciativas incluem a Medida Provisória n.º 800/2017, a Lei de Relicitação e Prorrogação Antecipada (Lei n.º 13.448/2017), a reforma da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB), notadamente o art. 26 da LINDB, inserido pela Lei n.º 13.655/2018, a Lei das Agências Reguladoras Federais, com especial atenção para o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) (art. 32 da 13.848/2019) e a Nova Lei de Licitações e Contratações Públicas (Lei n.º 14.133/2021). 

A contextualização e a cronologia dos fatos que ensejaram a produção de normas são importantes para demonstrar que as tentativas realizadas conduziram ao cenário atual de implementação de uma política pública que visa a modernização desses contratos de concessões em crise.

O histórico de iniciativas legislativas começou com a edição da Medida Provisória n.º 800/2017, que estabeleceu diretrizes para a reprogramação de investimentos em concessões rodoviárias federais, prevendo que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) poderia realizar, de comum acordo com as concessionárias, a reprogramação de investimentos em concessões rodoviárias federais cujos contratos prevejam concentração de investimentos em seu período inicial, e uma única vez, desde que observadas as diretrizes estabelecidas na MP e na regulamentação específica dos Ministérios dos Transportes, Portos e Aviação Civil.

Essa primeira providência demonstrou que o Poder Concedente já vinha empreendendo esforços para equalizar as situações dos contratos de concessão de rodovias que apresentavam dificuldades de execução. Entretanto, a MP n.º 800/2017 teve seu prazo de vigência encerrado em 26 de fevereiro de 2018, não tendo havido a sua conversão em lei.

Um ano antes da edição da MP n.º 800/2017, o governo federal já havia editado a Medida Provisória n.º 752/2016, convertida na Lei n.º 13.448, de 5 de Junho de 2017, que instituiu as diretrizes gerais para prorrogação e relicitação dos contratos de parceria relativos aos empreendimentos qualificados no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), tendo por objetivo destravar os investimentos represados nesses contratos, estabelecendo prazo máximo de até 48 meses para finalização desse processo (art. 20 c/c art. 32, da Lei n.º 13.448/2017).

Com a instituição e regulamentação[11] do processo relicitatório, uma nova possibilidade se abriu aos contratos de concessão que não performaram dentro do prazo pactuado, sendo inicialmente elogiada por permitir a extinção amigável de contratos e privilegiar uma gestão administrativa consensual em detrimento das soluções unilaterais e reducionistas previstas na Lei n.º 8.987/1995[12].

Nada obstante à alternativa implementada, a realidade aponta que oito anos após a edição da Lei n.º 13.448/2017, o instituto da relicitação vem enfrentando desafios significativos e por essa razão não conseguiu apresentar os resultados sólidos que dela se esperava obter no setor de rodovias[13][14]. Esse movimento já havia sido sentido desde 2019, quando diversas concessionárias solicitaram a devolução amigável de seus contratos.

Em linhas gerais, como se pode constatar dos fatos apresentados, as circunstâncias que levaram à situação de insustentabilidade financeira das concessões são associadas a fatores endógenos e exógenos, podendo ser assim relacionadas: (i) frustração extraordinária no tráfego projetado para a concessão, que provocou variações nas projeções de fluxo de caixa da concessão, não sendo aquela inicialmente programada suficiente para assegurar o cumprimento das obrigações contratuais, especialmente investimentos, sem prejuízo do atendimento dos parâmetros de desempenho; (ii) frustração em relação às taxas de financiamento público; (iii) aumento significativo no preço dos insumos asfálticos, bem acima dos índices de correção previstos nos contratos, contingência que foi agravada pela pandemia do coronavírus (COVID-19); (iv) inadequação da divisão de riscos e incentivos na matriz contratual; (v) excessiva morosidade[15][16] e onerosidade, entre outros obstáculos enfrentados com os processos de relicitação, impactando nos investimentos essenciais para adequada prestação do serviço público; (vi) deságios elevados como resultado tanto do otimismo macroeconômico quanto do desenho de incentivos; (vii) o fato de o Poder Concedente e as agências reguladoras terem tratado todas as dificuldades de execução desses contratos – inclusive aquelas que eram consequência de eventos graves de desequilíbrio – como se fosse decorrência da corrupção dos seus grupos controladores – sem que houvesse evidências concretas de que houve corrupção envolvendo esses contratos específicos – e, assim, não promoveram as ações de reequilíbrio econômico-financeiro em momento oportuno[17].

Diante do cenário de baixa performance desses contratos estressados, somado ao reconhecimento do atual estágio de maturidade do instituto da relicitação, no ano de 2023, o Ministério dos Transportes e o Ministério de Portos e Aeroportos protocolaram uma Consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) indagando sobre a possibilidade de o Poder Público revogar sua adesão à relicitação em contratos de concessão de rodovias e aeroportos federais, bem como a fixação das balizas para renegociações dos contratos mantidos após essa saída (Processo TCU n.º 008.877/2023-8). Na Sessão de 02, de agosto de 2023, por meio do Acórdão TCU n.º 1.593/2023-TCU-Plenário, relatoria do Ministro Vital do Rêgo, a Corte de Contas entendeu que seria possível ocorrer a desistência da relicitação quando houvesse concordância de ambas as partes, mediante formalização de novo termo aditivo em substituição ao termo aditivo de relicitação.

A sinalização dada pelo TCU fez com que o Ministério dos Transportes e a ANTT imediatamente instituíssem uma nova política em concessões rodoviárias, trazendo inovações e prevendo boas práticas nas diretrizes e procedimentos para os novos projetos de parceria. Assim, incorporando as contribuições do órgão de controle externo, em 25 de agosto de 2023, a pasta ministerial publicou a Portaria MT n.º 848/2023, estabelecendo a política pública e os procedimentos relativos à readaptação e otimização dos contratos de concessão no que se refere à exploração da infraestrutura de transporte rodoviário federal. Menos de dois meses depois, em 17 de outubro de 2023, editou a Portaria MT n.º 995/2023, instituindo a política nacional de outorgas rodoviárias, que buscou promover a modernização dos contratos de concessão de rodovias federais e consagrou regras e práticas a serem observadas no setor.

Na visão do Ministério dos Transportes, a repactuação representa opção que agrega maior valor à sociedade, de modo que a implementação dessa medida governamental tem por objetivo renegociar e redesenhar o contrato, em caráter excepcional, para que passe a ser viável e sustentável financeiramente, apresentando nova modelagem econômico-financeira (MEF) e uma matriz de risco mais equânime, garantindo a reprogramação dos investimentos (duplicações, contornos urbanos, implantação de faixas adicionais, vias marginais, passarelas, interconexões, entre outras obras), com concentração de exequibilidade nos primeiros anos do prazo de vigência do Termo Aditivo, além de acompanhamento e fiscalização diferenciados pela ANTT, que avaliará o cronograma de execução e os parâmetros de desempenho.

Seguindo a coerência da sistemática das legislações do Governo Federal que trata do Programa Nacional de Desestatização (PND), do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e das prorrogações e relicitações de contratos de parceria de investimentos[18], o artigo 12 da Portaria n.º 848/2023, prevê que os estudos de vantajosidade, a minuta de termo aditivo e os pareceres técnicos e jurídicos deverão ser encaminhados pela ANTT à SecexConsenso do TCU. Da mesma forma, o art. 30 da Portaria n.º 995/2023 dispõe que o Plano de Outorga aprovado pelo Ministro de Estado dos Transportes deverá ser posteriormente submetido à análise do TCU.

No âmbito do TCU, esse papel vem sendo desempenhado com proeminência pela Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso), criada pela Instrução Normativa n.º 91/2022, cujo procedimento estabelecido tem por finalidade a submissão da proposta de solução consensual ao Plenário, que examinará a juridicidade do acordo, ou seja, se a solução apresentada pela Comissão de Solução Consensual (CSC) é compatível com o ordenamento jurídico como um todo, com os princípios da Administração, a legislação de regência sobre o tema e a jurisprudência do TCU, além da vantajosidade do ponto de vista econômico e social.

A saída negocial mediada pelo TCU vem materializando essa política liderada pelo Ministério dos Transportes de modernização, padronização e otimização dos contratos de concessão de rodovias federais, revelando-se como a via mais célere e adequada para lidar com os graves eventos que tornaram esses contratos insustentáveis, já que prioriza a retomada imediata dos investimentos exequíveis em prazos curtos, equacionando o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e atendendo o interesse público primário, na medida em que os resultados decorrentes dessa remodelação afetam diretamente o usuário do serviço. No que concerne à gestão e administração desses contratos, as soluções negociadas vêm considerando a padronização nos moldes regulatórios da ANTT, notadamente os contratos da 5ª Etapa do Procofe, atribuindo nova distribuição de riscos, concentração de investimentos em melhorias de trechos rodoviários, revisão tarifária e estabelecimento de novos parâmetros de desempenho.

Essas breves considerações introdutórias servem para descrever um novo momento que atravessa as concessões de serviços públicos, reconhecendo os esforços empreendidos por todos os agentes envolvidos na busca constante pelo aprimoramento dos mecanismos contratuais visando a promoção de uma regulação mais responsiva e baseada em incentivos[19]. Ao incorporar a lógica de incentivos e renunciar às normas de comando e controle, a regulação por indução favorece a adesão voluntária dos agentes econômicos e reduz custos regulatórios[20].

O papel do órgão de controle externo não poderia ser outro, senão acompanhar os novos rumos da regulação, induzindo comportamentos para promover uma cultura de diálogo e colaboração na prevenção e resolução de conflitos, orientando os agentes na adoção de boas práticas regulatórias que geram valor público, contribuindo com a customização de um novo desenho contratual, em caráter excepcional[21], que defina, de forma mais precisa, a matriz de risco e um novo modelo econômico-financeiro para transformar contratos de concessão inviáveis em viáveis, assegurando que investimentos sejam realizados e, assim, proporcione melhorias significativas na infraestrutura e na qualidade de vida dos usuários da rodovia.

Afinal, é missão institucional do TCU aprimorar a Administração Pública em benefício da sociedade[22]. E assim vem procedendo a Corte de Contas ao contribuir com ações pragmáticas e tempestivas destravando obras, estimulando investimentos privados e devolvendo à sociedade serviços essenciais paralisados por litígios infindáveis, colocando o cidadão no vértice de sua atuação, garantindo o seu direito público subjetivo ao serviço adequado (art. 6º, § 1º, da Lei n.º 8.987/1995).

Rodrigo Nascimento Silva

Assessor no Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ). Professor Convidado do LL.M. em Direito da Infraestrutura e da Regulação da Fundação Getúlio Vargas (FGV DIREITO RIO). Mestre em Direito da Regulação. Pós-Graduado em Direito do Estado e da Regulação.


Notas

[1] Onde são extraídas as regras previstas no Decreto Federal nº 9.203/2017, que dispõe sobre a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, a Lei nº 14.133/2021, que regulamenta a nova lei de licitações e contratações públicas, e o Decreto Federal nº 12.304/2024, que regulamenta o art. 25, § 4º, o art. 60,caput, inciso IV, e o art. 163, parágrafo único, da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, para dispor sobre os parâmetros e a avaliação dos programas de integridade, nas hipóteses de contratação de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, de desempate de propostas e de reabilitação de licitante ou contratado, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

[2] Em agosto de 2012, o Governo Federal lançou o Programa de Investimentos em Logística (PIL), que incluiu um conjunto de projetos com o objetivo de modernizar os sistemas de transportes por meio de parcerias estratégicas com o setor privado, promovendo a integração entre os modais rodoviário, ferroviário, hidroviário, portuário e aeroportuário. Disponível em: https://portal.epl.gov.br/rodovias. Acesso em: 08/12/2024. Disponível em: https://www.gov.br/transportes/pt-br/assuntos/conteudo/concessoes-rodoviarias-programa-de-investimento-em-logistica14066. Acesso em: 08/12/2024.

[3] Nos dias atuais, a atuação do BNDES consiste no apoio ao Ministério da Infraestrutura. Após a qualificação do empreendimento no âmbito do PPI, por meio de Decreto do Presidente da República, o Ministério da Infraestrutura assume a responsabilidade pela condução e aprovação dos estudos, projetos, levantamentos ou investigações que subsidiarão a modelagem das medidas de desestatização e a Agência Nacional de Transporte Terrestres (ANTT) tem como atribuição promover os procedimentos licitatórios dos processos de desestatização (art. 26, VI, da Lei 10.233/2001). Na sequência, o BNDES e o Ministério da Infraestrutura assinam um Contrato de Estruturação de Projetos cujo objeto é a prestação de serviços técnicos de apoio, avaliação, estruturação e implementação da desestatização, mediante o regime de concessão de serviços públicos. Disponível em: https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/desestatizacao/projetos-em-andamento/estruturacao-de-concessoes-de-rodovias-federais. Acesso em: 08/12/2024.

[4] No caso do setor de rodovia, vivenciava-se a 3ª etapa do Procofe. Já as concessões aeroportuárias ocorridas em 2011, 2012 e 2013 tiveram como principal objetivo atender à demanda associada à realização de grandes eventos (Copa do Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016), bem como melhorar a qualidade de serviços desses aeroportos mediante a aceleração de obras necessárias ao atendimento da demanda pelo serviço de transporte aéreo e o crescimento do setor aeroportuário do Brasil.

[5] Fernando Vernalha detalha em números esse cenário. “Esses contratos foram licitados sob um contexto econômico bastante diverso daquele que se instalaria poucos anos depois. Mais do que isso, esses programas foram orientados por previsões de crescimento da economia (com reflexos nas estimativas de demanda) muito discrepantes do que se verificou na realidade subsequente. Note-se que em janeiro de 2013 as expectativas de crescimento para 2015 e 2016 eram, respectivamente, 3,60% e 3,55%, de acordo com a pesquisa Focus, coletada do Banco Central junto a aproximadamente cem instituições do mercado financeiro e consultorias. No entanto, os resultados para o biênio 2015/2016 foram as quedas no PIB de 3,8 em 2015 e de 3,6 em 2016. A causa para essas discrepâncias não estiveram em meros erros nas estimativas de demandas, mas na alteração superveniente da realidade econômica do país. A partir de 2014, o Brasil experimentou aquilo que viria ser uma das piores crises recessivas em toda sua história. O crescimento acumulado para o período 2014/2016 resultou numa queda no PIB de 6,9%, caracterizando-se como o pior triênio da história. O autor também já admite haver certo consenso entre reguladores e operadores acerca da necessidade de os contratos concessionários preverem mecanismos de proteção contra a ocorrência de eventos externos e imprevisíveis, como as turbulências econômicas capazes de produzir variações acentuadas na demanda de serviços públicos. VERNALHA, Fernando. Crise Macroeconômica, Alocação do Risco de Demanda e Reequilíbrio Econômico-Financeiro nas Concessões Rodoviárias. In.: Tratado Sobre o Setor de Rodovias no Direito Brasileiro / organização Augusto Neves Dal Pozzo, José Virgílio Lopes Enei. – 1. ed. – Sâo Paulo: Editora Contracorrente, 2022. Volume II.  

[6] Reportagem do Estadão, do ano de 2018, ilustrou o cenário de crise macroeconômica desencadeada a partir de 2014, especialmente no setor aeroportuário. De acordo com a matéria exibida, esses terminais operavam com uma demanda em média de 30% abaixo da projetada na licitação. PEREIRA, Renée. Demanda de primeira leva de aeroportos concedidos está 30% abaixo da previsto”. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2018/05/18/demanda-de-primeira-leva-de-aeroportos-concedidos-esta-30-abaixo-da-prevista.htm. Acesso em: 27. fev. 2025.

[7] Fernando Vernalha assinala que no setor rodoviário, neste período, apenas sete trechos da 3ª Etapa do Procofe haviam sido licitados. Já no setor aeroportuário, foram assinados contratos de concessões dos aeroportos de Guarulhos (SP), Brasília, Viracopos (SP), Confins (MG) e Galeão (RJ). VERNALHA, Fernando. Crise Macroeconômica, Alocação do Risco de Demanda e Reequilíbrio Econômico-Financeiro nas Concessões Rodoviárias. Op. Cit.  

[8] As variáveis da matriz de risco desses contratos foram afetadas, gerando o aumento das taxas de juros oferecidas pelos financiadores dos projetos, e o preço dos insumos asfálticos subiu acima do índice de correção tarifária previsto em contrato.

[9] A título de exemplo, mencione-se os seguintes arestos: Acórdão TCU n.º 2.927/2011-Plenário; Acórdão TCU n.º 2.759/2012-Plenário, Acórdão TCU nº 283/2016 -Plenário; Acórdão TCU nº 943/2016-Plenário; Acórdão TCU n.º 738/2017-Plenário, Acórdão TCU n.º  2.147/2017; Acórdão TCU n.º 878/2018-Plenário; Acórdão TCU n.º 1.174/2018-Plenário, Acórdão TCU n.º 1.096/2019-Plenário; Acórdão n.º 2.190/2019-Plenário e Acórdão TCU n° 2.605/2020.

[10] No setor de aeroportos, termos aditivos foram formalizados para conceder reequilíbrios a título de compensação em face da pandemia do Covid-19, além de reprogramações e postergações de pagamento de outorgas, o que se soma a diversos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) firmados. Ainda assim, tais eventos não foram suficientes para evitar a adesão de concessionárias ao instituto da relicitação.

[11] A Lei n.º 13.448/2017 foi regulamentada pelo Decreto Federal n.º 9.957/2019. O Governo do Estado de São Paulo regulamentou o instituto por meio da Lei n.º 16.933/2019.

[12] É importante a compreensão de que a Lei Geral de Concessões (Lei n.º 8.987/1995) foi editada num contexto em que os programas de concessões haviam acabado de ter início e não se tinha pleno conhecimento das complexidades desses projetos. Naquela época, a Administração Pública se mostrava mais unilateral e centralizada, portanto, menos cuidadosa com a necessária boa governança dos contratos de infraestrutura e praticando uma abordagem que nos dias atuais não condiz com a complexidade demandada desses contratos quanto à proporcionalidade e o consequencialismo dos efeitos das decisões, conforme os princípios estabelecidos na LINDB. Neste sentido, as soluções tradicionais trazidas pela Lei Geral de Concessões (intervenção, encampação e caducidade) não se mostraram suficientes para lidar com o contexto atual de concessões insustentáveis, sendo essa situação evidenciada pela busca por outras respostas, tais como a extinção amigável por meio da relicitação e a repactuação dos contratos.

[13] É como analisa a doutrina de Alice Voronoff, onde afirma que a relicitação é uma promessa bem-intencionada, mas não realizada. “Como se pode ver, as relicitações não estão dando conta de assegurar que a devolução de contratos de concessão ocorra com a celeridade esperada. Apesar de a solução legislativa ter se apresentado, em um primeiro momento, como promissora para solucionar o problema das concessões em crise, na prática, o que se percebe é que há dificuldades para que os processos de relicitação avancem e novas empresas assumam as concessões. É que, para que o mecanismo seja levado a efeito e seja realizada uma nova licitação, há uma série de parâmetros legais e regulamentares, detalhados pelo Decreto n.º 9.957/2019, que engessaram e tornaram esse procedimento moroso. Além disso, os processos começam, mas não têm data certa para terminar. Apesar da previsão legal de 24 meses para conclusão do processo de relicitação, admitem-se prorrogações sucessivas, nos termos do art. 20, §§ 1º e 2º da Lei de Relicitação”. VORONOFF, Alice; TEIXEIRA, Jeaninny. Relicitação, promessa não realizada e a busca de alternativas pela ANTT. GBA Associados. Disponível em: https://gbalaw.com.br/relicitacao-promessa-nao-realizada-e-a-busca-de-alternativas-pela-antt/. Acesso em: 23. Dez. 2024.

[14] Em agosto de 2023, o ministro dos Transportes, Renan Filho, chegou a dizer que um projeto estar em fase de relicitação significa um “eufemismo para obra parada”. “Estar em relicitação é obra parada e o cidadão pagando. O pedágio não passa a ser de graça”. Em sua avaliação, a devolução amigável é uma tentativa de jogar os “problemas para baixo do tapete”. Agência INFRA. Disponível em: https://agenciainfra.com/blog/relicitacao-e-eufemismo-para-obras-paradas-diz-ministro-dos-transportes/. Acesso em: 14. Mar. 2025.

[15] No início de 2023, das seis rodovias concedidas na terceira etapa, em 2013, quatro passavam pelo processo de relicitação: a BR-163/MS, da MSVias; a BR-060-153-262/DF-GO-MG, da Concebra; a BR 040/DF-GO-MG, da Via 040; e a BR-101/ES-BA, da Eco101. Soma-se a elas uma devolução da segunda etapa, a BR-101/RJ, da Arteris. RIBEIRO, Jennifer. AGÊNCIA Infra. Solução para rodovias concedidas na 3ª etapa deve ser uma das prioridades da Infra S/A. Reportagem de 07 de Março de 2023. Disponível em: https://www.agenciainfra.com/blog/solucao-para-rodovias-concedidas-na-3a-etapa-deve-ser-uma-das-prioridades-da-infra-s-a/. Acesso em: 23. Dez. 2024.

[16] Até o momento em que finalizo a escrita deste artigo, constata-se que apenas o Aeroporto São Gonçalo do Amarante, no âmbito da ANAC, e a BR-040/MG, no âmbito da ANTT, tiveram o processo de relicitação concluído, com a devolução do ativo e a realização de nova licitação.

[17] RIBEIRO, Maurício Portugal. Disponível em: https://www.linkedin.com/posts/portugalribeiro_onde-estavam-os-nossos-te%C3%B3ricos-da-renegocia%C3%A7%C3%A3o-activity-7107322538522779648-Yc7P/. Acesso em: 07. Fev. 2024.

[18] Assim dispõe o art. 2º, c/c artigo 18, VIII da Lei n.º 9.491/1997, que cuida do Programa Nacional de Desestatização (PND); artigos 5º e 6º, IV da Lei n.º 13.334/2016, que criou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI); e os arts. 11 e 19 da Lei n.º 13.448/2017, que estabelece as diretrizes gerais para prorrogação e relicitação dos contratos de parceria definidos nos termos do PPI.

[19] As melhores lições sobre o tema são extraídas da doutrina de Alice Voronoff, senão vejamos: “Regular responsivamente pressupõe considerar a cultura, as práticas e a história do setor regulado; a conduta dos diversos agentes que nele atuam, como empresas, usuários de serviços e associações; a maneira específica como eles interagem e respondem a incentivos. Especialmente, há de se atentar para as diferentes motivações que impulsionam esses atores. Isso porque, caso a caso, tais fatores poderão apontar para respostas estatais mais ou menos interventivas”. VORONOFF, Alice. Direito Administrativo Sancionador no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2018. Recentemente, a excelente jurista escreveu artigo abordando os esforços implementados pela ANTT neste sentido. Confira-se: “Seguindo-se no esforço da ANTT para o aperfeiçoamento regulatório, ressalta-se a aprovação da 4ª norma do Regulamento de Concessões Rodoviárias – RCR (Resolução ANTT 6.053/2024), que modernizou os parâmetros de fiscalização e penalidades aplicáveis às concessionárias e sedimentou, no universo das rodovias, a chamada “regulação responsiva” – com distintos níveis de atuação da agência, conforme o desempenho das empresas. Além do mais, foi realizada audiência pública para o RCR 5, que cuida da extinção das concessões, e cuja deliberação deverá ocorrer em 2025. Em vez de focar exclusivamente em sanções e rescisões, abre-se espaço para soluções dialogadas que permitem a retomada de obras, investimentos e a continuidade dos serviços, garantindo o atendimento adequado ao usuário e a preservação do interesse público. VORONOFF, Alice Voronoff. Op. Cit. Ressalte-se, no entanto, que a institucionalização da regulação responsiva na ANTT se deu através da Portaria nº 34/2020.

[20] BINENBOJM, Gustavo. Poder de Polícia, ordenação, regulação. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

[21] O caráter excepcional atribuído a essa política é extraído do art. 17 da Portaria MT n.º 848/2023, o qual prevê o prazo de validade até 31 de dezembro de 2023, e está em consonância com a doutrina de Maurício Portugal Ribeiro. In.: RIBEIRO, Maurício Portugal. Agência iNFRA. Renegociação de contratos administrativos: um programa permanente? Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/renegocia%C3%A7%C3%A3o-de-contratos-administrativos-um-programa-mauricio-uf7wf/?trackingId=1%2FEjxHQZfAI5y%2BSJR9P7ug%3D%3D. Acesso em: 17. Mar. 2025. Destaque-se ainda que vem sendo considerado no pipeline do Ministério dos Transportes, até o ano de 2026, os novos trechos e leilões de repactuações de contratos antigos que passarão por disputa, como resultado das profícuas deliberações em soluções consensuadas mitigando os riscos provenientes da adoção das repactuações. Disponível em: https://agenciainfra.com/blog/ministerio-indica-20-novos-contratos-de-concessao-rodoviaria-para-2026/. Acesso em: 17. Mar. 2025.

[22] Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/. Acesso em: 17. Mar. 2025.


Conheça alguns livros do coordenador da coluna, Rafael Véras, publicados pela FÓRUM:

REGULAÇÃO E CONCORRÊNCIA NOS PORTOS
Rafael Véras de Freitas e Leonardo Coelho Ribeiro

A obra se propõe a uma difícil tarefa: unir os conceitos do Direito e da economia nesse novo campo dos estudos de regulação. Os três capítulos apresentam temas cujo crescimento exponencial do setor portuário nas últimas décadas tem levado a debates acalorados e longevos. Em linguagem didática, trazendo exemplos de como outros setores da economia e outros países encararam desafios semelhantes, o leitor encontrará uma pesquisa aprofundada, que não deixa de fora nenhum aspecto da ampla gama de visões sobre os temas tratados.

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concessões

DIREITO E ECONOMIA DA INFRAESTRUTURA
Rafael Véras de Freitas, Frederico A. Turolla, José Egidio Altoé Junior

A obra se propõe a oferecer ao leitor, a partir dos alicerces do Direito e da Economia, uma construção teórica a propósito dos novos quadrantes da regulação dos setores de infraestrutura. Cuida-se de investida acadêmica que se justifica tendo em conta um cenário de “concessões em crise” e de eclosão de novas e disruptivas tecnologias.

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Confira a versão digital


concessões

EQUILÍBRIOS ECONÔMICO-FINANCEIROS DAS CONCESSÕES
Rafael Véras de Freitas

A obra revela uma abordagem disruptiva para a edificação de um regime jurídico matizadamente brasileiro das concessões de infraestrutura. Ao longo das mais de 400 páginas, o autor se debruçou em fazer uma análise comparativo-transversal, apreciando as ascendências internacionais que inspiram o regime brasileiro de concessões, desvendando, assim, notáveis hibridismos até então pouco explorados.

Conheça a versão impressa
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concessões

CONCESSÃO DE RODOVIAS
Rafael Véras de Freitas

A obra traz, de forma sistematizada, as grandes questões envolvendo o universo das concessões, em especial, as concessões rodoviárias no Brasil.

Confira a versão digital


concessões

EXPROPRIAÇÕES REGULATÓRIAS
Rafael Véras de Freitas

A obra configura passo decisivo para o estudo dos regulamentos econômicos brasileiros. Ela apresenta novidades e ultrapassa o debate a propósito dos temas tradicionais e põe foco em outras preocupações, instalando problemática inovadora.

Confira a versão digital

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