O regime de transição dos contratos irregulares e precários para o cumprimento das regras do Novo Marco Legal do Saneamento Básico estabelecido pelo Decreto nº 11.030/2022 | Coluna Saneamento: Novo Marco Legal

10 de maio de 2022

Em 24/12/2020, foi publicado no Diário Oficial da União o Decreto nº 10.588/2020 que, regulamentando o art. 13 da Lei nº 14.026/2020 e o art. 50 da Lei nº 11.445/2007, dispôs sobre: (i) o apoio técnico e financeiro para a adaptação dos serviços públicos de saneamento básico às disposições do Novo Marco Legal do Saneamento Básico e (ii) a alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União ou geridos ou operados por órgãos ou entidades da União.

Pois bem, em 01/04/2022, o Decreto nº 10.588/2020 restou alterado pelo Decreto nº 11.030/2022 e, passou a contar nos §§ 10 e 11 do art. 3º com um verdadeiro regime de transição para regularizar os contratos irregulares e precários mencionados na parte final do caput do art. 10 e no § 8º do art. 11-B da Lei nº 11.445/2007.

O § 10 do art. 3º do Decreto nº 10.588/2020 com a redação que lhe foi conferida pelo Decreto nº 11.030/2022 permite o acesso, por parte dos titulares do serviço de saneamento básico, a recursos públicos federais ou financiamentos com recursos da União ou geridos ou operados por órgãos ou entidades da União para investimentos de capital nos serviços durante um período de transição da irregularidade/precariedade para a regularização contratual, a qual, por seu turno, nos termos do caput do art. 10 da Lei nº 11.445/2007 depende da celebração de contrato de concessão, mediante prévia licitação.

O grande problema é que tal regime de transição não encontra previsão, seja na Lei nº 11.445/2007, seja na Lei nº 14.026/2020. Assim, ao alterar o Decreto nº 10.588/2020, o Decreto nº 11.030/2022 inovou no ordenamento jurídico, algo que, a rigor, não é cabível a uma norma infralegal expressamente fundamentada no art. 84, caput, inciso IV, da Constituição Federal.

Veja, conforme bem leciona Rafael Munhoz de Mello[1], “o regulamento administrativo não inova a ordem jurídica de modo primário, eficácia reservada à lei formal no sistema constitucional brasileiro, de acordo com o inciso II do art. 5º da Constituição Federal. Reza o princípio da legalidade que apenas lei formal pode criar direitos e obrigações com caráter original, inovando a ordem jurídica de modo primário. ‘Inovar originalmente na ordem jurídica consiste em matéria reservada à lei’, na lição de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Ao regulamento cabe desenvolver os preceitos legais, garantindo ‘sua fiel execução’, nos termos do inciso IV do art. 84 do texto constitucional. Trata-se de regulamento de execução, que não pode criar obrigações e direitos que não tenham sido previstos previamente pelo legislador. Daí afirmar Geraldo Ataliba que ‘por virtude própria o regulamento não obriga a ninguém (…)’. Enfim, a edição de regulamento administrativo, como todo ato proferido no exercício da função administrativa, depende de prévia manifestação de função legislativa, já que o regulamento deve simplesmente desenvolver os preceitos veiculados através da lei.”

Repita-se: tanto o Decreto nº 10.588/2020, como o Decreto nº 11.030/2022 extraem expressamente sua validade do art. 84, caput, inciso IV, da CF/88, sendo ambos, portanto, caracterizados como uma norma regulamentar. Assim sendo, nem o Decreto nº 10.588/2020 e nem o Decreto nº 11.030/2022 poderiam, ao menos em tese, “criar direitos ou obrigações, ao nível das relações intersubjetivas. Caso seja mera repetidora do preceito legal, será inútil. Caso disponha mais que o legislador, será inconstitucional. Logo, cinge-se o âmbito regulamentar em restringir o conteúdo dos preceitos legais, limitando a atuação da Administração Pública, facilitando a aplicação da lei[2].”

Por outro lado, caso se entenda que os Decretos nºs 10.588/2020 e 11.030/2022 se caracterizam como decretos “plurifederativos e dinamizadores” como defende Egon Bockmann Moreira[3] com relação ao Decreto nº 10.710/2021 (que disciplina a comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviço de saneamento), a constitucionalidade de ambos seria extraída do art. 21, inc. XX c/c com o art. 174 da Constituição Federal. Ou seja, seriam os Decretos nºs 10.588/2020 e 11.030/2022 regulamentos econômicos editados para servirem de diretrizes nacionais para o saneamento básico.

Assim, partindo da abordagem feita pelo professor Egon Bockmann Moreira a decisão regulatória da União de expedir um regulamento econômico para criar um regime de transição que permita a regularização dos contratos irregulares e precários para que atendam as regras do Novo Marco Legal do Saneamento Básico estaria indo ao encontro do que preconiza o art. 23 da LINDB.

Mas, na prática, é preciso destacar que, se o regime de transição trazido pelo Decreto nº 11.030/2022, propiciar, ao fim e ao cabo, o atendimento aos princípios fundamentais da prestação dos serviços de saneamento básico estabelecidos no art. 2º da Lei nº 11.445/2007, quaisquer discussões sobre a sua validade precisarão levar isso necessariamente em conta.

Aldem Johnston Barbosa Araújo
é advogado em Mello Pimentel Advocacia,
pós-graduado em Direito Público,
pós-graduando em Licitações e Contratos Públicos e
pós-graduando em Convênios e Parcerias Governamentais.

Notas
[1] Mello, Rafael Munhoz de, Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador, São Paulo, Malheiros, 2007, págs. 115/116.
[2] Oliveira, Regis Fernandes de, Infrações e Sanções Administrativas, 2ª edição, revista, atualizada e ampliada, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2005, pág. 62.
[3] Moreira, Egon Bockmann, Serviços de água e esgotamento: notas sobre o Decreto 10.710/2021 e a “comprovação da capacidade econômico-financeira”, Direito do Estado. Número 482. Disponível na internet: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/egon-bockmann-moreira/servicos-de-agua-e-esgotamento-notas-sobre-o-decreto-10710-2021-e-a-comprovacao-da-capacidade-economico-financeira. Acesso em: 15/04/2022.

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