“Uma coisa que comecei a me interessar aqui dentro foi por ser advogada. Tem muita coisa errada e eu queria poder ajudar. Fazer diferença para as pessoas”. O “aqui” a que Luíza, 18 anos, se refere é a Fundação Casa, onde a jovem cumpre medida socioeducativa há dez meses. No fim do ano, para conseguir o certificado de conclusão do ensino médio e tentar a sonhada vaga fará a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para pessoas privadas de liberdade, que acontece nos dias 3 e 4 de dezembro.
Luíza é de Charqueada, a 185 km de São Paulo, e parou de estudar no 1º ano do Ensino Médio após repetir por causa de faltas. “Eu não estava interessada em continuar a estudar, estava envolvida com algumas coisas erradas. Foi uma fase de adolescente”, resume sobre a época em que deixou os estudos e sobre o envolvimento com o crime. Foram as professoras que dão aula dentro da fundação que a alertaram sobre a possibilidade de fazer o Enem para conseguir o certificado de conclusão de ensino. A menina se animou e resolveu tentar.
E ela não é uma exceção. Apenas na unidade da Fundação Casa Chiquinha Gonzaga, na Mooca (uma das quatro unidades femininas do Estado), 14 jovens farão a prova. No País, neste ano, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), serão 30 mil participantes.
O chamado “Enem dos presídios” segue o mesmo formato da prova regular – são 45 itens de ciências humanas, 45 de ciências da natureza, 45 de linguagens e 45 de matemática, além da redação. A diferença para a prova que aconteceu no final de outubro é o conteúdo das questões.
Assim como as demais meninas, Luíza acorda por volta das 5h, toma banho, café da manhã e começa a participar das atividades. Na parte da manhã, tem aula normal e depois ocupa o tempo com outras atividades, como esportes, teatro, música e também as profissionalizantes, como telemarketing e informática básica. Fora da sala de aula, então, sobra pouco tempo para o estudo. Neste mês, farão um simulado para se acostumar com o Enem.
A coordenadora pedagógica da unidade, Rosana Maria Roza, explica que Luíza estuda em uma sala de aula com cerca de oito meninas e que todas que estão no Ensino Médio, independente do ano, ficam na mesma sala. Quando chegam ao local passam por um exame para saber em qual nível estão.
Nos fins de semana, a biblioteca fica aberta para que as meninas peguem livros. Luíza aproveita, então, o tempo livre para ler com a amiga Juliana, que há seis meses também está cumprindo medida socioeducativa no local.
Juliana tem 17 anos e está no 3º ano do Ensino Médio. Quando foi detida estava estudando e agora deve terminar a escola dentro da Fundação Casa. Ela, que sempre quis fazer uma faculdade, conta que vai prestar para Turismo. “Eu achava que ia fazer Biologia, mas mudei de ideia aqui. Gosto muito de eventos e minha irmã, que é fotógrafa, disse que vai me ajudar”, afirmou.
Diferente da família de muitas meninas, que recebem poucas visitas dos parentes (as coordenadoras da Fundação avaliam que cerca de um terço das meninas recebam visitas regularmente), a irmã e a mãe de Juliana costumam visitá-la todos os domingos.
Outra interna, Rafaela, 18 anos, não consegue ver a mãe e a avó com tanta regularidade. Isso porque, explica, a avó mora em Campinas, a 93 km de São Paulo, e a mãe atualmente vive em Goiânia. “Minha mãe vem sempre que pode, uma vez por mês me visita, são 13 horas de viagem. Ela e minha avó estão muito animadas que decidi prestar a prova. Depois de tanto desgosto, quero dar coisas boas para elas”, conta.
Quando foi detida, Rafaela morava com a avó e os dois filhos – gêmeos, de três anos. Após “se perder”, Rafaela deixou a escola na metade do 3º ano do Ensino Médio, pouco antes de ser detida. Lá descobriu que não tem dúvida do que quer fazer quando deixar a Fundação: cursar pedagogia.
“A minha maior esperança é poder mudar de vida mesmo. Ninguém merece ficar em uma Fundação Casa ou em um CDP [Centro de Detenção Provisória]. O mundo no crime não compensa. Além disso, tenho meus filhos. Quero montar um futuro para eles, quero dar alegria. Dizem que o pai é o espelho do filho. Quero ser um bom exemplo”.
Fonte: Portal IG
Por Julia Carolina – iG São Paulo