Nos dias 18 a 22 de setembro de 2023 ocorreu em Poços de Caldas, Estado de Minas Gerais, o 51º Congresso Nacional de Saneamento Básico da Assemae.
A Assemae, para quem não está habituado com o termo, é a Associação dos Serviços Municipais de Saneamento, uma organização sem fins lucrativos, criada em 1984, que busca o fortalecimento e o desenvolvimento dos serviços municipais de saneamento responsáveis pelos sistemas de abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e drenagem urbana.
Com o intuito de reunir os municípios para debater políticas públicas de saneamento básico e trocar conhecimento técnico entre os profissionais envolvidos na área, a Assemae realiza anualmente o Congresso Nacional de Saneamento da Assemae.
O recente Congresso, ocorrido em Poços de Caldas como acima mencionado, foi um sucesso, trazendo diversos temas relevantes para as mesas redondas e palestras técnicas, com profissionais engajados e de dedicada experiência no meio, bem como, painéis refletindo os desafios diários que as companhias de saneamento enfrentam.
Dentre os destaques, a Mesa Redonda com o tema pioneiro na Assemae “Os desafios das Parcerias Público-Privada para a universalização do esgotamento sanitário”, ganhou minha especial atenção.
O tema foi Coordenado pelo Presidente da Regional São Paulo da Assemae, Waldo Villani Júnior e teve como convidados o Diretor Superintendente de Gestão da DAE S.A. de Jundiaí-SP e Diretor de Desenvolvimento Associativo de Água e Esgoto da Assemae, Evandro Biancarelli, o Diretor-presidente da Companhia de Saneamento de Jundiaí – CSJ, Luiz Pannuti Carra, o Diretor-geral do DMAE de Porto Alegre-RS, Maurício Loss, o Gerente Executivo da FGV Projeto, Charles Sharram, o Professor e Coordenador de Projetos da FESPSP – Especialista em Saneamento Ambiental e Coordenador Técnico do MBA de Saneamento Ambiental, Elcires Pimenta Freire e o Gerente Nacional de Desenvolvimento de Parcerias e Serviços Especiais para Governo – Caixa Econômica Federal, Felipe Teles Izabel da Cunha, todos exímios profissionais envolvidos com a parceria entre o ente público e o privado.
Trazer as Parcerias Público-Privada como pauta à Assemae imagino ter sido desafiador para os organizadores do evento, uma vez que ainda existe resistência de alguns gestores que pensam que realizar uma parceria público-privada é o mesmo que privatizar o saneamento.
Longe disso, embora o termo privatização vem sendo utilizado de forma equivocada para diferentes negócios jurídicos realizados entre o poder público e entes privados, a verdade é que a privatização, em resumo, é a venda de ativos públicos, ou seja, a venda de uma empresa ou um bem de propriedade do Poder Público. Na privatização o bem não retorna para o poder público depois de determinado tempo e a titularidade do serviço público prestado passa a ser do ente privado.
Bem diferente disso, na Concessão (e aqui esclareço que a Concessão Comum, a Parceria Público Privada Patrocinada e a Parceria Público Privada Administrativa são espécies de Concessão), a titularidade do serviço permanece sendo do Poder Público e quando extinta a concessão, os bens são revertidos para o ente.
Dito isso, esclareço que quando um município realiza uma concessão, independente do modelo adotado, ele permanece sendo o titular de direitos e deveres na prestação do serviço público de saneamento, não havendo motivo, portanto, para que os gestores municipais receiem realizar parcerias com o ente privado, acreditando que estarão privatizando o serviço e perdendo o controle das competências legislativas e administrativas do serviço.
A organização do 51º Congresso da Assemae foi desbravadora ao trazer o tema para debate, e melhor que isso, trazer diferentes atores que possuem papel fundamental em uma concessão. Para a mesa redonda, os organizadores do evento convidaram representantes de instituições que estudam a viabilidade de uma concessão e desenvolvem o modelo mais adequado à aplicação no caso concreto, salientando que as modelagens necessitam de um grupo multidisciplinar pois envolvem aspectos técnicos, jurídicos, econômico-financeiro, e demais, todos indispensáveis para o sucesso da contratação futura.
Os organizadores se preocuparam igualmente em trazer para debate um representante de agente financiador desses projetos, demonstrando que os próprios agentes financiadores possuem planos para apoiar a estruturação e o desenvolvimento de novas concessões.
Debateu, ainda, à mesa, o Presidente do Dmae de Porto Alegre, que vem somando esforços para a realização de concessão de parte do saneamento no município visando atender o novo marco legal que exige a universalização até 2033, sem necessitar majorar as tarifas de água e esgoto aplicadas no município, demonstrando que mesmo nos casos em que não exista a exigência em lei, o envolvimento e aceite da população se faz ferramenta importante para ocorrer a concessão.
Uma vez que a Assemae apresentou um case em estágio pré concessão, em que se estudou a possibilidade e necessidade de uma concessão para atender a obrigatoriedade da universalização do saneamento (DMAE de Porto Alegre), bem como, a indispensabilidade dos atores que estruturam a modelagem para o projeto de Concessão (por meio dos representantes da FGV Projetos e FESPSP) e a atuação dos agentes financiadores (por meio do representante da CEF), a organização brilhantemente complementou o debate com a participação de representantes de uma concessão que ocorreu no saneamento no ano de 1996 no Município de Jundiaí, trazendo um representante do Poder Concedente e um representante da Concessionária para explanar sobre o case de sucesso, sem contudo deixar as duas partes de elencar as dificuldades encontradas ao longo dos 25 anos de Concessão. Os representantes da DAE Jundiaí e da CSJ demonstraram que uma concessão precisa originar de uma modelagem bem elaborada, prever uma matriz de riscos completa e ser imbuída da boa-fé, função necessária dos contratos.
Pois bem, esclareço agora porque o tema tem tanta relevância no cenário atual. A Lei nº 14.026/2020, conhecida como o novo Marco Legal do Saneamento, é uma alteração à Lei nº 11.445/2007 e tem como objetivo minimizar ao máximo o número de pessoas sem acesso ao saneamento básico no Brasil.
Dentre os objetivos previstos na lei, está a universalização dos serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto até o ano 2033, garantindo que 99% da população tenha acesso à água potável e 90% tenha acesso à coleta e tratamento de esgoto.
No entanto, o número de pessoas sem acesso à água potável e coleta de esgoto é demasiado. De acordo com dados do SNIS de 2021, 33 milhões de pessoas vivem sem acesso à água tratada e 93 milhões sem acesso à coleta e tratamento de esgoto. Estes números são tão elevados que impedem o Estado de sozinho atingir a universalização do saneamento dentro do prazo estipulado.
Em se tratando o saneamento de uma urgência para o país, as parcerias entre o ente público e o ente privado mostram-se uma alternativa a ser considerada pelos gestores.
Nas concessões de modo geral (sem aqui detalhar a diferença entre os tipos de concessão) o ente privado investe dinheiro para execução de uma obra e/ou prestação de serviço e é remunerado por meio de tarifa paga pelo usuário diretamente à Concessionária ou pelo parceiro público. E aqui está o que interessa para o Poder Público. Diferente de executar as obras de infraestrutura de forma direta, em que o ente investe de imediato o valor da obra ou realiza empréstimo limitado e com contrapartida com agentes financiadores, aqui o investimento é vultuoso e a remuneração ao ente privado diluída.
Sendo assim e confessando que não gosto de usar estes termos “modinha” (embora a frase em questão tenha origem no ano de 1962), a Assemae trazer a parceria entre o ente público e o setor privado para discussão em seu Congresso é uma “quebra de paradigmas”, que deve ser reconhecida, e o assunto deve passar a ser avaliado pelos gestores na área de saneamento, principalmente, aqueles que estão à frente de municípios com baixos índices de abastecimento de água tratada e/ou coleta e tratamento de esgoto.
As soluções para a universalização do saneamento estão por aí!
Autora: Greicy Paola Farias Fronza
Assessora Especial na DAE S.A. – Água e Esgoto em Jundiaí. Advogada. Especialista em Direito Público (CESUSC). MBA em Licitações e Contratos (IPOG)
Artigo originalmente publicado no portal Jota.
Aprofunde-se sobre o tema
Conheça algumas obras imprescindíveis para a compreensão dos desafios relacionados ao Novo Marco Legal do Saneamento Básico.
Saneamento Básico uma Lei e um Marco, coordenada por Augusto Neves Dal Pozzo, Geninho Zulian
Promulgou-se, recentemente, no Brasil, a inovadora reforma do Marco Regulatório do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/20), com o fim de promover, finalmente, a universalização de serviço público fundamental ao desenvolvimento econômico e social do País.
A obra que ora se apresenta ao mercado editorial brasileiro, conformada por um conjunto especialíssimo das principais autoridades do setor, é fundamental para contribuir com a intepretação de aspectos desafiadores do setor de saneamento básico, servindo como mecanismo fundamental para todos aqueles que se encontram cingidos às suas normas jurídicas.
Assessoria de Comunicação disse:
A Assemae não teve qualquer relação com a produção deste texto, não foi contactada para fornecer dados, não tem nenhuma responsabilidade sobre as informações apresentadas e o posicionamento institucional sobre o saneamento público municipal não mudou, sendo uma determinação estatutária. O que a Assemae defende é a titularidade pública dos serviços municipais de saneamento.