30 anos do Estatuto da Advocacia

6 de agosto de 2024

O Estatuto da Advocacia e da OAB acaba de completar trinta anos. Entrou em vigor em 5 de julho de 1994. Antes tinha tramitado por três anos, sendo um ano dedicado à elaboração e aprovação do anteprojeto pelo Conselho Federal da OAB, amplamente discutido pelos advogados e suas entidades em todas as unidades federativas, e dois anos de tramitação no Congresso Nacional e de sanção presidencial. Foi uma das leis mais democraticamente debatidas, após a Constituição de 1988.

A OAB foi criada legalmente em 18 de novembro de 1930, mediante o Decreto n.º 19.208, tendo sido aprovado seu Regulamento em 14 de dezembro de 1931 (primeiro Estatuto da OAB). Em 27 de abril de 1963 foi sancionada a Lei n.º 4.215 (segundo Estatuto da OAB). Curiosamente cada um perdurou por pouco mais de trinta anos. Espero que o atual continue sua trajetória por muito tempo.

A proposta de elaboração de um novo Estatuto – que atendesse às novas necessidades que a realidade impunha à advocacia brasileira e que projetasse ao futuro o adequado disciplinamento da profissão, coerente com as transformações políticas, sociais e econômicas que se tinham acumulado no panorama nacional – procurava rever, redefinir e atualizar os aspectos e perfis profissionais, além da estrutura da OAB, que não estavam contemplados ou eram considerados insatisfatórios na Lei n.º 4.215/63.

A advocacia havia mudado muito desde então e havia fortes exigências de redimensionamento das finalidades institucionais da entidade, após a redemocratização do país.

Alguns anos antes do anteprojeto do atual Estatuto houve duas iniciativas, mediante comissões do Conselho Federal da OAB, com objetivo de reforma da legislação anterior. Porém, não conseguiram concluir seus trabalhos em razão de já haver se consolidado no meio da classe a convicção de que a reforma seria insuficiente, impondo-se a necessidade da elaboração de nova sistematização legal que contemplasse as transformações ocorridas ao longo das seis décadas dos dois primeiros Estatutos, como demonstrava a quantidade de projetos de leis em análise pelo Congresso Nacional – 124 projetos tramitavam nessa ocasião. Participei de ambas as comissões, nomeadas pelos Presidentes Nacionais Márcio Tomaz Bastos (1987-1989) e Ophir Filgueiras Cavalcante (1989-1991), sendo relator da segunda, e vivenciei esse conflito entre reformar o antigo ou construir o novo.

Finalmente, nas sessões de 13 e 14 de maio de 1991 do Conselho Federal da OAB, sob a Presidência de Marcello Lavenère Machado, que incluiu o novo Estatuto entre as prioridades de sua gestão, foi eleita a Comissão de Sistematização do anteprojeto, integrada pelos Conselheiros Federais Paulo Luiz Neto Lôbo (AL) (coordenador e relator geral), Júlio Cardella (SP), Eli Alves Forte, (GO) Jayme Paz da Silva (RS) e Elide Rigon (MS), e aprovados o regimento interno regulador dos procedimentos de elaboração (que passou a ser chamado de “regimento da estatuinte”), além do cronograma de seus trabalhos.

A Comissão de Sistematização, com apoio da Diretoria Nacional da OAB, mobilizou os advogados de todo o País recolhendo propostas e sugestões. Após elaborado o texto básico do anteprojeto pela comissão, foram apresentadas cerca de 700 emendas, encaminhadas por órgãos e entidades da advocacia e por advogados individualmente, de todo o país.

Promovida a análise das sugestões e emendas, a Comissão de Sistematização elaborou novo texto do anteprojeto, que foi submetido ao Conselho Federal da OAB, abrindo-se prazo para apresentações de emendas pelos Conselheiros Federais, apreciadas em quatro sessões especiais, durante os meses de março e abril de 1992. Em 17 de abril de 1992, o Conselho Federal aprovou o texto definitivo do anteprojeto a ser enviado ao Congresso Nacional. O texto aprovado foi submetido à revisão gramatical do filólogo Antônio Houaiss

No dia 28 de maio de 1992, as lideranças dos advogados, de várias regiões do país, juntamente com o Conselho Federal da OAB, sob a liderança do Presidente Nacional Marcello Lavenère Machado, acompanharam a entrega do projeto de lei (recebendo o nº 2.938/92), que foi subscrito por 74 Deputados Federais, tendo à frente o então Presidente da Câmara de Deputados Ulisses Guimarães.

Tramitando por quase dois anos na Comissão de Constituição e Justiça, cujo relator foi o Deputado Nelson Jobim (RS), o projeto foi aprovado, com a adição de 43 emendas de mérito, no dia 10 de maio de 1994. O Senado Federal, por sua vez, tendo como relator o Senador Iram Saraiva (GO), aprovou o projeto que recebeu o n.º 88/94 em junho de 1994, sem emendas de mérito, aprovando doze emendas de redação.

A sanção pelo Presidente da República Itamar Franco ocorreu em 4 de julho de 1994, em sessão especial no Palácio do Planalto, com a presença de duas centenas de representantes da advocacia brasileira lideradas pelo então Presidente Nacional José Roberto Batochio, sem qualquer veto ao projeto.

No dia 5 de julho de 1994 foi publicada a Lei n.º 8.906/1994, entrando imediatamente em vigor. Com fito de regulamentar o art. 133 da Constituição Federal, compartilhava a concretização do ideário de lutas pela cidadania e a reafirmação da destinação democrática dos advogados brasileiros.

O novo Estatuto foi dividido em duas partes distintas (ou dois estatutos) uma destinada à atividade da advocacia (ou Lei Orgânica da Advocacia) e outra à ordenação da OAB (natureza sui generis de serviço público sem vínculo com a Administração Pública, finalidades corporativas e político-institucionais e estrutura abrangente de todos seus órgãos).

Também, adotou como regra remeter ao Regulamento Geral todas as matérias que não configurasse reserva legal, delegando-se competência ao Conselho Federal da OAB para editá-lo, sem necessidade de decreto presidencial. Pela mesma razão e inspiração, a ética da advocacia foi objeto de disposições legais distintas: as matérias consideradas como infração disciplinar foram mantidas na lei (o Estatuto) e o campo da deontologia profissional foi destinado ao Código de Ética, composto por normas mandatórias e não de recomendação de condutas, como era o anterior.

O Regulamento Geral foi aprovado nas sessões de 16 de outubro e 6 de novembro de 1994. O Código de Ética e Disciplina foi aprovado pelo Conselho Federal em 13 de fevereiro de 1995 e publicado em 1º de março, adotando caráter normativo, e não apenas indicativo das condutas ético-profissionais.

Vários foram os pontos inovadores do novo Estatuto da Advocacia e da OAB – que assim passou a ser denominado como: (1) A obrigatoriedade do exame de ordem para ingresso na advocacia; (2) A garantia de inviolabilidade do advogado no exercício profissional e sua indispensabilidade para postulação perante o Poder Judiciário, de acordo com o art. 133 da Constituição; (3) A ampliação do sistema ético-disciplinar e a criação de Tribunais de Ética e Disciplina em todos os Conselhos Seccionais, com poder decisório (antes tinha função apenas indutora); (4) A simplificação das hipóteses de incompatibilidade e impedimento para o exercício da advocacia, com enunciação taxativa, evitando-se os conceitos indeterminados; (5) O disciplinamento da atividade advocatícia do advogado empregado e do advogado associado; (6) A competência de registro público das sociedades de advogados; (7) Descentralização das competências entre os órgãos centrais e os locais da OAB.

A atividade privativa de advocacia como garantia das partes, no Estatuto, compreende não apenas a postulação em juízo – salvo as exceções legais – mas igualmente as atividades de consultoria e direção jurídicas, a advocacia preventiva e extrajudicial e a representação profissional perante a administração pública.

O Estatuto da Advocacia prossegue seu caminho virtuoso, com atualizações legislativas tópicas que se fizeram necessárias, mas que mantiveram suas características estruturais e funcionais, enriquecidas com as orientações adotadas pela jurisprudência dos tribunais, notadamente os superiores.


Paulo Lôbo

Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Professor emérito da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Foi Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

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