O novo marco regulatório completou há pouco tempo três anos de existência, continuando a ser um forte indutor de mudanças e influenciador da participação de investidores e operadores privados na prestação dos serviços de saneamento básico, notadamente abastecimento de água e esgotamento sanitário. Entretanto, uma pergunta que pode ser posta: o que está sendo feito para que os modelos implantados ratifiquem as metas de universalização do novo marco?
Sendo este o seu grande objetivo, seria importante observar como se comportam alguns de seus pilares de sustentação, a seguir comentados:
- Regionalização: o cenário atual mostra que praticamente todos os Estados criaram suas leis estaduais seguindo os modelos preconizados no marco regulatório, com preferência por microrregiões de saneamento básico que limitam a saída de municípios destas unidades. Porém, a relação com os municípios antes e depois da regionalização é um desafio não tratado até agora;
- Regulação: a inclusão da ANA e sua transformação em Agência Nacional de Águas e Saneamento ainda não se consolidou, nem transferiu para as agências infranacionais condições para que atuem em defesa do equilíbrio das relações econômicas entre o cidadão e o prestador de serviço. Normas de referência atrasadas e avanço das concessões, geram riscos para o cidadão e para os operadores pela manutenção de critérios não padronizados de regulação;
- Participação do setor privado: apesar das expectativas de que o “apetite voraz do mercado” financeiro acelerasse a concessão dos serviços para operadores privados, o que se vê é que são as mesmas empresas que atuam no Brasil há mais de 20 anos que se arriscam a enfrentar os modelos postos no mercado. A imagem desenhada e alimentada ainda por alguns, sobre a invasão de investidores e operadores privados estrangeiros não se confirmou, nem parece ser uma tendência. Ao contrário disso, empresas nacionais desconhecidas e de menor porte, começam a ocupar mais espaço em regiões onde estão os ditos municípios inviáveis, em um movimento que pode fortalecer a universalização de modo mais pontual.
Ultrapassados esses três anos, também seria interessante conhecer como estão os serviços e contratos em Alagoas, Rio de Janeiro e Amapá, afinal, estas concessões seguem sendo apresentadas como sucesso por causa das inexplicáveis outorgas pagas, embora todas tenham características bem diferentes quando se consideram as condições anteriores à concessão para empresas privadas e o que foi projetado para elas.
Como estão as tarifas nesses Estados? Os índices de atendimento melhoraram? A regulação tem avaliado o desempenho das concessionárias? E os investimentos? O fornecimento de água pela empresa pública está atendendo o previsto e esperado pela concessionária privada? As áreas rurais e povoados excluídos do modelo de concessão, como estão sendo atendidos agora?
O século XXI confirmou o que o final do século passado já apontava sobre a estagnação dos índices de atendimento e cobertura com água, sobre o crescimento lento dos mesmos índices para esgotamento sanitário e as limitações evidentes na maioria das Companhias Estaduais, para garantir que se alcançariam índices melhores e de crescimento regular, para chegar a 2030 cumprindo as metas dos ODS.
Como já dito em outros textos, o novo marco regulatório provocou um movimento de mudanças tão interessante que hoje, muitos municípios, de porte populacional e condições econômicas ditas pouco atrativas ao “apetite voraz do mercado”, já fizeram sua licitações, na B3 ou não, e abriram PMIs ou contrataram estudos diretamente ou via BNDES, para estudar formas de contratar um concessionário privado.
A solução adotada pelo Governo do Rio Grande do Sul mostra que há outros caminhos a utilizar para inserir as empresas privadas na prestação dos serviços de saneamento básico, bem como o que o Governo do Estado de São Paulo vem divulgando sobre a solução que poderá adotar para a SABESP, com também Sergipe que vem discutindo a desestatização da Companhia Estadual.
Outro modelo que parece ressurgir é o das PPPs conforme a lei 11.079/2004, porém é necessário observar que este modelo é limitado a fatores como capacidade de pagamento e garantias do contratante público, além das condições técnicas e operacionais que precisam ser estabelecidas para cada caso. É uma boa solução para quem já sabe o que quer, tem clareza sobre como alcançar o que deseja e tem condições econômicas para pagar.
Assim, o cenário social e econômico do Brasil não se alterou por causa da nova lei do saneamento, sendo necessário entender que nem sempre as premissas da B3 poderão se sobrepor a realidade do CADÚNICO, porém, a solução que atende a B3, pode atender ao mundo do CADÚNICO, bastando que os modelos não tenham em mente a geração de ganhos financeiros via outorgas de uso para qualquer fim ou para cobrir déficits fiscais e de má gestão.
Por fim, em relação ao CADÚNICO, seria interessante que ele também tivesse um programa de tarifa social de água e esgoto, como tem para energia elétrica.
Glossário:
B3 – Bolsa de valores (Brasil, Bolsa e Balcão).
CADÚNICO – Registro para identificar famílias de baixa renda, gerido pela Prefeitura.
PMI – Procedimento de Manifestação de Interesse.
PPP – Parceria Público Privada.
Foto no texto: BBC News Brasil, 16.02.20, Tuca Vieira.
Autor: Álvaro José Menezes da Costa
Eng. civil. MSc em Recursos Hídricos e Saneamento, CP3P-F
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