Caio Augusto Nazário De Souza
é advogado e membro da Comissão de
Infraestrutura e Desenvolvimento
Sustentável da OAB/PR.
A prestação dos serviços de saneamento básico precisa evoluir constantemente. Neste aspecto a universalização destes serviços deixou de ser uma fábula para tornar-se uma meta com prazo determinado e a Lei 14.026/2020 impõe esse dever. Mesmo que tardiamente o estado brasileiro reconheceu sua incapacidade econômica e agora por força de lei deve adotar medidas que objetivam a atração de investimentos no setor em âmbito nacional e internacional.
A atratividade do mercado depende de diversos fatores, mas a segurança jurídica e a minoração do “custo Brasil” devem sempre ser o norte principal de esforços conjuntos. Especialmente considerando a necessidade de aportes estrangeiros em nosso setor. Se para nós brasileiros a segurança jurídica é um estado de nirvana que todos conhecem, pregam, mas já não acreditam mais, para o capital internacional este é um requisito essencial para que se possa decidir por investir ou não em um país.
Em setores que carecem de investimento a concessão à iniciativa privada parece ser um dos melhores caminhos, mas como todo setor que envolve interesses difusos a regulação do meio mediante agências técnicas autônomas e independentes não só é um requisito de segurança como uma necessidade.
Neste sentido a Lei 14.026/2020 trouxe importantes avanços, em especial, a forma de federalização das diretrizes regulatórias à Agência Nacional de Águas foi um grande passo para que seja conferida maior autonomia a estes regulatórios.
Quanto à competência, diante da inovação trazida que ainda não teve tempo hábil de ser testada, num primeiro momento parece que esta norma encontra guarida no texto constitucional. Inclusive, um mês após a promulgação da Lei, tivemos a primeira indicação de constitucionalidade das normas sinalizada pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.492/DF. Na ocasião, através do voto do Eminente Ministro Luiz Fux, ao indeferir, liminarmente, o pedido de medida cautelar formulado, ainda que em caráter perfunctório, restou reconhecida a constitucionalidade dos dispositivos que ampliam a competência federal da ANA para regulamentar diretrizes em matéria de saneamento.
Quanto a este ponto, importante se restringir o conceito de diretrizes, pois ao estabelecer estas normas, o novo marco impõe a ANA o dever de se atentar à competência compartilhada de todos os entes da federação quando o assunto é regulamentação dos serviços de saneamento, mas firme nesta premissa, deve fixar as diretrizes fundamentais que deverão ser, necessariamente, observadas por todos os demais entes. De tal modo, assim como ocorre no caso da competência privativa da União para instituir diretrizes para o saneamento (nos termos do art. 21, XX), esta regulamentação não parece violar competência ou gerar eventual conflito federativo. É possível extrair do novo marco que o papel da ANA será elaborar parâmetros amplos e gerais sobre o tema, mas que terão de ser observados e seguidos por todas as demais agências, o que é constitucional.
Por hora, superando este primeiro entrave, a federalização das diretrizes regulatórias tende a garantir ainda mais autonomia e independência às agências regulatórias locais frente a um dos maiores males da regionalização dos serviços: a captação política destas agências.
Em tese, a escolha da federalização pela Lei 14.026/2020 tem por consequência impedir ou ao menos minorar a captura sistêmica das agências reguladoras do setor, pois ao se federalizar as normas de referência, algumas medidas anteriormente utilizadas como forma de captação, tornam-se vinculadas a uma premissa macro e independente, preservando-se, os espaços de autonomia de cada localidade, evitando, assim, que se alterem as “prioridades” em matéria de saneamento a cada quatro anos.
A partir de agora teremos a centralização das decisões nucleares em relação aos serviços de saneamento prestados, reduzindo, assim, i) a possibilidade de que as diretrizes emanadas pela ANA sejam desrespeitadas ou “desautorizadas” pelas demais agências locais, bem como ii) teremos a ampliação da transparência das atividades regulatórias prestadas pelas agências locais, tendo em vista que, quando menos, competirá à ANA fiscalizá-las a ponto de buscar o atendimento às diretrizes postas pela agência federal.
Neste enfoque, espera-se que a federalização das diretrizes regulatórias trazida pela Lei 14.026/2020 contribua para o fortalecimento da autonomia e da independência de todas as agências reguladoras, suprindo carências locais que corriqueiramente dão azo à captura destas entidades, em detrimento do interesse público e do atingimento de metas. Por consequência, estas alterações tendem a prestigiar a previsibilidade das relações entre os setores público e o privado em benefício da tão esperada segurança jurídica. É o que se espera.