A pouco menos de 2 meses de se completar 1 (um) ano de vigência da Lei Federal n° 14.026/2020, promulgada em 15 de julho de 2020, o que a retrospectiva do “novo” Marco Legal do Saneamento nos mostra é que, de fato, a conjuntura do setor foi revolucionada e, em que pese algumas incertezas permanecerem sem respostas, a inovação legislativa já se mostra frutífera.
O leilão bilionário da CEDAE veio para assentar tudo aquilo sobre o que se escreveu em relação ao “novo marco”: o interesse acentuado da iniciativa privada pelo setor; a importância da concorrência para a maximização da atração de investimentos e a imprescindibilidade da regionalização da prestação para a aplicação eficiente dos recursos. Evidenciou-se, ainda, que para além da “vez do setor privado”, é a vez de se encorajar as oportunidades estratégias de negócios entre setores privados e públicos, notadamente envolvendo as companhias estaduais de saneamento eficientes.
As disputas pelos blocos 1 e 2 do megaleilão foram extremamente acirradas entre os Consórcios liderados pela Aegea e pela Iguá Saneamento. Especulou-se, em relação a este último, a participação em parceria da Companhia Estadual de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP. Digo “especulou-se”, pois, conquanto diversos canais tenham veiculado a informação de que a Companhia Estadual teria participado, enquanto integrante do consórcio liderado pela Iguá, do leilão, a própria SABESP divulgou em 02/05/2021 Fato Relevante informando que “a Companhia detém uma opção de integrar a SPE detentora do bloco 2, com posição minoritária e sem custos, exceto as capitalizações exigidas dos acionistas para fazer jus às obrigações da futura concessionária, caso venha a exercer a referida opção”[1].
Apesar de não haver mais informações acessíveis sobre a referida parceria até a data de elaboração do presente artigo, certo é que, a se confirmar a sua operacionalização, estaremos diante da inauguração da modalidade não apenas como alternativa à “privatização” de estatais de saneamento sustentáveis, mas sobretudo como oportunidade de efetiva interação com ganhos múltiplos para setores que, até então, eram vistos como opositores. Ganha o privado com a experiência estatal, ganha o setor público com as práticas dinâmicas e inovadoras do privado, a serem assimiladas igualmente no âmbito de atuação exclusiva da respectiva CESB. Beneficia-se o usuário do serviço.
Não se pode olvidar, por outro lado, que o resultado do referido leilão também sinalizou o que há muito se especulava: as áreas mais necessitadas e pouco rentáveis não atraem o interesse do investidor. A ausência de propostas para o bloco 3 reforça a necessidade de que a regionalização do serviço seja estrategicamente planejada, sob pena de não servir ao propósito da universalização do saneamento básico no prazo pretendido pela Lei n° 14.026/2020.
Que esse resultado sirva de norte essencial para os projetos em elaboração, privilegiando-se modelagens capazes de fomentar parcerias institucionais e, sobretudo, atraí-las para atuar nas localidades mais vulneráveis, sob pena de suas populações restarem relegadas à margem das metas previstas pelo artigo 11-B da Lei n° 11.445/07[2]. Isso porque, conquanto o dispositivo tenha concedido margem de 1% e de 10% para a universalização dos serviços, respectivamente, de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos, o que se espera é que esses percentuais sejam ocupados pelas situações em que tecnicamente inviável a implantação de soluções de saneamento por meio de rede pública de água e de esgoto, e não por aquelas cuja licitação não foi capaz de atrair o interesse dos operadores. Se assim for, ter-se-á muito mais a comemorar a cada 15 de julho.
Bruna Crystie Gregio Dias
é advogada na Companhia Estadual de Saneamento
Básico do Estado de São Paulo – SABESP.
Especializanda em Direito Administrativo pela FGV/SP.
Aprofunde-se sobre o tema
Quinzenalmente, estudiosos da área contribuem com reflexões a respeito da Lei Federal nº 14.026/2020 aqui no site da FÓRUM. Para você aprofundar-se ainda mais sobre o tema, os coordenadores desta coluna, Andréa Costa de Vasconcelos, Ana Carolina Hohmann e Bernardo Strobel Guimarães, lançam o livro Novo Marco Legal do Saneamento, disponível na versão impressa e também na versão digital.
A obra dedica-se a examinar o texto legal sob seus diversos aspectos, trazendo olhares múltiplos, na expectativa de que num futuro breve possamos ter um saneamento básico próximo à universalização em território nacional, prestado de modo eficiente e adequado, tal qual propugnado na Constituição da República.
[1] Disponível em: https://ri.sabesp.com.br/informacoes-financeiras/submetidas-a-cvm/. Acesso em 03 de maio de 2021.
[2] Os contratos de prestação dos serviços públicos de saneamento básico deverão definir metas de universalização que garantam o atendimento de 99% (noventa e nove por cento) da população com água potável e de 90% (noventa por cento) da população com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033, assim como metas quantitativas de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento