A exposição virtual do ex-cônjuge/companheiro em razão da infidelidade e os Direitos da Personalidade

28 de março de 2023

Coluna Direito Civil

Em janeiro de 2023 a cantora colombiana Shakira lançou em parceria com o DJ Bizarrap a música intitulada como SHAKIRA (BZRP Music Sessions #53), na qual, de forma bem explícita e clara, faz alusão ao seu relacionamento com o ex-futebolista Gerard Piqué.

A letra da música, em uma passagem e com um jogo de palavras, faz alusão ao nome de Piqué, no seguinte trecho:

Entendí que no es culpa mía que te critiquen.
Yo solo hago música.
Perdón que te salpique[1].

A música teve grande repercussão na mídia exatamente por sua letra, que claramente é uma indireta – bem direta – ao ex-cônjuge e à sua atual namorada. A canção alcançou o topo das paradas musicais globais e já conta com mais de 364 milhões de visualizações na plataforma audiovisual Youtube.

No mesmo mês, a cantora norte-americana Miley Cyrus lançou a música Flowers, cuja letra retrata questões vivenciadas por ela em seu relacionamento com o ator Liam Hemsworth. Esta não foi a primeira música composta por ela direcionada ao seu ex-cônjuge, já que no ano de 2013 lançou o álbum Bangerz, em que quase a totalidade as músicas tratavam de seu relacionamento com o ator.

Referidas cantoras não foram as primeiras e não serão as últimas a escreverem e cantarem sobre suas decepções amorosas e frustrações relacionais. Mas ambas ganharam as paradas musicais e evidência na mídia atualmente, exatamente por expor de forma musical as traições de seus ex-cônjuges e como elas se sentiram com tais atos de infidelidade.

Um cenário jurídico acaba por ser colocado em evidência com tamanha exposição da imagem, nome e honra – direitos da personalidade no direito brasileiro. Surge, nesse contexto, o seguinte questionamento: Até que ponto eu posso expor o meu ex-cônjuge/companheiro(a) ou ex-namorado(a) sem violar seus direitos?

Os direitos da personalidade estão previstos nos artigos 11 a 21 do Código Civil e encontram-se encartados enquanto direitos fundamentais no artigo 5.º da Constituição Federal. Esses direitos indubitavelmente vinculam-se diretamente à noção de pessoa humana, bem como de suas emanações e prolongamentos [2]. Os direitos que se relacionam com a personalidade “[…] objetivam a tutela dos mais importantes valores da pessoa[3].

O direito à imagem, segundo a doutrina jurídica, diz respeito “à integridade psicofísica do indivíduo, tutelando tanto sua fisionomia e retrato, quanto o conjunto de características decorrentes do comportamento do indivíduo […][4]. O direito à honra está estritamente relacionado com a reputação da pessoa perante a sociedade e o direito ao nome, que compreende o prenome (primeiro nome) e o sobrenome, é juridicamente protegido em razão da importância que tem para a pessoa, que se percebe enquanto ser individual e social pelo seu nome.

Ainda que a fidelidade seja um dever de ambos os cônjuges, previsto no art. 1.566 do Código Civil (Lei nº 10.406/02)[5] o seu descumprimento não possui uma sanção jurídica, salvo em hipóteses excepcionais, a exemplo do julgado que abaixo é citado:

De início, a questão da eventual infidelidade conjugal não seria base para a indenização, mormente porque as partes sequer tinham um relacionamento com as características de união estável, embora lamentável a situação exposta e admitida pelo requerido quanto aos diversos relacionamentos paralelos. Porém, a partir do momento em que os fatos acabaram expostos e com repercussão, além do processo criminal instaurado pelo requerido, sabendo que os fatos narrados pela autora eram verdadeiros, tem-se que os danos morais estão caracterizados’

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – INFIDELIDADE EM RELACIONAMENTO AMOROSO ENTRE AS PARTES – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA – INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. Requerido/reconvinte buscando a condenação da autora/reconvinda ao pagamento de indenização pela sua exposição nas redes sociais – Recurso da autora buscando a majoração da indenização. Autora que manteve relacionamento com o requerido, depois vindo a saber que ele também se relacionava com outras mulheres, além de ser casado, embora tivessem assumido o compromisso de relação monogâmica – Alegação de ter sofrido danos psicológicos, quer pela exposição nas redes sociais e mesmo pelo processo criminal ajuizado pelo requerido, além de ter sido exposta a riscos de contrair doenças – Reconvenção na qual o requerido afirma ter sido exposto em redes sociais, causando-lhe danos. Danos morais configurados – Montante bem estabelecido, não comportando reforma – Sentença mantida – Recursos desprovidos. (TJSP, Apelação Cível n. 1008889-92.2020.8.26.0011, Relator: A.C.Mathias Coltro, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Julgamento: 27/08/2021, Data de Publicação: 27/08/2021)

Reclama-se, portanto, certa atenção em casos que envolvem a exposição midiática de problemas conjugais e/ou convivenciais, especialmente porque, atualmente, a internet faz com que situações como estas tomem proporções gigantescas, o que pode causar a reiterada violação aos direitos da personalidade e, por consequência, o eventual dever – daquele que realizou a exposição – de indenizar a pessoa que foi involuntariamente exposta. “Assim, a lesão a qualquer dos direitos da personalidade, sejam expressamente reconhecidos ou não pelo Código Civil, configura dano moral[6].

A exposição virtual da própria vida é permitida sem nenhuma consequência jurídica, contudo quando esta exposição vem a abarcar um terceiro, seja pelo qual for o motivo, existe uma flagrante violação de Direitos da Personalidade desta pessoa. A infidelidade é conduta social reprovável, mas a prática desta não autoriza o cônjuge/companheiro traído a causar lesão/dano ao outro, sob pena de ser responsabilizado civilmente por isso.

Diante desses fatos, a resposta para a indagação feita ao início do texto é clara, não se deve expor virtualmente o ex-cônjuge, ex-companheiro e/ou ex-namorado em razão da infidelidade vivenciada durante o relacionamento. Expor os fatos, mesmo que verídicos podem acarretar em lesões/ danos de ordem física e psíquica, assim podendo vir a surgir a obrigação de reparar esse dano, ou seja, da pessoa que expos a traição em rede de pagar uma quantia em dinheiro ao ex.

Observa-se que o foco do atual instituto da responsabilidade civil é a prevenção ao dano, ou seja, voltar os esforços para evitar a lesão ao bem jurídico tutelado[7]. Em razão disso, estes autores entendem que é possível a utilização do Pacto Antenupcial com o intuito preventivo, como forma de “compensar” a traição. Colocando no referido pacto a previsão de indenização para o caso de infidelidade.

Referida ferramenta foi notícia no final do mês de janeiro de 2023 onde a Justiça autorizou um casal de Belo Horizonte a prever uma multa de R$ 180 (cento e oitenta) mil reais em caso de infidelidade em pacto antenupcial[8]. Desta forma “garante-se” certa reparação financeira para aquela ou aquele que foi traída ou traído.

 


Diego Fernandes Vieira

é Professor no curso de Direito da Faculdade Maringá (CESPAR),
Doutorando pela Universidade Federal do Paraná (UFPR),
Mestre em Ciências Jurídicas (Unicesumar) e
autor de vários artigos em Direito das Famílias e Sucessões.

 


Mariana Barsaglia Pimentel
é doutoranda e mestra em Direito das Relações Sociais (PPGD-UFPR).
Advogada e professora.
Pesquisadora do Núcleo de Estudos em
Direito Civil Constitucional do PPGD-UFPR.

 

Notas

[1] Tradução livre: “Percebi que não é culpa minha que te critiquem. Eu só faço música. Foi mal que salpique em você”.

[2] TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 1: Lei de Introdução e Parte Geral. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 162.

[3] ZANINI, Leonardo Estevam de Assis. Direitos da personalidade: aspectos essenciais. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 266.

[4] EFFÉ, Chiara Antonia Spadaccini. Considerações sobre o direito à imagem na internet. In: TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochardo; ALMEIDA, Vitor (Coords.). Da dogmática à efetividade do Direito Civil: anais do Congresso Internacional de Direito Civil Constitucional – IV Congresso do IBDCIVIL. 2. ed. rev., ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 409-429. p. 411.

[5] Art. 1.566, inciso I, CC/02:. “São deveres de ambos os cônjuges: I – fidelidade recíproca; […]”.

[6] SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. rev. e atual. 3. São Paulo: Atlas 2014, p. 16.

[7] VIEIRA, Andrey Bruno Cavalcante; EHRHARDT JÚNIOR, Marcos. O direito de danos e a função preventiva. Revista IBERC, v. 2, n. 2, 2019. Disponível em: https://revistaiberc.emnuvens.com.br/iberc/article/view/56. Acesso em: 20 fev. 2023.

[8] Disponível em: https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/justica-autoriza-pacto-antenupcial-com-multa-de-r-180-mil-em-caso-de-infidelidade.htm#.Y_v5inbMIdU. Acesso em: 26 fev. 2023.

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