A sociedade digital e as fakes News: a monopolização da verdade e a indústria do algoritmo

20 de fevereiro de 2024

A sociedade contemporânea está inclusa em um regime informacional monopolizado pela grande marca algorítmica. Neste diapasão, emerge a discussão sobre os limites do que é verdade e o que é fake News. Não restam dúvidas que o mal do século é o desencontro do que é fato e do que não é, mas frente a um regime de informação democrático, há nuances que impossibilitam a relativização de certas liberdades constitucionais outorgadas ao indivíduo.

É justamente neste pensamento que surge a enigmática sociedade digital e as suas problemáticas das fakes News. Há aqui um contrapasso da verdade que está consolidada nas mãos dos detetores do poder social, e a verdade veiculada de fato. Nesse sentido, Han explica que a informação conscientemente é rejeitada sem que haja importância dos efeitos deletérios da sua ausência, já que as informações falsas preponderam com força das teorias da conspiração que coloca em xeque a verdade desacoplada da realidade (Han, 2022, pág. 81).

Com isso, é evidente a incerteza do que é a informação, haja vista a preponderância de uma Infocracia enraizada no ouvi dizer, ou a na verdade criada para sensacionalizar algo que o algoritmo do big data pode expandir para atingir os seus destinatários. Deixa-se claro que não há um check list do que é a verdade e o que é a mentira, mas um contrapasso de anseios individuais que manipula os bots da informação.

Bucci (2023, pág. 16) denota o poder da informação e a sua insegurança frente a incerteza do que é verdade, dado que o seu processamento pode sofrer intercorrências que influencia a essência do que deveria ser de fato:

Nesse percurso, foi se desenhando a premissa de que as duas grandezas – a da informação e a da incerteza – deveriam ser proporcionais entre si, pois o tamanho da informação teria de ser equivalente ao tamanho da incerteza que ele resolvia. Aquela altura, não seria descabido considerar que, se soubessem calcular a incerteza inicial, poderiam usar os mesmos padrões para calcular a informação. Conclusão: quem quiser estimar o volume da informação teria que mensurar, antes, o volume da incerteza. Para as duas, a conta seria uma só.

Neste contexto, a mídia digital é a fonte da informação precípua. É claro que nem sempre o que se produz é a verdade, dado que os fatos podem ser baseados em opiniões que cumulam em um achismo do seu interlocutor. Neste diapasão, surge a dicotomia da liberdade de informação e a verdade: como conciliar um direito a um pressuposto factual cumulado a um ideário sociocultural?

É uma pergunta enigmática, já que seria necessário relativizar um direito que já encontra limitações materiais para o seu exercício. Aqui, urge ressaltar que qualquer limitação fora dos padrões constitucionais vigentes ocasionaria em censura, que sem sombras de dúvidas desencadearia em uma ruptura aos anseios democráticos instituídos em 1988.

Sobre isso, Bucci (2022, pág.38) aponta que

As fakes News – que agora vitimam o debate público no mundo todo como um vírus que inverte os vetores dos processos democráticos – constituem outra modalidade de mentira. Incrível como, como até agora essa noção não foi assimilada. Nas fakes News, a primeira fraude se refere a natureza daquele relato. Antes de dizer uma verdade ou uma mentira, as fakes News falsificam a sua condição: apresentam-se como enunciados produzidos por uma redação profissional, mas não são isso… São News falsificadas, mais ou menos como existem as notas de dólar falsificadas. A sua origem é desconhecida… Impossível reclamar sobre o seu conteúdo.

Neste viés, eclode a ideia da soberania digital e a internet como ‘terra sem lei’, já que o algoritmo produzido pela inteligência artificial possui grandes aparatos de uma engenharia calculada para atingir as pessoas vulneráveis a tal informação que causa anseio de repulsa ou emoção aos seus destinatários. Isso sem sombras de dúvidas demonstra o poder dos cliques na internet, que pode perceber os seus gostos e os seus interesses, fazendo com que o ambiente digital torne-se um laboratório propicio para a publicidade da informação almejada (O’NEIL, 2020, págs. 118-120).

A cultura moderna afasta os aparatos de fiscalização comum para dar lugar a uma falsa ideia de soberania digital, já que o que se busca é atingir alvos fáceis, que podem vir em manadas e cultivar aquela informação que pode esta deturpada, pois a vontade soberana da internet pode não ser a verdade, mas o comodismo pela busca do que pode ser visto e apreciado por todos assim o faz ser consagrada.

Quem mente de maneira consciente e se contrapõe a verdade, legitima essa última de modo paradoxal. Mentir é possível apenas ali, onde diferenciação de verdade e mentira se mantem intacta. O mentiroso não perde referencia a verdade. Sua crença na realidade não é impactada. O mentiroso não é um niilista. Não põe a própria verdade em questão. Quanto mais resolutamente mentir, mais a verdade é comprovada (HAN, 2022, pág.84).

É nesta seara, que nasce a preocupação pela busca pela verdade real e as consequências das fakes News no processo informacional ante o monopólio da infocracia. É urgente denotar os efeitos estigmatizantes que uma má informação pode causar na sociedade e na vida individual de cada ser humano. Isso porque a sociedade atual está entrelaçada a uma rede digital que propulsiona o Big Data.

Resta evidente que a regulamentação do ciberespaço é algo urgente e que demanda cuidado no seu desenvolvimento, já que o regime de informação abarca direitos consagrados e as políticas internas que as próprias redes sociais impõem na internet. Neste sentido:

as práticas comuns de autocontrole e autorregulamentação sustentadas diretas ou indiretamente pelas redes sociais não se submetem a nenhuma sanção de direito de nenhuma soberania, como se fossem capazes de ferir o atributo da indivisibilidade ao requererem, para si, a reserva de poder resolver, em última instancia, na sua esfera de atuação fática – sob o argumento de inevitabilidade tecnológica ou de estado de natureza dos seus códigos (MACEDO, 2023, pág.129).

Logo, é plausível reconhecer que a cultura emergida nos ambientes digitais pode propiciar, em alguns cenários, uma espécie de freio para o atuar estatal na regulamentação da fakes News. Como filtrar o que pode ser dito ou não por um individuo, num ambiente que consagra a liberdade de expressão como garantia fundamental? Reconhecer limites não é tarefa fácil.

Neste ponto, não se perca de vista que a internet, ao mesmo tempo em que tem se mostrado um ambiente propício para a evolução humana, também é palco para enaltecer situações de insegurança quando há conflito de interesses em prol da defesa do direito à informação e a verdade.


Referências

BUCCI, Eugenio. News não são fake – e fake news não são news. Org. Mariana Barbosa – Pós-verdade e fake news. Editora Cobogó, 2022.

BUCCI, Eugenio. Incerteza, um ensaio: como pensamos a ideia que nos desorienta (e orienta o mundo digital). 1 ed. Belo Horizonte: Autentica, 2023.

HAN, Buyng – Chul. Infocracia: Digitalização e a crise da democracia. Editora Vozes, 2022.

MACEDO, Arthur. Soberania Digital: liberdade de expressão, autorregulamentação e notícias falsas. 1 ed. Santana do Parnaíba: Editora Manole, 2023. O’NEIL, Cathy. Algoritmos de Destruição em Massa. Editora Rua do Sabão, 2021.


José Cledson Paciência Teles

Mestrando em Direito Público pela Faculdade de Direito de Alagoas – FDA/UFAL. Advogado. Procurador Legislativo na Câmara de Vereadores de Minador do Negrão – AL.


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