Leia na íntegra o artigo do ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux. O texto foi publicado na edição número 14 da Revista Brasileira de Direito Eleitoral – RBDE.
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I Breve síntese da controvérsia
O cerne do presente recurso especial eleitoral, em apertada síntese, consiste em perquirir se cacique de aldeia indígena pratica (ou não) abuso de autoridade, de ordem a figurar, desse modo, no polo passivo de ação de investigação judicial eleitoral.
Antes de enfrentar a questão jurídica debatida, faço um breve resumo dos eventos que se sucederam até o momento.
Na origem, o Ministério Público Eleitoral ajuizou Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) em face (i) de Dirceu Retanh Pereira Santiago — cacique da Reserva Indígena Ivaí e candidato ao cargo de Vereador do Município de Manoel Riba/PR —, (ii) de Maurílio Viana Pereira e (iii) de José Vieira da Rosa, candidatos, respectivamente, aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito da referida municipalidade.
A causa petendi da aludida ação veiculava a suposta prática de abuso de autoridade por Dirceu Retanh Pereira Santiago, consubstanciada no direcionamento de votos da população indígena e dos professores da rede pública de ensino em benefício dos demais investigados, bem como a prática de abuso do poder político por Maurílio Viana Pereira e por José Vieira da Rosa.
O Juízo Eleitoral julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial, para (i) cassar o registro da candidatura de Maurílio Viana Pereira e declarar sua inelegibilidade, (ii) declarar a inelegibilidade de Dirceu Retanh Pereira Santiago, em razão do abuso de autoridade, nos termos do art. 22, XIV, da LC nº 64/90, e (iii) afastar as imputações feitas a José Vieira da Rosa.
Concluiu o magistrado a quo que Dirceu Retanh Pereira Santiago, valendo-se do poder decorrente da sua posição de cacique da aldeia, direcionou os votos da população indígena local e os votos dos professores da rede pública de ensino que lecionam na Reserva em benefício de Maurílio Viana Pereira.
Contra essa decisão, foram interpostos dois recursos eleitorais: o primeiro, por Maurílio Viana Pereira (fls. 249-291), e, o segundo, por Dirceu Retanh Pereira Santiago (fls. 299-334).
Ao examiná-los, o Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Paraná deu provimento para reformar integralmente a sentença recorrida. O aresto hostilizado assentou que o abuso de poder punível pela legislação eleitoral pressupõe que o autor da conduta possua atribuição típica de agente público, o que não se verifica no caso de Dirceu Retanh Pereira Santiago, cacique de tribo indígena.
Sobreveio, então, a interposição do presente recurso especial eleitoral, com arrimo no art. 276, I, a, do Código Eleitoral, no qual o Parquet Eleitoral aponta ultraje aos arts. 22, XVI e 19, caput e parágrafo único, da LC nº 64/90.
Na sessão jurisdicional nº 76/2014, realizada em 19/8/2014, o Relator Ministro Henrique Neves proferiu voto no sentido de desprover o recurso especial, por não vislumbrar a configuração do abuso de poder na espécie.
Consignou que a caracterização do abuso do poder político depende, essencialmente, da demonstração de atos praticados por ocupantes de cargos ou funções públicas nas esferas da administração direta ou indireta, de maneira que o cacique indígena não pode ser considerado agente público.
Demais disso, sustentou que, não obstante os vereadores sejam essencialmente agentes políticos, o Tribunal de origem consignara que os atos de Dirceu Retanh Pereira Santiago não foram praticados no exercício do cargo de vereador conquistado em final de mandato, mas somente como cacique da Reserva Indígena Ivaí, circunstância que impede seu reexame por esta Corte Superior em sede especial, a teor das Súmulas nos 279/STF e 7/STJ.
Ainda sob esse enfoque, pontuou que o recurso especial não infirma a conclusão de que os atos praticados pelo cacique não estavam relacionados com o exercício do mandato de vereador, o que atrairia a incidência da Súmula nº 283 do STF.
Por fim, vislumbrando a possibilidade de os fatos constantes dos autos poderem, em tese, caracterizar crimes contra a liberdade do voto e o livre exercício da propaganda eleitoral (art. 301 do Código Eleitoral), determinou a remessa de cópia integral do feito ao Ministério Público Eleitoral, para as providências cabíveis.
Em seguida, pedi vista dos autos para melhor exame do caso. Amadurecidas as minhas reflexões, trago-as à apreciação da Corte.
É o relatório
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