A contratação de advogado sem licitação não constitui ato de improbidade administrativa. A Ordem dos Advogados do Brasil precisa defender as prerrogativas de seus inscritos

27 de junho de 2017

Gina Copola – Advogada militante em Direito Administrativo

I – Uma decisão da Vara da Fazenda Pública de Rio do Sul, em Santa Catarina, proferida nos autos nº 0904612-23.2015.8.24.0054, afastou a tese de improbidade administrativa em ação manejada contra advogada contratada sem licitação.

Tal decisão não é inédita, mas alcançou destaque no mundo jurídico ao afastar a ocorrência de dano ao erário e decretar que “os serviços foram devidamente prestados e o valor entabulado foi adequado, o que afasta o reconhecimento da prática de atos ímprobos”.

É de império destacar que, no caso aqui comentado, a Comissão de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina ingressou nos autos como amicus curiae e para defender as prerrogativas da advogada, atitude que deveria ser adotada com mais frequência pela OAB em todos os estados brasileiros em ações judiciais como a aqui referida.

II – Isso porque de fato a contratação de advogado sem prévia licitação não constitui, por si só, ato de improbidade administrativa.

Com todo efeito, decidiu o egrégio Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.192.332-RS, rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, da 1ª Turma, julgado em 12.11.13:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS COM DISPENSA DE LICITAÇÃO. ART. 17 DA LIA. ART. 295, V DO CPC, ART. 178 DO CC/16. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ARTS. 13 E 25 DA LEI 8.666/93. REQUISITOS DE EXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. SINGULARIDADE DO SERVIÇO. INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO. NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR NA ESCOLHA DO MELHOR PROFISSIONAL, DESDE QUE PRESENTE O INTERESSE PÚBLICO E INOCORRENTE O DESVIO DE PODER, AFILHADISMO OU COMPADRIO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (…)

4. É impossível aferir, mediante processo licitatório, o trabalho intelectual do Advogado, pois trata-se de prestação de serviços de natureza personalíssima e singular, mostrando-se patente a inviabilidade de competição.

5. A singularidade dos serviços prestados pelo Advogado consiste em seus conhecimentos individuais, estando ligada à sua capacitação profissional, sendo, dessa forma, inviável escolher o melhor profissional, para prestar serviço de natureza intelectual, por meio de licitação, pois tal mensuração não se funda em critérios objetivos (como o menor preço).

6. Diante da natureza intelectual e singular dos serviços de assessoria jurídica, fincados, principalmente, na relação de confiança, é lícito ao administrador, desde que movido pelo interesse público, utilizar da discricionariedade, que lhe foi conferida pela lei, para a escolha do melhor profissional.
O v. acórdão, portanto, deu provimento ao recurso especial interposto para julgar improcedentes os pedidos da inicial da ação civil por ato de improbidade administrativa proposta, e, com isso, portanto, reconhecer a absoluta legalidade da contratação de advogado de forma direta, por inexigibilidade de licitação, nos termos da Lei Federal nº 8.666/93, art. 25 e art. 13.

III – E ainda no mesmo sentido decidiu o e. STJ, Recurso Especial nº 1.181.806-SP, rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, da 1ª Turma, julgado em 07.11.2013:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. CONTRATAÇÃO DE ASSESSORIA JURÍDICA PELO MUNICÍPIO DE NHANDEARA/SP (CONTRATO 36/97). AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE EFETIVO DANO AO ERÁRIO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO DO CAUSÍDICO NA DEVOLUÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS EM DECORRÊNCIA DO PACTO 36/97, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO ENTE MUNICIPAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ATRIBUIÇÃO DE EFEITO EXPANSIVO SUBJETIVO À PRESENTE DECISÃO, PARA EXCLUIR A CONDENAÇÃO DA PREFEITA NO ALEGADO ILÍCITO DE IGUAL NATUREZA (ART. 509 DO CPC).

1. A negativa de vigência ao art. 535 do CPC somente se vislumbra quando o Tribunal de origem incorre em omissão, obscuridade ou contradição sobre matérias elementares para o deslinde da controvérsia.

2. A condenação do Agente Público e de terceiros no ressarcimento ao Erário, via de regra, demanda a comprovação do nexo causal entre a conduta ilícita do Agente ou do terceiro (dolosa ou culposa) e o dano causado ao Ente Estatal, sendo insuficiente, portanto, a mera presunção do prejuízo ao Estado. Precedente: AgRg no AREsp 107.758/GO, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 10.12.2012.

3. In casu, restou incontroversa a prestação dos serviços de assessoria jurídica pelo Causídico, nos termos pactuados entre este último e o Ente Municipal no Contrato 36/97, de maneira que o Tribunal de origem impôs ao Advogado e à Prefeita a condenação de ressarcir ao Erário o valor acertado (R$18.600,00) sob o fundamento de não haver justificação para a estipulação da quantia e, ainda, por ter o Causídico elaborado, concretamente, apenas uma petição, interposto Recursos Especiais e impetrado Mandado de Segurança.

4. Contudo, apesar de o desenrolar das ações e dos procedimentos terem requerido, efetivamente, apenas as peças enumeradas pela Sentença, o fato é que o acompanhamento das ações e dos procedimentos foram, de fato e em conformidade com o Contrato 36/97, prestados, não servindo de parâmetro, para fins de apuração da razoabilidade do valor do Contrato, apenas as petições elaboradas pelo Advogado; e assim é, porque o desenvolvimento das ações e procedimentos elencados no Contrato 36/97 poderiam ter exigido outras atuações do Procurador, mas a sucessão dos fatos ocorridos na realidade demandou, apenas, os trabalhos deflagrados pelo Causídico.

5. Ademais, eventual ausência de justificação do valor estipulado entre o Causídico e o Município de Nhandeara/SP (R$18.600,00), por si só, não configura prejuízo ao Erário; o dano em comento, por ser concreto e auferível empiricamente, deve ser comprovado, não se admitindo presunções, nesse aspecto.

6. Recurso Especial provido, em que pese o parecer Ministerial em sentido contrário, para afastar a condenação ressarcitória imposta ao Causídico. Atribui-se efeito expansivo subjetivo à presente Decisão (art. 509 do CPC), para excluir a obrigação de devolução de valores ao Município, imposta à Prefeita.
É de império destacar que o recurso especial foi interposto pela Ordem dos Advogados do Brasil, que tem se manifestado a favor dos advogados em lides como a presente, uma vez que o trabalho do advogado é intelectual, singular e especializado, o que torna impossível sua exposição em competição licitatória, conforme afirmou o Presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da seccional paulista, Dr. Ricardo Toledo Santos Filho.

IV – E no mesmo diapasão, decidiu e. TJSP, Apelação nº 0007304-74.2005.8.26.0196-Franca, rel. Des. Maria Olívia Alves, 6ª Câmara de Direito Público, julgado em 16.12.13:

APELAÇÕES. Ação civil pública – Improbidade Administrativa – Contratação sem licitação de escritório de advocacia para revisar judicialmente o relacionamento do Município com as concessionárias de energia elétrica – Sentença de procedência – Inocorrência de nulidade ou cerceamento de defesa – Reforma que entretanto se impõe – Presença dos requisitos legais autorizadores da contratação direta – Ausência de ilegalidade – Não caracterização da improbidade, ademais, em face da falta de prejuízo e na inexistência de qualquer lesão ao princípio da impessoalidade – Rejeição da matéria preliminar – Provimento dos recursos réus, prejudicado o recurso do Ministério Público.
O v. voto condutor cita precedentes do e. STJ e do próprio TJSP:

Parto da premissa, assentada já pelo Eg. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de que “a contratação de serviços de advogado por inexigibilidade de licitação está expressamente prevista na Lei 8.666/93, art. 25, II c.c art. 13, V” (REsp n. 1.285.378/MG, 2ª Turma, rel. Min. CASTRO MEIRA, j. 13.03.2012). (…)

No referente à singularidade do objeto, esta Colenda Câmara tem entendido que “o fato do ente público contar com quadro de Procuradores não obsta a contratação de auxílio externo para a realização de tarefas específicas (…), ainda que para não sobrecarregar seus funcionários.” (Ap. n. 0009041-61.2010.8.26.0318, rel. Des. EVARISTO DOS SANTOS, j. 04.11.2013).
A única conclusão possível, portanto, é a de que a contratação de advogado notoriamente especializado por inexigibilidade de licitação e para a execução de objetos de natureza singular nos termos do art. 25, II, c/c o art. 13, V, da Lei Federal nº 8.666/93 é perfeitamente legal e, dessa forma, não constitui ato de improbidade administrativa, conforme se depreende da leitura do r. acórdão ora comentado.

V – O que se almeja, porém, é que a Ordem dos Advogados do Brasil sempre adote uma posição firme e decisiva com relação ao tema e, com isso, defenda sempre de forma veemente as prerrogativas de seus inscritos, como fez a Ordem dos Advogados do Brasil – Conselho Federal, em Conselho Pleno, que deliberou de forma clara sobre o tema contratação de advogados por inexigibilidade de licitação e determinou orientação a ser seguida por todos os profissionais.

Vejamos:

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

CONSELHO FEDERAL

CONSELHO PLENO

SÚMULA Nº 4/2012/COP

O CONSELHO PLENO DO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, no uso das atribuições que lhe são conferidas nos arts. 75, parágrafo único, e 86 do Regulamento Geral da Lei nº 8.906/94, considerando o julgamento da Proposição n. 49.0000.2012.003933-6/COP, decidiu, na Sessão Ordinária realizada no dia 17 de setembro de 2012, editar a Súmula n. 04/2012/COP, com o seguinte enunciado: “ADVOGADO. CONTRATAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. Atendidos os requisitos do inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, é inexigível procedimento licitatório para contratação de serviços advocatícios pela Administração Pública, dada a singularidade da atividade, a notória especialização e a inviabilização objetiva de competição, sendo inaplicável à espécie o disposto no art. 89 (in totum) do referido diploma legal.”

Brasília, 17 de setembro de 2012.

OPHIR CAVALCANTE JUNIOR

Presidente

JARDSON SARAIVA CRUZ

Relator (DOU – Nº 205, terça-feira, 23 de outubro de 2012, p. 119)
VI – Cite-se, ainda, o v. acórdão da 1ª Câmara de Direito Público do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sessão realizada no dia 7 de outubro de 2014, nos autos da Apelação nº 0000987-97.2011.8.26.0439-Pereira Barreto, tendo como relator o Desembargador Luiz Francisco Aguilar Cortez, com o voto nº 16.177 e acórdão registrado nº 2014.0000631203, com a ementa:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Contratação de escritório de advocacia sem licitação – Possibilidade – Artigos 13, V, e 25, II, e §1º, da Lei nº 8.888/93 – Ajustes com natureza singular – Precedentes – Ilegalidade afastada – Honorários e forma de pagamento regulares – Prática de ato de improbidade não caracterizada – Sucumbência indevida – Recurso provido em parte.
VII – Não se olvide, ainda, da Recomendação expedida pelo órgão máximo do e. Ministério Público, que é o Conselho Nacional do Ministério Público, que aprovou, por maioria de votos, nos autos do Processo nº 171/2014-42, a recomendação que define que a contratação direta de advogado ou escritório de advocacia por ente público, por inexigibilidade de licitação, por si só, não constitui ato ilícito ou ímprobo.

E conforme consta da notícia publicada no próprio site do CNMP, de onde se lê:

O objetivo da recomendação é garantir a inviolabilidade e o exercício profissional do advogado recomendando-se aos membros do Ministério Público de se absterem de adotar medidas contrárias ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que, de acordo com os artigos 13 e 25 da Lei 8.666/93, autoriza o ente público a contratar advogado por inexigibilidade de licitação. (Grifamos)
Tais decisões precisam ser observadas com mais detença pelos d. órgãos ministeriais.

VIII – E, no mesmo diapasão, é a recente decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.626.693, relator p/acórdão Min. Sérgio Kukina, julgado em 9 de março de 2017, com a seguinte irrepreensível ementa:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE. LICITAÇÃO PARA CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO. CARTA-CONVITE. EXISTÊNCIA DE CORPO JURÍDICO MUNICIPAL QUE NÃO INVIABILIZA O CERTAME. RESPEITO ÀS REGRAS DO 22, III, §3o E 23, II, A DA LEI 8.666/93. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA CONDUTA PREVISTA NO ART. 10, VIII, DA LEI 8.429/92. AUSÊNCIA DE ATO QUE ATENTE CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VIOLAÇÃO AO ART. 11 DA 8.429/92 NÃO CONFIGURADA.

1. Tendo em vista que o objeto da licitação por carta-convite foi considerado pelo próprio Ministério Público autor como trabalho rotineiro, não há falar na necessidade de comprovação da notória especialização dos causídicos concorrentes.

2. A existência de corpo jurídico no âmbito da Municipalidade, só por si, não inviabiliza a contratação de advogado externo para a prestação de serviço específico para a Prefeitura.

3. A licitação do objeto do contrato mediante carta-convite atendeu às regras previstas nos arts. 22, III, §3º e 23, II, a da Lei no 8.666/93, motivo pelo qual não há falar na caracterização do ato ímprobo descrito no art. 10, VIII, da Lei 8.429/92, consubstanciado em “frustar a licitude de processo licitatório”.

4. O contexto fático probatório dos autos permite concluir que o procedimento licitatório adotado pelo gestor respeitou os princípios da legalidade, da finalidade, da impessoalidade e da moralidade, norteadores da administração pública, inexistindo, portanto, ato de improbidade enquadrável no art. 11 da LIA.

5. Recursos especiais providos, com a consequente improcedência da ação de improbidade movida contra os recorrentes (advogado contratado e o então prefeito).
E o v. voto condutor é cristalino ao afastar a incidência do ato de improbidade administrativa na contratação de advogado que não restou marcada por qualquer má-fé, dolo, ou prejuízo aos cofres públicos.

IX – Cite-se, por fim, Mauro Roberto Gomes de Mattos,1 com sua habitual lucidez e acerto:

Portanto, encontrando a sustentação na jurisprudência e na própria Lei de Licitações, não há que se falar em improbidade administrativa do advogado contratado diretamente e nem do administrador público que lhe confiou importante e indelegável missão de bem servir à coletividade e ao Estado.
Tem-se, para concluir, que a contratação de advogado sem licitação, por si só, não é, nem poderia ser ato de improbidade administrativa, conforme a jurisprudência e a orientação do Conselho Nacional do Ministério Público, sendo que o que se espera e deseja é que a Ordem dos Advogados do Brasil atue de forma mais eficaz em ações com tal objeto e na defesa das prerrogativas de seus inscritos, assim como fez em Rio do Sul, Estado de Santa Catarina.

Fevereiro de 2017.

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