A temática das Fake News assumiu grande notoriedade, sobretudo, nos últimos anos, sendo inclusive essa terminologia eleita como a palavra do ano de 2017 pelo Dicionário Collins[1]. Cumpre destacar, todavia, que as Fake News sempre estiveram presentes em sociedade, mas, assumiram em decorrência do advento da sociedade de informação uma maior proeminência e assiduidade.
A sociedade contemporânea se apresenta intensamente marcada pelo alto grau de tecnologias informacionais presentes na vida dos indivíduos, a ponto dessas tecnologias promoverem uma alteração em nível econômico, ocupacional, espacial e cultural, e por esse motivo se convencionou classificá-la como sociedade da informação.
Informação é poder, por esse motivo nem sempre se quer informar fidedignamente, sendo que nessa perspectiva se apresenta o fenômeno das Fake News, que evidencia disseminação de notícias sabidamente inverídicas com objetivo de desinformar ou obter vantagem política ou econômica[2].
Segundo a teoria do Marketplace das Ideias, as ideias verídicas deviam prevalecer sobre as falsas[3], entretanto, essa teoria reputa-se falha diante do fenômeno da pós-verdade, que se perfectibiliza pela tendência de fatos objetivos terem menor influência para moldar a opinião pública do que aqueles que apelam para emoções. Esse fenômeno tornou-se tão relevante que o termo post-truth, em português pós-verdade, foi eleito a palavra do ano de 2016 pelo Dicionário Oxford da Língua Inglesa[4].
O comportamento aparentemente irracional de valorizar fatos que apelam para emoções em detrimento de fatos objetivos pode ser explicado pela teoria do viés da informação, que preceitua que esse é um comportamento normal do ser humano, decorrente do funcionamento do cérebro humano, que por ter uma perspectiva de que como a maioria das crenças pretéritas do indivíduo são verdadeiras, busca confirmar suas crenças e resistir a informações contrárias, ainda que verdadeiras. Nesse contexto, se tem ainda o aspecto social, pelo qual a adesão social tem mais influência em ser um validador de uma informação do que mecanismos críticos[5].
Desse modo depreende-se que a busca da verdade por meio de mecanismos críticos é um processo mais complexo para o cérebro, mas é possível, e necessário em uma sociedade de informação.
A necessidade de se buscar a verdade por meio da criticidade decorre, sobretudo, das Fake News representarem um risco, na medida em que são desinformativas aos indivíduos e, consequentemente, podem gerar danos tanto à esfera pessoal quanto à esfera social, ocasionando o que se denomina de desordem informacional[6].
Um evidente exemplo dos potenciais dados causados pelas Fake News se apresenta nas hipóteses relacionadas à saúde, pois, podem ser devastadoras ao indivíduo e até mesmo a uma geração inteira[7]. Em tempos de pandemia ocasionada pela propagação do vírus Coronavírus, qualquer desinformação acerca de como evitar a contaminação, ou mesmo de tratamentos sem comprovação científica podem implicar em mortes.
Uma vez evidenciado os potenciais danos decorrentes da disseminação de Fake News, se constata a dificultosa tarefa de sopesar o direito à liberdade de expressão e a disseminação indevida das Fake News.
O direito a liberdade de expressão ou direito a manifestação do pensamento, consagrado por meio do art. 5º, IV, V e IX, CF e do art. 220 da CF, assegura a possibilidade jurídica, dentro de determinado ordenamento jurídico, de falar, escrever e exprimir ideias, de interesse público ou não, de importância e de valor ou não, sem a necessidade de uma verificação prévia acerca de seu conteúdo. No entanto, tal direito não é irrestrito, encontrando limites na hipótese da colisão com outros direitos fundamentais e com outros valores constitucionalmente estabelecidos.
As Fake News, enquanto notícias deliberadamente falsas, não estão contempladas pelo direito de liberdade de expressão estabelecido no ordenamento jurídico brasileiro. Logo, o exercício da liberdade de expressão encontra limites, somente sendo admitido para divulgação de informações verdadeiras, e em consonância com a proteção dos direitos da personalidade.
Os direitos da personalidade, consagrados por meio dos art. 1º, III e art. 5º, X, CF, e arts. 11 a 21, CC, decorrem do princípio da dignidade da pessoa humana, na medida que representam direitos aos atributos fundamentais do homem como honra, privacidade, intimidade, imagem, dentre outros. Cumpre destacar que embora o Código Civil tenha buscado sintetizar e colmatar a proteção aos direitos da personalidade, estabelecendo um rol de direitos, o referido diploma legal não visou a ser exaustivo, na medida em que os direitos da personalidade não se limitam ao rol exemplificativo previsto em lei, e, portanto, podem ser caracterizados como ilimitados.
O direito a honra, isto é, a própria integridade e identidade moral da pessoa, especialmente, encontra-se atrelado à temática das Fake News, isso porque, por vezes, as notícias falsas surgem com o intuito de alterar a impressão que o corpo social possui sobre determinada pessoa.
Na hipótese de ocorrência de violação aos direitos da personalidade poder-se-á pleitear a cessação da violação bem como outras formas de reparação previstas no ordenamento jurídico, especialmente, por meio modelo jurídico da responsabilidade civil, inclusive, as violações deflagradas em ambiente virtual, que são as mais corriqueiras na atualidade.
Importante destacar que no âmbito das redes sociais, supera-se a noção de que o emissor é essencialmente o único causador dos danos, sendo também causadores do evento danoso os replicadores e o provedor de internet. Entretanto, os danos somente podem ser aferíveis diante das circunstâncias delineadas no caso concreto, sendo necessário a ponderação entre o exercício da liberdade de expressão em contraposição com a proteção da intimidade e da honra.
A Responsabilidade Civil, por meio de suas funções, poderá perfectibilizar-se em uma reparação de caráter econômico, bem como de caráter preventivo buscando-se a minimização dos danos, por meio da retirada da notícia falsa em circulação, do direito de resposta e do direito a retratação.
Acerca da retirada de notícias falsas de circulação e o direito de resposta merecem ainda um aprofundamento tendo em vista as recentes legislações que fazem referências as mesmas, quais sejam, a Lei 13.188/2015 (Lei do Direito de Resposta) e a Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet).
A Lei 13.188/2015 estabeleceu o método do Direito de Resposta, o qual visa a permitir o retorno ao status quo ante em matéria de violação ao Direito à Honra, merecendo destacar que a resposta deve ter a mesma publicidade, dimensão, periodicidade e alcance da notícia original.
Enquanto, a Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), notadamente em seu artigo 19, prevê a possibilidade de retirada do conteúdo falso da internet. Cumpre ressaltar que é necessária a interpelação judicial do provedor de aplicação de internet para a retirada do conteúdo e responsabilização do mesmo, bem como que se indique pormenorizadamente em quais sítios eletrônicos encontra-se o conteúdo a ser retirado. Constata-se, todavia, que a discriminação exigida pela lei é reprovável na medida em que é extremamente dificultosa para as vítimas de Fake News.
Para os leitores interessados em se aprofundarem na temática de Fake News recomenda-se a leitura do capítulo “Repercussões do Exercício da Liberdade de Expressão e da Disseminação de Fake News no Contexto da Sociedade da Informação”, de autoria de Clayton Douglas Pereira Guimarães e Michael César Silva, no Livro “Liberdade de Expressão e Relações Privadas”, organizado por Marcos Ehrhardt Júnior, Fabíola Albuquerque Lobo, e Gustavo Andrade, disponível na Loja Virtual FÓRUM.
Clayton Douglas Pereira Guimarães
Especialista em Ciências Jurídicas
com ênfase em Direito Civil e Processo Civil
pela Faculdade Arnaldo Janssen. Advogado.
Michael César Silva
Doutor e Mestre em Direito Privado
pela PUC Minas. Especialista em Direito de Empresa
pela PUC Minas. Professor da Escola Superior Dom Helder Câmara.
Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva.
Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC).
Advogado. Mediador Judicial credenciado pelo
Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Referências
[1] COLLINS, Dictionary. Word of the Year 2017. 2017
[2] BRAGA, Renê Morais da Costa. A indústria das fake news e o discurso de ódio. In: PEREIRA, Rodolfo Viana (Org.). Direitos políticos, liberdade de expressão e discurso de ódio: volume I. Belo Horizonte: Instituto para o Desenvolvimento Democrático, p.203-220, 2018, p.205. Disponível em: http://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/bitstream/handle/bdtse/4813/2018_braga_industria_fake_news.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 02 dez. 2020
[3] QUINELATO, João. Liberdade, verdade e fake news: mecanismos para o ressarcimento de danos. In: EHRHARDT JÚNIOR, Marcos; CATALAN, Marcos; MALHEIROS, Pablo (Coords.). Direito Civil e tecnologia. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 473.
[4] OXFORD, Dictionary. Word of the Year 2016. 2016. Disponível em: https://www.oxforddictionari es.com/press/news/2016/12/11/WOTY-16. Acesso em: 02 dez. 2020
[5] O GLOBO. Neurocientista explica porque as pessoas nunca mudam de opinião nas redes sociais. 2018. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/neurocientista-explica-por-que-as-pessoas-nunca-mudam-de-opiniao-nas-redes-sociais-23071786. Acesso em: 27 dez. 2020
[6] GUIMARÃES, Glayder Daywerth Pereira; SILVA, Michael César. Implicações das Fake News na Responsabilidade Civil Digital: a eclosão de um novo dano social. In: Ferri, Carlos Alberto; Almeida, José Luiz Gavião de; Lellis, Lélio Maximo (Orgs.). Direito, ética e cidadania: estudos em homenagem ao professor Jorge Luiz de Almeida: volume 1. Curitiba: CRV, 2020, p.185-204.
[7] BERTI, Orlando Maurício de Carvalho. Quem cuida de quem cuida? As redes sociais em tempos de combate à pandemia da COVID-19 contra as fake news. Revista Rizoma, Santa Cruz do Sul, v. 8, n. 1, p.65-184, 2020.
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