As novas concessões de rodovias | Coluna Direito da Infraestrutura

30 de novembro de 2021

As concessões de rodovias, no Brasil, experimentaram avanços, jurídicos e econômicos, nos últimos anos. Mais especificamente, a partir do malfado das modelagens veiculadas, no âmbito da 3 º Fase do PROCROFE (que resultou na declaração de caducidade e na relicitação de ativos relevantes[1]), constitui-se uma força tarefa (composta por membros do Ministério da Infraestrutura, da ANTT, da Empresa de Planejamento e Logística-EPL, do International Finance Corporation – IFC, da AGU, dentre outros),  para implementar profundas alterações no regime concessório das vias concessionadas. O resultado: a constituição de um novo modelo regulatório para as Concessão de Rodovias. Tal modelo vem sendo forjado, na implementação da 4ª fase do PROCROFE, notadamente, a partir dos temas que foram enderençados, pelo Acórdão 1.174/2018-TCU-Plenário, do Tribunal de Contas da União – TCU, no âmbito do qual se analisou a modelagem veiculada na Rodovia de Integração do Sul (RIS).

A concessão da BR-116/RJ/ SP e da BR-101/RJ/SP (Inova Dutra) é um exemplo saliente do, aqui, se trata.  De fato, as inovações regulatórias trazidas pelo maior projeto de Concessão de Rodovias do Brasil são resultado, em grande medida, da incorporação experimental de inovações contratuais bem sucedidas em concessões licitadas pela ARTESP – de que é exemplo saliente o lote Panorama-Piracicaba (“lote Pipa”). Dentre as principais inovações, é de se destacar o denominado Modelo Híbrido de Leilão, por meio do qual se buscou, como critério de julgamento, combinar o critério de menor valor tarifa com o de maior valor de outorga, a ser apresentado, a partir de um limitador ao deságio tarifário. Tal inovação regulatória tem por desiderato extrair do Leilão as informações necessárias a garantir a sustentabilidade econômico-financeira do projeto. Busca-se, pois, uma sinalização[2] dos licitantes de que o projeto é exequível, sem a realização de renegociações fora de um ambiente competitivo[3].  É que o aporte de recursos vultosos iniciais, por agentes privados, pode incrementar o enforcement em face de eventuais condutas oportunistas (ensejadoras da extinção prematuras dos pactos concessórios).

Outra inovação regulatória digna de nota diz com o estabelecimento de uma Conta de Reserva de Outorga, que será composta,  por um percentual sobre a receita bruta obtida pela concessão e por parte do excedente ofertado no Leilão. Cuida-se de um modelo regulatório, que tem o objetivo de criar uma espécie de “Colchão de Liquidez”, por intermédio do qual  se protegerá a sustentabilidade econômico-financeira do ativo em face do advento de efeitos,  exógenos e endógenos. De acordo com a modelagem da InovaDutra, essa conta terá por objetivos: (i) reter diferenças tarifárias provocadas pela implementação do sistema free flow; (ii) estabelecer uma reserva econômico-financeira serviente a repartir o risco cambial entre o poder concedente e a concessionária; (iii)  implementar reequilíbrios econômico-financeiros emergenciais – expediente que se mostrou necessário, máxime, após a pandemia do Covid-19; (iv)  viabilizar o Desconto de Usuário Frequente (DUF); e (v) constituir o ajuste final de resultados, ao final da concessão, a lastrear o quantum indenizatório, a ser pago pelos investimentos realizados em bens reversíveis não amortizados.

Também importou-se, das modelagens da ARTESP, o já conhecido Acordo Tripartite, por meio do qual se visa a criar um sistema de incentivos, que reduza a assimetria de informações entre o financiador do projeto e o cumprimento das obrigações contratuais[4], pelo concessionário – especialmente vocacionado para estruturas de financiamento de ativos de infraestrutura na modalidade de project finance. Tal acordo veicula uma modalidade de regulação responsiva[5], no âmbito da qual se estabelece um período em que o concessionário tem a oportunidade de sanear graves inadimplementos contratuais (período do cura); e a possibilidade de o financiador do projeto, administrar ou assumir o controle da concessão, temporariamente, com o desiderato de evitar a declaração de caducidade da concessão (período de exercício)

Cite-se, ainda, a investida da implementação de um Verificador Independente – VI na exploração da infraestrutura rodoviária. De acordo com o instrumento contratual, a Concessionária deverá contratar um Verificador acreditado como organismo de avaliação da conformidade, na forma da Portaria Inmetro nº 367, de 20 de dezembro de 2017, ou posterior regulamento aplicável sobre inspeção por organismo acreditado, e também credenciado pela ANTT. Sob o aspecto econômico, não se pode desconsiderar que os módulos concessórios veiculam uma problema de Agente-Principal[6]. Nesse quadrante, o VI busca colaborar para que o agente (concessionário) execute as metas qualitativas estabelecidas pelo Principal (regulador). Os argumentos no sentido de que o VI usurparia competências regulatórias da ANTT e de que a sua contratação, pelo Concessionário, geraria a sua “captura” não procedem. A uma, posto que a natureza da atuação do VI é instrumental, e não decisória – o que é, de todo, compatível com o ainda vigente entendimento a propósito da delegalidade de parcela do poder extroverso para o setor privado. A duas, porquanto a má-fé e captura não se presumem. Predicam, pois, de devida comprovação; do contrário, cairiam por terra todas as modelagens de soluções de conflitos (total ou parcialmente) custeadas por particulares – como a arbitragem, os dispute boards e a mediação.

Por fim, mas não menos relevante, são de se destacar as inovações trazidas no âmbito do equilíbrio econômico-financeiro do ativo licitado. De acordo com a modelagem licitada, o contrato de concessão poderá ser prorrogado, somente diante de situações extraordinárias, a critério exclusivo do Poder Concedente, por no máximo 5 (cinco) anos, para fins de reequilíbrio econômico-financeiro, em decorrência de caso fortuito, força maior, fato da administração ou fato do príncipe. O racional de tal previsão – a exemplo da adoção do  Modelo híbrido de Leilão – foi o de limitar renegociações supervenientes sobre os efeitos econômicos do advento de risco alocado ao Poder Concedente. Também, com o desiderato de se coibir condutas oportunistas nos licitantes, se previu que a inclusão das obras de Contorno Alternativo está condicionada à demonstração de vantajosidade, comparativamente, à solução de travessia urbana, considerando, inclusive, custos referentes à restauração, manutenção, conservação e operação do trecho, conforme procedimento estabelecido no Programa de Exploração de Rodovias – PER.   Para além dos já conhecidos deflatores tarifários (Fatores D, A, E, C), a modelagem previu que os efeitos das Revisões Extraodinárias e Quinquenais deverão ser aplicados sobre a Tarifa de Pedágio e a Tarifa de Pedágio do Trecho Viúva Graça, concomitantemente, com os da Revisão Ordinária. Tal previsão, para além de contribuir para a estabilidade econômico-financeira do ativo, busca a concentrar os efeitos dos desequilíbrios contratuais em marcos temporais definidos, mas sem se descurar do estabelecimento de um regime emergencial para reequilíbrios urgentes, na linha do dispõe os art.s 20 e 21 da LINDB[7].

Como se pode notar, o modelo de concessões de rodovias trazido, pela Inova Dutra, é um tanto diverso dos que estávamos acostumados a manejar até aqui. Mérito de vários agentes públicos e privados, que trabalharam duro para tirar esse projeto do papel. Tenho para mim que a sua interpretação retrospectiva não dará conta dos desafios que serão experimentados, durante a vigência dos contratos celebrados na 4ª fase do PROCROFE. Uma nova era das Concessões de Rodovia se inicia. Temos que nos preparar.

Rafael Véras
é consultor jurídicos nos Setores de Infraestrutura.
Doutorando e Mestre em
Direito da Regulação pela FGV Direito Rio.

 

Notas e referências
[1] Ver o meu FREITAS, Rafael Véras de. Concessão de Rodovias. 1° Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017.
[2] No direito brasileiro, a bibliografia obrigatória é sempre NÓBREGA, Marcos. Direito e Economia da Infraestrutura. 1.ED.. Belo Horizonte: Fórum, 2020.
[3] V. BALDWIN, Robert; BLACK, Julia. Really Responsive Regulation. The Modern Law Review, 71 (1), p. 59-94, 2008. BRAITHWAITE, John. The Essence of Responsive Regulation. UBC Law Review, 44. PEREZ, Oren. Responsive Regulation and Second-order Reflexivity: on the limits of regulatory intervention. UBC Law Review
[4] LOFGREN, Karl-Gustaf; PERSSON, Torsten; WEIBULL; Jorgen W. Markets with Asymmetric Information: The Contributions of George Akerlof, Michael Spence and Joseph Stiglitz. The Scandinavian Journal of Economics, v. 104, n. 2, p. 195-211, jun. 2002.
[5] A preocupação, como sempre, tem relação com os achados em GUASCH, J. L. Granting and renegotiating infrastructure concessions. The World Bank. 2004.
[6] SANTOS, E. M.; ARAGÃO, J. J. G.; CAMARA, M. T.; COSTA, E. J. S. C.; ALDIGUERI, D. R.; YAMASHITA, Y. Análise de desempenho em contratos de concessão rodoviária. In: XIX Congresso de Pesquisa e Ensino em Transportes, 2005, Recife. Panorama Nacional da Pesquisa em Transportes 2005. Rio de Janeiro: ANPET, 2005. v. I, p. 120-131. V. GARVIN, Michael; MOLENAAR, Keith; NAVARRO, Desiderio; PROCTOR, Gordon. Key Performance Indicators in Public-Private Partnerships A State-of-the-Practice Report. Disponível em: <https://rosap.ntl.bts.gov/view/dot/41358/dot_41358_DS1.pdf?>
[7] Confira-se: 19.10.2 A análise dos pleitos de Revisão Extraordinária somente se dará a cada 5 (cinco) anos, salvo nas seguintes hipóteses: (i) houver risco de descumprimento iminente de obrigações da Concessionária que ensejem vencimento antecipado e/ou aceleração do vencimento nos financiamentos contratados perante os Financiadores, comprovado nos termos do contrato de financiamento, desde que decorrente de risco alocado ao Poder Concedente, nos termos da subcláusula 22.2; (ii) o desequilíbrio econômico-financeiro vislumbrado, em razão da materialização de um único evento de desequilíbrio ou de um conjunto de eventos, seja superior a 5% da Receita Bruta dos últimos 12 (doze) meses anteriores ao momento do requerimento; (iii) atraso na abertura de praças de pedágio por fato que configure risco alocado ao Poder Concedente; (iv) realização, pela Concessionária, de obra ou investimento não previsto no PER para o Trecho Viúva Graça para a manutenção das condições essenciais de segurança da via e/ou do Usuário; (v) alteração do escopo inicialmente assumido pela Concessionária referente ao Trecho Viúva Graça; ou (vi) exceções previstas neste Contrato.

 

Confira também alguns títulos sobre “Direito da Infraestrutura” na loja da Editora FÓRUM:

REVISTA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA – RBINF
REVISTA DE CONTRATOS PÚBLICOS – RCP
DESESTATATIZAÇÕES
DIREITO DA INFRAESTRUTURA – TEMAS DE ORGANIZAÇÃO DO ESTADO, SERVIÇOS PÚBLICOS E INTERVENÇÃO ADMINISTRATIVA

LEIA OUTROS TEXTOS DESTA COLUNA

Deixar uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *